“Tem gente que acha que é culpa minha”, diz jovem estuprada pelo tio
Em entrevista exclusiva ao Metrópoles, estudante conta detalhes sobre os atos cometidos pelo servidor da Novacap desde que ela tinha 8 anos
atualizado
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Durante grande parte da infância e da adolescência, *Luísa sofreu abusos sexuais do próprio tio, um servidor, de 50 anos, da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Ela não se lembra ao certo quando os ataques começaram, mas a memória mais antiga da jovem estudante, hoje com 18 anos, é de quando tinha apenas oito. “Ele começou a mostrar desenhos de cunho sexual”, recorda, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Luísa diz que os abusos foram se tornando mais graves e frequentes com o passar do tempo. Para atrai-la, o tio oferecia presentes, como doces e celular. “Coisas que meus pais não me dariam”, conta. Segundo ela, o homem tentou ganhar a sua confiança e foi se aproximando aos poucos, mostrando-se amigável, antes de tocá-la pela primeira vez com intenções sexuais .
Quando os crimes estavam acontecendo com a filha, mesmo sem terem conhecimento, os pais chegaram a proibi-la de ir à casa do parente. “Eu queria as coisas que ele me dava, e, como minha mente estava muito manipulada, eu ia lá”, lembra.
Conforme o relato da vítima, além da própria residência, o funcionário público usava uma chácara para praticar os abusos e a levava para festas, shoppings e restaurantes.
A jovem conta que o homem fazia chantagem emocional para tentar convencê-la a não denunciá-lo. Persuasivo, chegou até a chorar na presença da menina quando ela resolveu que contaria sobre os “encontros” à família. Naquela situação, Luísa recuou e ficou em silêncio. “Depois eu olhei para a cara dele e pensei: é, não dá mais”.
Homem foi preso na manhã do último dia 10 de agosto
Denúncia
A estudante tinha 15 anos quando revelou à mãe o que acontecia nos momentos em que ficava sozinha com o tio. No entanto, a mulher preferiu fazer um acordo com o irmão a procurar as autoridades. As condições impostas a ele seriam o pagamento de R$ 600 e a participação em atividades da igreja frequentada por ela. “Minha mãe dava parte do dinheiro para mim e parte para a minha irmã.”
Após a divulgação, os crimes cessaram. Três anos depois, a garota decidiu que seria hora de ver o tio pagar pelos abusos. Luísa, então, buscou orientações e foi à 19ª Delegacia de Polícia para contar tudo. Ela pretendia evitar que outras crianças fossem vítimas do parente.
Eu esperei fazer 18 anos para falar com a advogada e com mais um monte de pessoas para denunciar. Eu fui sabendo das consequências, não contei nem para a minha mãe nem para o meu pai”.
Luísa, vítima de abusos pelo tio
Além de toda a violência sofrida, ela disse ter enfrentado a falta de apoio e o descrédito de familiares. “Nem todo mundo está do meu lado e tem gente que acha que é culpa minha. Não sei porque as pessoas acham isso. O que uma criança de 8 anos tem a oferecer para um cara de 40 e poucos?”, indaga.
Manipulação
Segundo a estudante, a mãe teria ficado com raiva quando soube do depoimento. “Ela é uma pessoa que manipula muito e me disse um monte de coisas ofensivas, depois veio dizendo que não falou. Ela bota muito a culpa na minha sexualidade.”
A jovem conta que a mulher não lida bem com a orientação sexual dela e não aceita o fato de a filha ser lésbica. “É inevitável eu não querer chegar perto de um homem. Olha o que um cara fez comigo”, desabafa.
A mãe chegou a pedir para ela não contar ao pai sobre os estupros, diz a vítima. “Não queria que eu falasse com ninguém, pois tinha medo de meu pai ir atrás dele e matá-lo, mas ela levou isso numa boa”, lamenta. A conduta da mulher, que teria aceitado pagamento para não delatar o irmão, também é investigada.
Outro caso
Luísa relatou ao Metrópoles um outro caso de pedofilia até então não revelado. Segundo ela, a irmã mais nova também foi vítima do tio.
“Foi mais pesado porque ela resistiu. Ele falava que minha irmã não prestava e a forçava mesmo assim, enquanto ela gritava para minha avó ir lá. Minha irmã mordia e tentava empurrá-lo de todo jeito”, afirma a denunciante.
A revolta da criança diante dos ataques não impediu que o servidor também a estuprasse, conta a mais velha. “Eu descobri isso agora, após ter denunciado, porque ela teve a liberdade de conversar comigo”, completa.
A vontade de ver o opressor na prisão está longe de ser unanimidade na família. “Uma parente disse que vai pedir a liberdade dele. Se ele for liberto, eu acho que o matam. Eu tinha medo de denunciar, mas o que ele fez comigo nem os piores criminosos perdoam, e eu também não.”
Prisão preventiva
O servidor está preso preventivamente na carceragem da Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), isolado dos outros detentos, no complexo do Departamento de Polícia Especializada (DPE).
O denunciado começou a trabalhar na Novacap em janeiro de 1998. Ele ocupa uma função gratificada de auxiliar técnico, com remuneração básica de R$ 4.997,79, além de gratificação por função de R$ 1.931,61. Acionada, a empresa informou que analisa a abertura de processo disciplinar interno contra o servidor.
Relembre o caso
O tio de Luísa foi preso durante a Operação Infância não tem preço, deflagrada por policiais da 19ª DP em 10 de agosto. No imóvel do servidor, havia uma espécie de estúdio – que era utilizado pelo acusado para filmar e fotografar crianças nuas.
No mesmo espaço, de acordo com a polícia, o servidor violentava as vítimas. Para conquistar a confiança delas e evitar que revelassem os crimes, o homem tinha o costume de presenteá-las com doces, brinquedos e dinheiro.
Muito material relacionado à pedofilia foi apreendido na casa do suspeito, um sobrado que fica em frente a uma escola de ensino fundamental em Ceilândia. Entre os objetos recolhidos no local, que serão analisados, estão equipamentos de vídeo, computadores e celulares.
O delegado Ricardo Bispo, da 19ª DP, disse que o homem guardava diversas imagens de crianças nuas e de si mesmo praticando sexo com menores. O funcionário publico confessou que chegou a encaminhar o material para sites no exterior, como a Rússia, relatou o policial.
*A pedido da vítima, o Metrópoles usou um nome fictício para ela e omitiu o do tio para evitar associações que levasse à identidade da jovem.