“Urgência não pode favorecer mau uso de dinheiro público”, diz MP
Procuradora-geral de Justiça revela ações do MPDFT, em tempos de coronavírus, e como a instituição se adaptou ao teletrabalho
atualizado
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No mês em que completa 60 anos, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) tem enfrentado um de seus maiores desafios: defender os direitos coletivos da sociedade em tempos de distanciamento social para o combate ao novo coronavírus. A nova realidade para lutar contra a doença tem feito o órgão usar a tecnologia a seu favor.
Desde o início do isolamento social para conter a disseminação do vírus, o MPDFT reforçou o atendimento on-line por meio de diversos canais e centralizou as questões relacionadas à Covid-19 em sua Ouvidoria. Sobre a temática, foram registradas 182 manifestações no período de 6 de março a 5 de abril.
Hoje, todos os servidores do órgão estão em teletrabalho. Os resultados demonstram que está dando certo. O Índice de Atendimento à Demanda, um indicador que avalia a quantidade de processos recebidos e devolvidos, subiu 9,5% nos últimos 30 dias.
A média diária de tramitação de processos eletrônicos também aumentou, de 2.950, em novembro de 2019, para 3,7 mil, entre 12 de março e 15 de abril, ou seja, crescimento de cerca de 25%.
O aumento da produtividade tem se refletido em fiscalização. A procuradora-geral de Justiça do DF, Fabiana Costa, concedeu entrevista ao Metrópoles na qual falou sobre a pandemia do novo coronavírus.
“A crise tem exigido de nossa instituição uma atuação rigorosa no sentido de acompanhar as iniciativas do governo local e assegurar que as aquisições e contratações sejam feitas em observância aos critérios legais. A urgência e as exceções que surgem em situações emergenciais não podem favorecer o mau uso do dinheiro público”, ressaltou.
A procuradora-geral afirmou que o MPDFT acompanha de perto todas as ações que têm sido desenvolvidas na capital. O órgão tem um grupo específico de combate à Covid-19, que envolve mais de 20 procuradores e promotores de Justiça, destacados para atuar em favor da garantia de transparência dos gastos públicos, estrutura dos hospitais e melhorias das políticas de assistência social para o auxílio e a proteção dos mais vulneráveis.
Fabiana Costa ainda falou à reportagem sobre a atuação parlamentar e os problemas que projetos inconstitucionais podem gerar aos cofres públicos e à população. O MPDFT é o responsável por analisar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) envolvendo propostas aprovadas na Câmara Legislativa.
De 2010 até o final de 2019, a procuradoria-geral de Justiça ajuizou 218 ADIs contra mais de 300 leis ou atos normativos distritais. Em média, o tribunal reconhece a existência de vícios de constitucionalidade em cerca de 80% dos casos. “As instituições precisam refletir sobre isso e concentrar esforços apenas no âmbito de suas atribuições constitucionais”.
Confira o que a procuradora-geral de Justiça, Fabiana Costa, disse em entrevista:
O MPDFT completou 60 anos no dia 14 de abril. Como a senhora vê o papel do Ministério Público nestes anos de atuação?
O papel principal do Ministério Público do DF é a defesa dos direitos coletivos da sociedade. A defesa da Justiça, a fiscalização das leis. Caminhamos lado a lado com a população do DF. Nosso planejamento estratégico está focado em iniciativas voltadas à aproximação com a comunidade, ao entendimento das reais necessidades de proteger direitos e garantir que tenham acesso aos serviços e à assistência, que devem ser garantidos pelo Estado e, no caso do DF, principalmente pelo Executivo local.
A comemoração vem em tempos difíceis…
A comemoração dos 60 anos tem acontecido com o uso da tecnologia, por meio virtual. O mais importante para nós, neste momento de isolamento, é que temos visto uma instituição atuante, que se desenvolveu ao longo do tempo e hoje possui estrutura para atender a população do DF em todas as regiões administrativas, nas mais diversas áreas e com uso de recursos digitais que têm sido fundamentais para a continuidade do trabalho.
Em meio à crise do coronavírus, como o MPDFT tem trabalhado?
Essa crise tem exigido de nossa instituição uma atuação rigorosa no sentido de acompanhar as iniciativas do governo local e assegurar que as aquisições e contratações sejam feitas em observância aos critérios legais. A urgência e as exceções que surgem em situações emergenciais não podem favorecer o mau uso do dinheiro público.
Estamos acompanhando de perto o que vem sendo desenvolvido. Internamente, temos dois grandes grupos que atuam nessa situação de pandemia: um de acompanhamento da crise do coronavírus, com integrantes ligados diretamente ao gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça e da administração superior.
O outro é a força-tarefa, que envolve mais de 20 procuradores e promotores de Justiça, destacados para atuar em favor da garantia de transparência dos gastos públicos, estrutura dos hospitais e melhorias das políticas de assistência social para o auxílio e a proteção dos mais vulneráveis.
Quantas recomendações e ações foram feitas neste período de pandemia?
É até difícil precisar um número, porque o trabalho da força-tarefa tem sido muito dinâmico e ainda temos muitas atuações extrajudiciais voltadas ao diálogo e à busca do consenso, principalmente nas áreas da saúde, educação, sistema prisional e direito do consumidor. Entre recomendações, portarias e notas técnicas, é possível afirmar que foram mais de 20. A quantidade parece elevada, mas não podemos deixar a população desguarnecida em nenhuma área ou extrato social.
O MPDFT é o responsável por analisar a inconstitucionalidade das leis aprovadas por deputados distritais. Qual tipo de problema a aprovação de projetos com vício de iniciativa ou inconstitucionalidade trazem para a sociedade?
Um prejuízo imenso. Recordo, por exemplo, da Lei n° 2.381, de 1999, que instituiu o Termo de Acordo de Regime Especial (Tare) e que concedeu isenção de ICMS a diversos setores no DF. O MPDFT questionou a constitucionalidade dessa lei durante 10 anos, indo inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde obteve vitória. Somente com essa lei, calcula-se que o DF perdeu cerca de R$ 15 bilhões em arrecadação fiscal. São recursos que fazem falta em momentos de crise como este.
Veja ainda que uma lei inconstitucional, quando aprovada e sancionada, demanda a atuação de pelo menos quatro órgãos públicos: CLDF, GDF, MPDFT e TJDFT, onde ela pode ser invalidada. Nesse processo, são necessários servidores públicos e estrutura física, que custam caro ao erário. Além disso, deixa-se de atuar em outros processos judiciais. Ou seja, cada lei que é aprovada, muitas vezes, com o conhecimento prévio dos parlamentares sobre sua inconstitucionalidade, é uma contribuição para a sobrecarga do sistema de Justiça, sem falar nos prejuízos financeiros que trazem à sociedade e às partes envolvidas.
O MPDFT identificou proposições da CLDF nesta época de crise que sejam inconstitucionais?
Sim. Existe um projeto de lei, o PL n° 1.035/2020, que foi encaminhado ao governador do DF para sanção. Ele institui o pagamento do aluguel proporcional aos dias de funcionamento para os locatários de imóveis comerciais durante a interrupção das atividades por conta do isolamento.
Caso se torne lei, trata-se de outra situação que implicará ação direta de inconstitucionalidade. Além de não ser competência do DF e dos estados legislar sobre esse assunto, a matéria é o típico exemplo de um esforço desnecessário, porque essa temática está sendo discutida no Senado Federal.
Como a digitalização dos processos tem ajudado nessa época de pandemia?
Atualmente, 94% dos processos que tramitam no MPDFT são eletrônicos. Cerca de 18 mil denúncias foram oferecidas por meios digitais e acumulamos cerca de 840 mil manifestações eletrônicas. Esse cenário e a estrutura que criamos para implantar o Processo Judicial Eletrônico (PJe) ao longo dos anos tem contribuído sobremaneira para a manutenção de nossas atividades por meio do trabalho remoto. Posso afirmar que, por parte do Ministério Público, a sociedade não deixará de ser atendida.
Como está o andamento das operações de fiscalização, principalmente no âmbito do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)?
O Gaeco segue cumprindo suas atribuições. Por se tratar de atuação investigativa, fica difícil comentar pontualmente sobre em que estão trabalhando. Essa área, aliada ao Centro de Inteligência, ganhou prioridade nesta gestão. No ano passado, demos ênfase à busca de recursos financeiros e obtivemos R$ 28 milhões do Fundo de Direitos Difusos. Esses valores estão sendo investidos em tecnologias que permitirão uma atuação mais ágil e precisa. O número de operações e os resultados também foram potencializados.
Qual a maior preocupação do MPDFT neste momento de pandemia?
Eu penso que, neste momento, o desejo de todo cidadão, de todo ser humano, é que superemos o mais brevemente possível essa situação de calamidade sanitária. Nós, do Ministério Público, estamos preocupados e comprometidos com a preservação de vidas, com a estrutura nos hospitais e com o abastecimento de equipamentos necessários ao trabalho dos profissionais da saúde.
Como fiscais da lei, também estamos atentos aos processos de aquisição e contratação de serviços, à observância das regras que asseguram o bom uso dos recursos públicos. Meu desejo é que a população do Distrito Federal sofra o mínimo possível, seja em termos de saúde ou econômicos. Que sejamos capazes de nos recuperar rapidamente e prosseguir em nosso ideal de desenvolvimento e transformação social.