Ex-pastor movimentou R$ 68,2 milhões com negócios encabeçados por “Faraó dos Bitcoins”
Indícios apontam que Nei Carlos dos Santos era sócio-administrador de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como Faraó dos Bitcoins
atualizado
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O nome do ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) Nei Carlos dos Santos (foto principal), de Brasília, consta em documentos apreendidos pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da investigação que apura fraude financeira milionária, por meio de criptomoedas, e crimes, como organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Indícios apontam que Santos era um dos sócios-administradores de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como Faraó dos Bitcoins, preso pela Polícia Federal em agosto deste ano no Rio de Janeiro. O religioso teria movimentado R$ 68 milhões com negócios encabeçados por Glaidson.
Conforme o Metrópoles revelou no sábado (9/10), Nei dos Santos e mais 11 ex-pastores são investigados pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) por desviarem ao menos R$ 3 milhões da Universal. O caso foi denunciado pela Iurd. A PF acredita que movimentações bilionárias feitas pelo Faraó dos Bitcoins teriam começado com a apropriação indébita de ofertas da igreja, supostamente facilitadas por Nei.
De acordo com planilhas apreendidas pela Polícia Federal e que pertencem ao Faraó dos Bitcoins, o ex-pastor, identificado nas tabelas como “Nei”, “Ney” e “Nei Carlos”, era uma espécie de gerente no esquema comandado por Glaidson. Ele conseguiu recrutar 950 clientes até novembro de 2020 para o negócio que funciona como uma pirâmide financeira.
E teria acumulado uma fortuna de ao menos R$ 67,2 milhões, entre 2020 e 2021. Nos arquivos obtidos pelo Metrópoles, é possível constatar a evolução de Nei dos Santos nos negócios chefiados pelo Faraó dos Bitcoins. Até setembro de 2020, ele tinha R$ 36, 2 milhões. Em novembro, o valor saltou para R$ 48,6 milhões.
No mesmo ano, Santos abriu empresas de consultoria, comprou três carros, totalizando R$ 248 mil, além de um apartamento, na Asa Norte, por R$ 2,6 milhões, com parcela mensal de R$ 87,7 mil. Oficialmente, o pastor recebia apenas um salário de R$ 2,9 mil pago pela Universal. A renda advinda de seu trabalho na igreja era incompatível com a vida luxuosa que o suspeito passou a ostentar.
Além das planilhas, outro fato chama a atenção para a possível conexão entre o religioso do Distrito Federal e Glaidson Acácio. Uma das empresas do morador da Asa Norte, a NS Psicologia, Consultoria e Tecnologia Eireli, funcionava em Águas Claras, mesmo local em que a GAS Consultoria e Tecnologia Ltda. exercia atividades (entenda abaixo).
As apreensões também revelaram a relação de outros moradores do DF com o Faraó dos Bitcoins. Denunciado pelo MPF, um casal é apontado como braço direito de Glaidson Acácio dos Santos. As investigações apontaram que o empresário Felipe José Silva Novais, 39 anos, e a advogada Kamila Martins Novais, 30, movimentaram R$ 281,7 milhões usando duas empresas para lavar os valores, entre elas um escritório de advocacia.
O esquema
A GAS Consultoria e Tecnologia foi constituída em março de 2015 por Glaidson dos Santos, originalmente como uma empresa individual e funcionando como um pequeno restaurante em Cabo Frio, no Rio de Janeiro.
Os investigadores apontam que o Faraó dos Bitcoins e a sua mulher, Mirelis Zerpa, buscavam consolidar uma estrutura criminosa centralizada em suas firmas e voltada para captação e aplicação de recursos de terceiros a partir da emissão, distribuição e negociação de valores mobiliários, sem autorização das autoridades competentes, operando como verdadeira instituição financeira à margem da fiscalização e regulação do Sistema Financeiro Nacional.
Essa estrutura profissionalizou-se em 2018 e perdurou pelo menos até agosto de 2021, data da deflagração da Operação Kryptos.
O esquema tinha como base a assinatura de contratos pelos quais, em essência, o casal tomava para si recursos de “clientes ou investidores”, prometendo um rendimento mensal em percentual fixo (calculado sobre o valor disponibilizado pelo cliente) e, ainda, a devolução integral do valor inicialmente aportado por ocasião do fim de vigência do contrato. Alguns acordos chegaram a prever percentuais de 15% ou 12%, mas geralmente eram estipulados em 10%.
Ainda de acordo com as investigações, a arquitetura do modelo criminoso tinha como pilar uma extensa rede de pessoas físicas e jurídicas que, sem vínculos contratuais ou empregatícios com as empresas do casal, tampouco com seus sócios, atuavam para obter e gerir recursos de terceiros.
Segundo as diligências, essas pessoas físicas foram organizadas por Glaidson e Mirelis de forma estratificada, segundo uma espécie de plano de carreira, para desempenhar funções que, embora específicas para cada cargo, às vezes eram realizadas cumulativamente por uma mesma pessoa. Em geral, esses indivíduos eram recrutados entre os próprios clientes e, então, iam ascendendo no esquema. A progressão entre as camadas tinha por base não só o tempo de investimento como também o grau de desempenho nas funções anteriores (metas).
A remuneração dos integrantes do esquema aumentava a cada nível e era feita por meio de participação nos lucros, ou seja, um percentual sobre os contratos firmados. A grande extensão temporal do esquema criminoso foi gerando alterações também na composição desse plano de carreira.
Os promotores do MPF apontam que, na qualidade de diretores, Glaidson e Mirelis coordenavam as atividades a serem desempenhadas pelos demais membros da organização criminosa, estabelecendo normas sobre sua estrutura e funcionamento, definindo estratégias e metas para as equipes, controlando desempenho e prazos e até mesmo aplicando sanções.
Em denúncia apresentada à Justiça Federal, o Ministério Público afirma que a figura do sócio-administrador, função de Nei dos Santos, surgiu com a expansão das bases de atuação do esquema criminoso, que basicamente ocorreu a partir de 2018, quando Glaidson e seus comparsas consolidaram sua operação em outras cidades do Rio de Janeiro, em outros estados e até mesmo em outros países.
“O funcionamento nessas outras localidades exigiu que integrantes mais antigos do esquema – muitos dos quais começaram como clientes, mas já haviam se tornado consultores, recrutando novos clientes – criassem suas próprias pessoas jurídicas e começassem a manter equipes e escritórios físicos sob sua administração, constituindo bancas que, conquanto autônomas, funcionavam estritamente em apoio à empresa GAS, sob comando de Faraó e sua mulher, tal como filiais ou franqueados. Os sócios administrativos, portanto, desempenhavam papel em tudo similar à figura de gerentes”, diz o MPF.
O Ministério Público também ressaltou que Mirelis Zerpa é uma pessoa com amplo conhecimento do mercado de criptomoedas e acesso às carteiras de investimento do grupo, tanto que, mesmo após a deflagração da Operação Kryptos, realizou diversos e sucessivos saques, no total de 4330.737326 Bitcoins (BTC), que somavam, na cotação média, R$ 1 bilhão.