Estudo revela perfil dos pedófilos que atuam no DF e das vítimas
Com exclusividade, Metrópoles revela o perfil dos abusadores e das vítimas. Ceilândia teve o maior número de casos entre 2013 e 2016
atualizado
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Troca de mensagens de celular e na internet, abordagens nas imediações de escolas, oferta de bebidas alcoólicas e presentes a crianças e adolescentes. Essas são algumas das estratégias adotadas, de forma repetitiva, por predadores sexuais para conquistar a confiança de suas vítimas. É o que aponta levantamento do Departamento de Gestão da Informação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), ao qual o Metrópoles teve acesso com exclusividade.
O relatório se desdobra sobre casos de pedofilia e estupro de meninos e meninas de até 14 anos (os vulneráveis, de acordo com a legislação brasileira). São crimes ocorridos no DF entre 2013 e 2016. No documento, é possível identificar o perfil dos molestadores e das vítimas, bem como os desmembramentos desse tipo de crime.
Para os criminosos, o que importa é aproveitar a vulnerabilidade infantil. A maioria dos pedófilos e estupradores é do círculo de convívio da criança. Como é o caso recente de um sargento da PM, lotado no Batalhão Escolar, que foi preso no dia 16 de março acusado de estuprar a sobrinha de 11 anos. No entanto, mesmo que o agressor não seja um conhecido da vítima, ele acaba por obter a confiança de seu alvo e até dos responsáveis e familiares de meninos e meninas.Raio-X
De acordo com as informações da Polícia Civil, os crimes no Distrito Federal vitimam, principalmente, crianças com até 11 anos (40%). Eles são praticados, em 50% das vezes, por pessoas de 18 a 40 anos, sendo 95% por molestadores do sexo masculino.
Nos casos de pedofilia, o agressor não costuma distinguir o sexo da vítima. Um número também assustador é o de abusos contra crianças de zero a cinco anos. Essas vítimas somam 11,51% do total. As incluídas na faixa de 12 a 15 constam em 35,25% das ocorrências.
“Não existe sexo, etnia ou situação financeira. Crime contra a criança e o adolescente ocorre em todas as classes sociais”, observa o titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Wisllei Salomão.
O silêncio e a conivência de quem deveria proteger crianças e adolescentes estão entre as principais dificuldades encontradas na investigação de casos de estupro de vulnerável e pedofilia. A amostra coletada pela PCDF indica que o perigo, muitas vezes, vem de onde deveria existir conforto e proteção. Pais, responsáveis, parentes próximos e vizinhos são, em boa parte, os autores de estupros e abusos sexuais.
“Aqui no DF, 80% dos crimes de violência contra crianças e adolescentes são cometidos por homens próximos à criança, do próprio núcleo familiar”, alerta a conselheira tutelar Keka Bagno. Outros responsáveis e conhecidos da vítima são os que costumam levar os casos à delegacia especializada ou ao Conselho Tutelar.
No caso do PM acusado de abuso, por exemplo, a sobrinha dele contou a violência que sofrera para a professora. No Riacho Fundo II, uma garotinha de 9 anos, que também era molestada pelo padrasto, fez a mesma coisa e conseguiu socorro das autoridades. O homem, neste caso, foi preso, mas liberado depois de audiência de custódia na Justiça.
O 9º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que apenas 35% dos abusos ocorridos no país são notificados. Uma triste realidade que se repete quando as vítimas de violência sexual são meninos e meninas com idades entre 0 e 14 anos.
“Os crimes são subnotificados. A criança vai depender de alguém para registrar, e a maioria dos crimes são praticados por quem deveria protegê-la. Esses fatos não são registrados”, ressalta o delegado Wisllei Salomão.
Mapa
No período analisado pelo levantamento da PCDF, foram registrados, em média, 386 casos de abusos sexuais por ano no DF. Em três anos, pelo menos 1.158 crianças e adolescentes se tornaram vítimas desse tipo de crime e tiveram seus casos registrados.
A cidade de Ceilândia responde pelo maior número de ocorrências (16% do total). Em seguida, vêm São Sebastião (10%), Planaltina (10%), Samambaia (9%) e Taguatinga (8%). Na outra ponta dos dados, estão Lago Sul e Park Way, com menos de 1% dos casos computados em cada região.
“Acreditamos que esses números são ainda maiores. O índice de denúncias é baixo, e há a subjetividade da família. Em muitos casos, o violentador exerce e controla a questão financeira dentro de casa”, observa a conselheira tutelar Keka Bagno.
Política do pingue-pongue
Embora não exista um órgão específico que reúna todas as denúncias sobre casos de violência contra crianças e adolescentes, o consenso entre os especialistas é de que esse departamento deveria ser criado.
“Dados do Disque 100 vão ser diferentes dos da Secretaria de Segurança Pública, que vão ser diferentes da Secretaria de Saúde. O grande problema é que eles não se cruzam. A estatística lhe dá uma ideia do que pode estar acontecendo, mas não representa a realidade”, observa o titular da DPCA, Wisllei Salomão.
Keka Bagno explica que um dos problemas é a forma como os casos são conduzidos. Quando o abuso ocorrido é descoberto em até 72h, as vítimas costumam ser levadas para unidades de saúde. Se passou esse limite, os denunciantes são orientados a procurar a DPCA.
Fica fragmentado, uma política de pingue-pongue. E, quando isso acontece, a gente não consegue trabalhar direito com a criança e a família. Acaba fatiando a vítima
Keka Bagno, conselheira tutelar
Em outubro de 2016, Brasília ganhou seu primeiro espaço dedicado aos serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual: o Centro de Atendimento Integrado 18 de Maio (307 Sul). O local, no entanto, não foi transformado como um ponto único para os atendimentos.
Disque 100
Os números do Disque 100 – serviço telefônico voltado a receber denúncias de violação de direitos humanos – são ainda mais alarmantes. Somente de janeiro a junho de 2016, o programa registrou 1.053 casos de abuso sexual e pedofilia no Distrito Federal. A capital do país lidera o ranking nacional e vem seguida de perto pelo Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
O assunto é investigado pela Câmara Legislativa, que criou, em maio de 2016, a CPI da Pedofilia. Os trabalhos estão na reta final de investigação e o resultado deve ser divulgado até junho. “Há muitas situações veladas. A dificuldade para que a vítima fale, o medo e até o preconceito atrapalham”, diz o presidente da comissão, deputado Rodrigo Delmasso (PTN).