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Estresse e tentativas de suicídio acendem alerta sobre ensino na ESCS

Alunos da Escola Superior de Ciências da Saúde denunciam avaliações extremamente exigentes, o que tem levado ao adoecimento de muitos

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Fachada da Escola de Saúde do DF
1 de 1 Fachada da Escola de Saúde do DF - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Na terça-feira (17/09/2019), após um estudante de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) tentar suicídio, a comunidade acadêmica da faculdade decidiu se rebelar e denunciar os recorrentes casos de ansiedade, depressão e outras doenças psicológicas que acometem os alunos da instituição.  O episódio provocou comoção entre colegas do jovem, de professores e até mesmo de universitários de enfermagem – outro curso ofertado pelo estabelecimento educacional mantido pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs).

O aluno chegou a escrever uma carta de despedida, à qual o Metrópoles teve acesso. No texto, queixava-se de não ter valido o esforço de 15 horas de estudos diários, durante três semanas consecutivas, para fazer apenas uma avaliação do curso. A trajetória até chegar à medicina, segundo seu relato escrito, durou anos: chegou a ser aprovado na Universidade de Brasília (UnB), mas decidiu prosseguir nos estudos até ser aprovado na ESCS.

“Não consigo ver um mau aluno em mim, sabe? Sinto que sou esforçado, que amo meu curso, mas acho que realmente devo ser burro. Cansei, sabe? Cansei de me estressar com essas situações que só me põem para baixo. Cansei da ESCS. Cansei de mim mesmo. Cansei da rejeição. Cansei. Eu não tenho mais forças para continuar sozinho, não tenho mais gana para vencer. Meu aniversário estaria chegando, mas hoje eu não tenho a mínima vontade de viver”, escreveu o rapaz.

A reportagem ouviu alunos e professores sobre a saúde mental dos aprendizes de médicos e enfermeiros. Os relatos se assemelham em vários pontos e, segundo eles, houve outros casos de tentativas de suicídio, além de ataques de síndrome do pânico e automutilação. “É uma faculdade que prega o Setembro Amarelo, mas está pouco se lixando para mudar isso [ideações suicidas nos jovens]”, denunciou um estudante da ESCS ao Metrópoles.

Vigente desde a criação da escola de saúde, em 2001, a metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), adotada na faculdade, é diferente de todas as outras instituições de ensino superior no Distrito Federal, e tem sido apontada como um agravador de sintomas daqueles que se encontram deprimidos. O método praticado é reconhecido pela qualidade dos profissionais que forma, mas o rigor das avaliações, conforme relatos, é motivo de sofrimento. Isso porque há apenas dois conceitos: satisfatório e insatisfatório. “É gabaritar a prova ou tirar zero. Não existe nota 7, não tem MS, SS. É aprovado ou reprovado”, expõe um jovem que pediu para não ser identificado.

No caso de reprovação, o estudante tem a oportunidade de passar por duas e, dependendo do caso, três provas de recuperação, nas quais têm de acertar todas as questões. Se for reprovado em um módulo, precisará refazer todas as disciplinas no ano letivo seguinte, incluindo aquelas em que conseguiu notas satisfatórias. “Isso gera um desgaste emocional, pois precisamos acertar todas as questões de uma prova com, no mínimo, 15 questões, todas discursivas. Com esse método de avaliação, isso gera um medo coletivo”, criticou outro aspirante a médico.

Os campi da ESCS, localizados na Asa Norte e em Samambaia, não contam com psicólogos e, segundo os discentes, também não há serviço estruturado de apoio ao aluno. “A ESCS não tem preparo para lidar com os nossos problemas psicológicos. A cobrança é imensa e nosso sistema avaliativo não permite falhas”, lamentou um universitário.

Regulamentação

Tanto os educandos quanto os professores defendem que o cargo de docente da ESCS seja regulamentado para que eles possam cumprir metade da carga horária, de 40 horas semanais, em sala de aula. As outras 20 seriam nas respectivas unidades de saúde onde os médicos e enfermeiros que lecionam na escola superior estão lotados. De acordo com as narrativas, o diretor da Fepecs, entidade que mantém a Escs, coronel reformado da Força Aérea Brasileira (FAB) Marcos de Sousa Ferreira, demonstra intenção de criar um quadro próprio de servidores para a escola, o que afastaria a participação do corpo da Secretaria de Saúde (SES).

“Nós não queremos isso. Temos uma vivência do Sistema Único de Saúde (SUS) desde o primeiro dia de aula e estão querendo nos tirar isso? Devemos manter os docentes da SES para que esta formação continue. Além de querer mexer nisso [quadro de pessoal], ele demonstra completo desconhecimento da metodologia e funcionamento da fundação que ele toca.  Quer instalar um laboratório de simulação realística, mas o nosso perfil não é esse, de simulação. A nossa formação inclui o contato com o paciente: é assim desde que a ESCS foi criada e, agora, tememos por essa conquista”, reclamou outro universitário, que pediu para não ter o nome divulgado.

O cumprimento de jornada na escola superior por profissionais da SES foi questionado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). A recomendação era de que as 40 horas fossem cumpridas no atendimento ao público, o que colocaria em risco a formação dos futuros médicos e enfermeiros. “Dizem que é um gasto, que estamos tirando servidor da saúde, mas é justamente o contrário”. Nós atuamos nas unidades de saúde com os nossos tutores, então, são de 10 a 12 estudantes qualificados que a escola está levando para dentro das unidades. A gente é preparado dentro do SUS”, ressaltou o jovem.

Falta de diálogo

Nas palavras desse estudante, o diretor estaria cerceando os espaços de debate e excluindo o corpo estudantil das decisões. “Os alunos não são mais chamados para falar em comissões e colegiados. Estamos sento proibidos. Antigamente, a relação era linear com as coordenações de curso, mas esse relacionamento direto começou a ser contaminado. A gente não sabe o que acontece nas reuniões e, nas mais importantes, estão vedando a presença dos acadêmicos”, criticou o universitário.

Outro problema acomete especificamente os matriculados na faculdade de enfermagem. Enquanto os da medicina contam com um campus relativamente bem equipado no centro de Brasília, no início da W3 Norte, os futuros enfermeiros estudam em Samambaia, num imóvel improvisado onde têm de conviver com a poeira na estação seca e a lama, na chuvosa. No espaço, inclusive, falta estacionamento para os alunos e a violência dos arredores assusta. “A medicina sempre é priorizada. Todo investimento, equipamentos ou qualquer benefício que seja dado à ESCS vai para o campus da medicina”, criticou um estudante.

Convocação

O deputado Leandro Grass (Rede) convocou o diretor da Fepecs para debater a situação do corpo discente em comissão marcada para o dia 3 de outubro.  No documento da convocação, o parlamentar argumentou ter recebido muitos relatos de gente que alega sofrimento com os supostos desmandos e práticas autoritárias e incompatíveis com princípios que orientam a criação da Fepecs.

“Tenho escutado muitas coisas ruins e denúncias de perseguição. Fizemos uma audiência em março e fiquei ainda mais preocupado, porque não apresentaram um planejamento estratégico para resolver os problemas. O diretor se mostrou desconhecedor da metodologia. Os alunos vão, desde o primeiro ano, para o atendimento em saúde, e ele veio pedir emenda para o projeto de um laboratório de simulação. Não sabe onde está e não tem planejamento”, criticou.

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Um docente da instituição de ensino aceitou conversar com o Metrópoles sobre a situação emocional de seus alunos. Ele destaca que a depressão é uma doença multifatorial e não é correto atribuir exclusivamente ao ambiente universitário a situação na qual se encontram alunos nessa situação. “O que eu sinto é que eles estão sobrecarregados e passam por situações que, pedagogicamente falando, não são saudáveis, chegam a ser vexatórias”, opinou.

O educador diz conhecer casos de discentes com ideações suicidas e que a ESCS não aprendeu a lidar com essa situação que, segundo ele, acontece há anos. “A reprovação é um fator que influencia. Eu sei que, na cabeça do aluno, ele pensa que a nota é 10 ou zero. Mas eu, como docente, tendo a ser razoável na hora de fixar a nota. Sei que nem todos fazem isso”.

Outro lado

Sobre as reclamações de falta de apoio profissional aos alunos deprimidos ou que sofrem de qualquer outra doença ou transtorno associado a males psicológicos, a Fepecs, mantenedora da ESCS, emitiu nota alegando que a escola conta com equipe multiprofissional com psicóloga e psiquiatra para acolhê-los.

A respeito da tentativa de suicídio de um aluno, a instituição alegou ter tomado todas as medidas cabíveis assim que soube do fato. Não citou, porém, que medidas foram essas. Também não se manifestou quanto à metodologia e as denúncias de enfraquecimento dos movimentos estudantis.

A entidade alegou, por fim, não ter recebido o convite do deputado Leandro Grass para participar de comissão na Câmara legislativa.

O Metrópoles esteve na sede da Fepecs, que funciona no campus da Asa Norte, entre as 15h20 e as 18h45 dessa quarta-feira (25/09/2019) para tentar ouvir o diretor da instituição, coronel Marcos de Sousa Ferreira, mas ele não recebeu a reportagem para comentar os casos de adoecimento dos universitários. A assessoria de imprensa alegou que o oficial da FAB e médico estava com a “agenda cheia”. Um cartão com os contatos do repórter foi entregue ao assessor, caso o diretor quisesse se manifestar, mas ele não retornou as ligações.

O repórter também tentou falar, por telefone, com o diretor da escola superior, Ubirajara Picanço, mas ele alegou estar a caminho de um compromisso e, por esse motivo, não poderia responder aos questionamentos.

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