Está ruim? Pode ficar pior. Mudanças no Código de Obras e Edificações são polêmicas e mexem com a vida do brasiliense
Representantes da sociedade civil ficam sem direito a voto na análise dos projetos e proposta desestimula a construção de garagens
atualizado
Compartilhar notícia
Dezoito anos depois de ser aprovado, o Código de Obras e Edificações (COE) do DF será modificado. A nova versão do documento deve ser encaminhada à Câmara Legislativa no mês que vem. O longo tempo de discussão do projeto, que estabelece regras para as construções em território brasiliense, entretanto, parece que não foi suficiente para que as alterações representem melhorias na vida dos brasilienses. O que era ruim pode ficar pior ainda, segundo especialistas.
Entre os principais pontos de discórdia do projeto, obtido pelo Metrópoles, estão a inclusão das garagens no cálculo da área construída, o que pode desestimular a construção de novas vagas. Um dano irreversível à cidade, pois depois de construído um prédio será impossível aumentar o número de subsolos. Outro problema é a pouca representatividade da sociedade na comissão que vai analisar os projetos. Nenhum dos integrantes terá poder de voto.
De acordo com a proposta, no caso de um projeto não ser autorizado pela Central de Aprovação de Projetos (CAP), apenas o Secretário de Habitação poderá admitir um eventual recurso. Além disso, a comissão permanente de monitoramento, que votará os recursos que passarem pelo crivo do titular da pasta, é formada por 10 servidores públicos, todos com direito a voto, e sete da sociedade civil, sem voto.
Superpoderes
A iniciativa feita sob medida pelo governo dá superpoderes ao secretário e é vista por representantes de entidades do setor da construção como um movimento antidemocrático. Ainda mais porque o poder de escolher os integrantes da comissão será do próprio titular da pasta.
“O ideal é que houvesse voto da sociedade, para que o processo fosse mais democrático e mesmo mais rápido e construtivo”, afirma Luiz Carlos Botelho, presidente do Sindicato da Construção Civil do DF (Sinduscon).
Para o secretário de Habitação, Thiago Teixeira de Andrade, a falta de votos na comissão não interfere na participação da população: “Todas as reuniões para estabelecer o projeto contaram com a contribuição de membros da sociedade civil. Foram mais de 160 horas de debate, gravados e disponíveis em nosso site. As decisões foram consensuais e mudanças sugeridas foram acatadas”.
Garagens
Outra questão que gera bastante debate é a possível diminuição de vagas nos prédios do Distrito Federal. Segundo a proposta do novo código, as normas relativas a estacionamentos serão conduzidas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) e pelo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), que devem entrar na pauta da Câmara Legislativa ainda em 2016.
Com a mudança, em vez de prever o número mínimo de garagens, como é feito atualmente, o documento vai sugerir a quantidade máxima. A decisão deve levar em conta a localização, o uso e a destinação do espaço, o potencial construtivo, o porte e os meios de transporte disponíveis nas proximidades. Assim, construtoras que quiserem aumentar o estacionamento, ou terão de abrir mão de espaços, ou pagarão mais para a outorga de uso da área.
A intenção, segundo a Segeth, é que haja maior integração entre o COE e o planejamento urbano da cidade para desestimular o uso excessivo de carros. “Queremos trazer o código para o século XXI, conjugando ideias para o transporte, habitação e meio ambiente. Até hoje, as normas agiam como tuteladoras dos automóveis, impedindo soluções tecnológicas e obrigando moradores que não têm carro a comprarem imóveis com vagas”, explica Thiago de Andrade.
Mas, para especialistas, a medida não ajudará na mobilidade urbana. “De nada adianta diminuir os estacionamentos se não houver uma condição prévia de excelência no transporte público. Enquanto o cidadão não puder chegar com conforto a todos os locais do DF, não há como reduzir as vagas. Isso só piorará o trânsito”, acredita o urbanista Frederico Flosculo.
Taxas e burocracia
Os pontos de divergências vão além. A proposta estabelece o pagamento de cinco taxas até que a obra seja finalmente liberada (aprovação de projetos, alvará, habite-se, demarcação e cota de soleira).
Quem quiser construir um edíficio com 12 mil metros quadrados de área construída, com 48 apartamentos de quatro quartos, por exemplo, terá que desembolsar cerca de R$ 19,4 mil. Em vez de simplificar os procedimentos, a nova versão cria várias etapas no licenciamento, burocratizando o processo.
Além disso, permite a concessão do habite-se a imóveis sem a pintura externa, o que coloca em risco a estética de Brasília, cidade tombada Patrimônio Histórico da Humanidade.