Esquema teria favorecido pagamento à gestora de UTI do Santa Maria
Ex-subsecretário Marco Antônio Ferreira da Silveira Júnior revela que integrantes da Secretaria de Saúde intervieram para agilizar pagamentos à empresa Intensicare
atualizado
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Gravações feitas pela presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do DF (SindSaúde-DF), Marli Rodrigues, têm colocado servidores, políticos e diferentes empresas no centro de uma grave crise na área da Saúde. As denúncias de que propinas são cobradas em negociações do setor aumentam a cada dia. Em nova degravação obtida pelo Metrópoles, o ex-subsecretário de Infraestrutura e Logística da Secretaria Marco Antônio Ferreira da Silveira Júnior acusa favorecimento na quitação de dívida do governo com a gestora da UTI do Hospital Regional de Santa Maria.
Na conversa, Júnior destaca que a Intensicare – que comanda o setor na unidade – fez pressão para receber débitos pendentes de 2014. Após intervenção pessoal de Júnior e do ex-secretário da Saúde Fábio Gondim, pagamentos foram realizados no primeiro semestre deste ano. O ex-subsecretário não especifica o valor, mas diz que “na rua estão dizendo ser R$ 30 milhões, mas que poderiam ser R$ 22 milhões”.“Eu disse: ‘Fabio, por favor, pega o processo (da Intensicare). Não me pede… Não me pergunta por quê.’ Ai ele: ‘Tá bom, chama o Ricardo e o Roberto, pega o processo da Intense Care (sic), manda pagar'”, afirmou. O Ricardo, citado na conversa, é Ricardo Cardoso, ex-diretor executivo do Fundo de Saúde do Distrito Federal. O outro é Roberto José Rocha Gomes, que chefiou a Diretoria de Engenharia Clínica da Coordenação de Logística e Abastecimento da Secretaria da Saúde.
A reportagem teve acesso a todas as ordens de pagamento feitas para a Intensicare neste ano. Elas totalizam um valor próximo de R$ 23 milhões. Ao menos dois dos recibos, mesmo sendo emitidos neste ano, se referem a serviços prestados em 2014. A maior parte dos pagamentos foi feita a partir de março deste ano.
A Intensicare opera a UTI do Hospital de Santa Maria desde 2009, quando conseguiu a conta mesmo sem participar de nenhuma concorrência pública. Apesar disso, já faturou mais de R$ 200 milhões com o Governo do DF. A estratégia da empresa, segundo o Ministério Público. é criar uma situação que dispense a lei de licitações e permita que ela se mantenha operando o local com um contrato emergencial. Júnior revela que sabia de problemas no contrato da firma quando tocou o processo de pagamento. Ele relata conversa que teve com Ricardo, a quem pediu o contrato para ser revisado.
Ao ser questionado, Júnior diz que não sabe quanto foi pago para cada operador nem para quem foram feitos os pagamentos paralelos, mas relata a satisfação dos deputados Robério Negreiros (PSDB) e Cristiano Araújo (PSD), que inclusive participam da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Saúde na Câmara Legislativa, e também a de Ricardo, ao saberem da quitação da dívida.
Na última quarta-feira (20), durante o depoimento de Marli em sessão da comissão, os distritais se defenderam. Robério Negreiros afirmou: “Não tenho de maneira direta ou indireta qualquer participação em empresa com contrato com o governo, apenas a intenção de fazer o melhor para a saúde. Tenho absoluta certeza que não sentei com ninguém. Não autorizei ninguém a falar em meu nome e não tenho cargos no GDF.”
Cristiano Araújo seguiu a mesma estratégia e negou qualquer envolvimento com o caso. “Eu não indiquei ninguém na saúde. Estive lá duas ou três vezes tratando de assuntos extremamente republicanos. Não tenho nada a temer. Não tenho relação nenhuma nesse governo também. Estou absolutamente tranquilo.”
Mesmo sem informar os percentuais pagos aos supostos operadores do esquema, em outras gravações, Marli diz que as propinas chegariam a 30% do valor dos contratos com a secretaria da Saúde. Já o vice-governador, Renato Santana, afirmou saber de repasses de 10% dos totais de contratos feitos com a Secretaria de Fazenda.
MP
A estratégia usada pela Intensicare para renovar os seus contratos sem participar de licitações já foi destrinchada pelo Ministério Público de Contas em 2014. Na época, um documento do órgão relata o modus operandi da empresa sediada em Goiânia:
“Como se vê, inicialmente, a empresa ameaçou paralisar os serviços por falta de recebimento. Em razão disso, e porque haveria carência de pediatras, para atender na sala de parto, e neonatalogistas, entendeu-se necessária nova contratação, apesar de já ter havido uma, sem licitação, e de haverem sido celebrados contratos temporários”, diz o documento de 16 de abril de 2014.
Desde então, a empresa continua atuando sem licitação. Procurada para comentar o assunto, a Intensicare não atendeu às ligações do Metrópoles e tampouco as retornou até a publicação desta reportagem.
Em nota, a Secretaria de Saúde comentou as denúncias.
“A UTI de Santa Maria é a maior do Brasil e hoje conta com 100 leitos. Em 2011, com o termo de ajustamento de conduta assinado com o MPDFT, tal estrutura deveria ser assumida pela administração direta do Distrito Federal, após o fim do contrato de gestão daquele hospital. Naquele momento, foi realizado contrato de fornecimento de mão-de-obra com a empresa Intensicare, uma vez que não havia médicos intensivistas no quadro da SES/DF para manter os leitos abertos enquanto se providenciava concursos para a unidade.
No entanto, em oito concursos regulares e temporários feitos desde então, somente se conseguiu a contratação de 72 intensivistas, mais de uma centena a menos que o número necessário somente para manter a UTI de Santa Maria. Ocorre que houve decisão judicial proibindo essa contratação desde 2014. Para evitar o fechamento dos leitos, o que traria grande risco para a saúde da população, os pagamentos continuaram por meio de verba indenizatória, nos mesmos valores licitados.
Todos esses fatos foram expostos ao Comitê Executivo Distrital de Saúde, órgão que conta com a participação do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública. E ficou deliberado que a SES/DF deveria preparar um projeto básico de licitação para a contratação global de serviços de UTI para Santa Maria, o que vem sendo providenciado. Além disso, a SES/DF obteve do Judiciário autorização para a realização de concurso para contratação temporária de médicos intensivistas, também em conformidade com o que o foi discutido no Comitê Executivo.
Os pagamentos à Intensicare vêm sendo feitos com alguma regularidade, mediante disponibilidade orçamentária e financeira, a cada dois ou três meses, dado o interesse público e a primazia do direito à vida. No último mês, a empresa suspendeu algumas admissões em razão de atraso de pagamento. Foi feito o pagamento relativo ao mês de maio de 2016, e aguardamos orçamento para o pagamento de junho de 2016, a fim de regularizar o mais rápido possível a prestação dos serviços.
A SES/DF, até este momento, não havia recebido denúncias de irregularidades ou favorecimento em pagamentos da empresa, nem tampouco de recebimento de percentuais por agentes públicos. A gestão da SES é absolutamente intolerante com esse tipo de conduta. Assim, será aberto procedimento administrativo competente para apurar os fatos noticiados com todo o rigor.”