Esquema na Saúde é articulado e tem divisão de funções, diz MP. Confira
O secretário Francisco Araújo Filho, segundo os promotores, teria direcionado licitações de testes causando prejuízo ao erário
atualizado
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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) desarticulou suposta organização criminosa que teria se instalado na Secretaria de Saúde do Distrito Federal. A cúpula da pasta, incluindo o secretário Francisco Araújo Filho, foi presa preventivamente na manhã desta terça-feira (25/8).
Segundo a investigação, Araújo seria o líder da organização que teria sido instituída com a finalidade de fraudar dispensas de licitação em compras destinadas à aquisição de insumos para enfrentamento da Covid-19. Os alvos dos promotores são a compra de 100 mil testes rápidos e de pontos de drive-thru para aplicação da testagem.
De acordo com o processo, “as investigações criminais iniciadas pelo MPDFT que conduziram a deflagração da Operação Falso Negativo, em julho do corrente ano, descortinaram, senão a maior organização criminosa entranhada no atual Governo do Distrito Federal, certamente a mais letal, pois se alimenta da morte de inúmeras vítimas da nova espécie de coronavírus”.
Os promotores apontam a existência de provas contundentes dos crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica (cartel), organização criminosa, corrupção ativa e passiva, com o consequente prejuízo de mais de R$ 18 milhões aos cofres públicos.
“Durante o desenrolar das investigações, os dados colhidos revelaram sérios e robustos indícios de que os crimes foram praticados de modo coordenado e cada integrante com seu papel bem delineado, típico de organização criminosa, devidamente estruturada e compartimentada”, diz o MP.
Confira o papel de cada investigado no esquema, segundo o MPDFT:
Confira abaixo a função de cada um no suposto esquema, ainda de acordo com o Ministério Público:
– Francisco Araújo Filho (secretário de Saúde): de acordo com o MPDFT, seria quem decide qual empresa a ser contratada; os prazos exíguos para apresentação de propostas; e até mesmo o quantitativo de testes a serem adquiridos. Sua atuação, segundo o MP, seria supostamente direcionada para “lesar os cofres públicos e auferir vantagens pessoais”. “Utiliza-se da novel legislação em relação à dispensa de licitação para produtos vinculados ao combate a Covid – 19 para fraudar os procedimentos administrativos, indicando empresas parceiras para contratarem com a SES-DF”, destacaram os promotores.
“Fica evidente, conforme a investigação, que a cadeia de comando obedece rigorosamente a sua vontade, especialmente quando há determinação quanto à quantidade de testes a serem adquiridos e os prazos que devem ser concedidos nas licitações, tarefas essas absolutamente estranhas às suas funções”, ressalta o MP.
– Ramon Santana Lopes Azevedo (assessor especial do secretário de Saúde): o MP ressalta que ele seria o responsável por cuidar pessoalmente de materializar a execução dos interesses do secretário de Saúde nas licitações da pasta, articula-se com as empresas privadas buscando boas contratações que favoreçam o grupo e com os demais integrantes do grupo em nome do secretário. As conversas captadas no WhatsApp dos telefones apreendidos mostram que Ramon se articula com empresas e tem como missão buscar bons negócios para o grupo, chegando a dizer, em áudio, que localizou um fornecedor que teria 1 milhão de testes e que se fosse assim “daria pra comprar a quantidade que desejavam”.
De acordo com o MPDFT, “quando o grupo criminoso possui questões mais delicadas a tratar, cabe a Ramon convocar os integrantes para reuniões pessoais com o secretário de Saúde que, conforme fica claro, não podem ser tratadas por telefone”. Além do mais, as interceptações telefônicas realizadas também ratificam e demonstram a função de Ramon como controlador dos membros da organização e de suas falas em relação às investigações, já que participa ativamente de reuniões de advogados com os demais membros da organização atingidos na primeira fase da Operação Falso Negativo. Portanto, também é função dele “blindar” o secretário de Saúde contra eventuais ataques dos demais membros da organização e preveni-lo quanto a eventuais “falas” desfavoráveis.
– Eduardo Hage Carmo (subsecretário de Vigilância à Saúde): o papel primordial de Hage seria, de acordo com o MPDFT, conferir “falsa” validade aos projetos básicos, já que assina todos em conjunto com Jorge Chamon. Como autoridade máxima da Vigilância à Saúde, sua chancela no projeto-básico busca afastar eventuais alegações de invalidade ou conluio na edição e no lançamento de tais documentos.
Da mesma forma, também seria função de Hage buscar soluções para atender as ordens ilegais do secretário de Saúde, como no caso da Biomega, na qual ele se articulou com os demais membros para alterar o quantitativo de testes de 90 mil para 100 mil, conforme havia sido determinado pelo secretário.
“Hage tem pleno conhecimento e domínio das ilegalidades, tanto é que, antes da assinatura do novo projeto básico, com 100 mil testes para a empresa Biomega, Chamon o avisa que ‘colocaram uma empresa aí’, ou seja, a fala antecede a própria escolha. O cargo de subsecretário confere a Hage a mobilidade e o poder necessários para ajustar as escolhas preestabelecidas pelo secretário de Saúde, como nesse caso”, afirmam os promotores.
– Ricardo Tavares Mendes (secretário adjunto de Assistência à Saúde): apontado pelo Ministério Público como membro fundamental e segundo na hierarquia da “célula criminosa” dos servidores públicos. Em relação à contratação da Biomega, após sugestões de Chamon para o secretário de Saúde quanto à realização de inserções no projeto-básico com o intuito de conferir “ares de legalidade” a mais uma contratação viciada que o grupo estava operacionalizando, a ordem do “chefe” (secretário de Saúde) foi para que a articulação desse novo esquema fosse feita com Ricardo Tavares. Chamon encaminha para Tavares a minuta, inicialmente enviada pelo secretário, e pede sua aprovação, dando ciência de tudo a Ricardo, inclusive de que os testes seriam da marca Wondfo.
A função primordial de Tavares, como segundo na cadeia de comando, é implementar as ordens do secretário de Saúde nas dispensas de licitação durante o combate à Covid-19, tanto é que mensagens captadas no WhatsApp de Jorge Chamon demonstram que Ricardo é quem determina a abertura de novo processo de drive-thru e estabelece, naquele momento, até mesmo o quantitativo (120 mil testes). Em menos de uma hora, Chamon obedece a ordem e cria no sistema o novo processo de drive-thru.
“Essa função decisória dele no grupo fica ainda mais evidente, pois ele também articula para que os planos da organização criminosa não sejam frustrados pelo aparecimento de possíveis “concorrentes” fora do esquema. Para isso, Tavares determina a Chamon a inserção de cláusulas restritivas no edital do novo drive thru”, destaca o MP.
– Eduardo Seara Machado Pojo do Rego (secretário adjunto de Gestão em Saúde): segundo o MP, Pojo é o terceiro membro na sucessão organizacional, tendo status de secretário adjunto. Percebe-se que Pojo recebe comandos diretos do secretário e age na intermediação dessas ordens com os demais subordinados e operadores da organização criminosa, os quais estão em células inferiores, para que tudo saia perfeito nas dispensas de licitação.
Percebe-se, ainda, que ele também tem a tarefa de lidar diretamente com as empresas fornecedoras de testes e informá-las do que é preciso para que “tudo saia perfeito na dispensa de licitação”, recebendo instruções vindas de células compostas por membros de escalão inferior sobre o que a empresa deve apresentar.
– Iohan Andrade Struck (subsecretário de Administração Geral): tem papel de destaque e relevância na organização criminosa, aponta o MPDFT. Acompanha todos os trâmites dos procedimentos licitatórios, controla o que vai para a publicação e os ofícios com as informações que as empresas devem apresentar, além de montar os processos com os documentos necessários para que o procedimento tenha aparência de licitude.
Tem pleno acesso ao e-mail dispensalicitação.sesdf@gmail.com e determina o que deve ou não ser juntado aos respectivos processos administrativos, “tudo a favorecer a livre atuação do grupo criminoso e evitar deixar rastros das ilicitudes”, diz o MP.
Também controla, segundo o MP, o que deve ir ou não para publicação, sempre após receber autorização do secretário de Saúde e, ainda, o que deve ser pago, tudo sob as ordens de Francisco Araújo. Percebe-se que Iohan é o homem de confiança do secretário em relação aos procedimentos administrativos nas dispensas de licitação. Além do mais, é ele quem elabora os atos de reconhecimento e ratificação da dispensa de licitação quando tais atos são assinados pelos dois.
Outra função essencial dele é emitir as notas de empenho quando o secretário determina o pagamento, ou seja, é ele quem detém a “chave do cofre”, tanto é que constantemente é procurado pelas empresas. Também é responsável, na companhia de Pojo, pela adoção de atos administrativos direcionados à contratação da empresa de interesse do secretário da Saúde.
– Jorge Chamon (diretor do Laboratório Central): responsável pela elaboração de manifestações desprovidas de respaldo técnico-científico e pela adoção de providências estranhas à sua competência, tudo isso para atender as expectativas do grupo criminoso.
A principal função de Chamon dentro dessa célula criminosa, segundo o MP, é orientar o grupo como proceder tecnicamente, a forma como devem ser lançados alguns itens no edital para “evitar problemas” e, especialmente, ele tem a tarefa de chancelar os projetos básicos e justificar, falsamente, os quantitativos que estão sendo comprados, já que sabe que o montante de testes adquiridos pela SES não tem respaldo nas necessidades da população do DF, mas na vontade e aleatoriedade expressas pelo secretário de Saúde.
“Ele ainda atua entrosado com Iohan na confecção de despachos em feriados e finais de semana para agilizar procedimento de dispensa de licitação de modo a inviabilizar a concorrência, em típico direcionamento na contratação. Chamon ainda é a autoridade incumbida de proceder à análise da habilitação das empresas interessadas na contratação. Nesse aspecto, realiza diversas ilegalidades ao habilitar empresas que não apresentavam a documentação necessária”, detalha o MP no processo.
Imagens da Operação Falso Positivo:
O outro lado
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), divulgou nota na qual lamenta “a desnecessária operação ocorrida nesta manhã e que culminou na prisão preventiva da cúpula da Secretaria de Saúde”.
“Aguardo a rápida apuração e o esclarecimento dos fatos para que pessoas inocentes não tenham seus nomes indelevelmente manchados”, assinalou o titular do Palácio do Buriti.
A Secretaria de Saúde informa, por meio de nota, “que sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial”.
Também por meio de nota, a defesa de Francisco Araújo disse que “lamenta a forma precipitada como o caso foi tratado”. De acordo com os advogados do secretário, a decisão, que reproduz os termos da representação do Ministério Público, “não descreve nada que possa configurar crime”.
A Biomega afirmou, por meio de nota, que “participou de um processo licitatório com outras empresas e venceu pelo menor preço”. “A empresa informa que é um laboratório de análises clínicas, e não uma distribuidora de testes. Também não vendeu kits para testagem, mas sim a prestação de serviços para análise e determinação de laudos de exames laboratoriais referentes à Covid-19”, continua o texto.
“Quanto aos insumos usados na prestação do serviço, esclarece que todos os testes utilizados nos serviços contratados pelo Governo do Distrito Federal têm aprovação da Anvisa. A empresa está analisando a representação do MP e os documentos, que são muitos. Declara já ter constatado que há enormes distorções na acusação à Biomega, e que a empresa prepara sua defesa”, conclui a nota.