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Esquema ilegal de venda de apartamentos continua no Riacho Fundo 2

A operação da Polícia Federal que apura como funciona a organização criminosa acusada de cobrar taxas para a concessão de lotes de programa habitacional não foi suficiente para frear as irregularidades. O Metrópoles visitou a área a constatou que o esquema continua a todo vapor

atualizado

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Riacho fundo 4
1 de 1 Riacho fundo 4 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Os programas habitacionais do Distrito Federal são vistos como uma espécie de “galinhas dos votos de ouro”. Nem mesmo ações policiais inibem irregularidades praticadas por quem se aproveita dessas iniciativas para conquistar o apoio de eleitores, conceder vantagens a partidos políticos e até mesmo extorquir quem sonha com a casa própria. Uma semana após a deflagração da Operação Clã, da Polícia Federal, o Metrópoles constatou que a organização criminosa que atua no Riacho Fundo II não se intimidou. O grupo ainda vende facilidades na concessão de lotes e cobra abusivos R$ 15 mil para furar fila no cadastro do GDF. A propina garante acesso aos imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida.

A operação em curso da PF envolve o ex-deputado federal e ex-secretário de Habitação do DF Geraldo Magela (PT) e o ex-secretário-adjunto da pasta Rafael Oliveira. Ambos são investigados por suspeita de terem sido coniventes com a ação de cooperativas que se aproveitam de possíveis compradores. O Metrópoles visitou a área do Programa Habitacional Riacho Fundo II – 4ª Etapa, para conversar com os moradores. Ao chegar no local, foi possível identificar os responsáveis por vender um lugar privilegiado na lista da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab).

Eles dirigem veículos caros e observam cada passo de quem chega ao local. Também proíbem os moradores de falar sobre o esquema. Durante três dias, a reportagem observou a ação das cooperativas instaladas no local. Enquanto a população de baixa renda espera entre 10 e 30 anos para ter o direito a fazer um financiamento imobiliário, corretores da região oferecem vantagens por R$ 15 mil. Em uma conversa com o proprietário de um escritório imobiliário na QN 18, o homem sugere que, para comprar um apartamento na planta e passar à frente na fila, basta ter cadastro na Codhab e pagar os R$ 15 mil “para segurar a vaga”.

A reportagem se apresentou como sendo um casal disposto a adquirir um imóvel no local. Em uma conversa de 20 minutos, o dono do escritório explicou que é preciso comprovar renda mensal inferior a R$ 4 mil, não possuir financiamentos, estar inscrito no cadastro da Codhab e ter o nome limpo. A promessa, após o pagamento, é assinar o contrato em agosto e pegar as chaves do apartamento até dezembro deste ano.

 

Logo após o início da conversa, o corretor liga para outra pessoa, que promete checar o nome e o CPF dos interessados em adquirir um imóvel antes de receber os R$ 15 mil. Segundo ele, um apartamento de dois quartos custará, em média, R$ 115 mil. Com um financiamento feito pela Caixa Econômica Federal, as prestações devem ficar entre R$ 400 e R$ 500.

Consequências
O esquema não é de hoje. Investigações da Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Decap) apontam a concessão ilegal de lotes em programas habitacionais desde 2007. E eles não ocorrem somente no Riacho Fundo 2. Aparecem no Mangueiral, no Paranoá e em Samambaia, entre outras regiões administrativas. E as pessoas que realmente deveriam ser beneficiadas continuam na fila, enquanto outras, com renda superior a R$ 4 mil mensais, passam a habitar, alugar ou fazer um esquema de venda dos imóveis populares.

Nas garagens dos apartamentos e das casas do Riacho Fundo 2, por exemplo, é possível observar o entra e sai de carros que custam entre R$ 60 mil e R$ 200 mil. Land Rover, Hillux, Golf, Vectra e Peugeot SW são alguns dos modelos e marcas nos estacionamentos dos prédios, com unidades que chegam a custar R$ 115 mil.

Em sites especializados, encontra-se anúncios de unidades habitacionais no Riacho Fundo 2 por R$ 150 mil, na mesma área investigada pela Polícia Federal. É preciso pagar à vista, pois o comprador tem acesso apenas a uma cessão de direito, e só pode ter a casa própria no nome dele após cinco anos, por se tratar de um imóvel de interesse social.

 

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Ao ser questionada sobre as irregularidades, a Codhab informou, por meio de nota, que a 4ª etapa do Programa Habitacional Riacho Fundo 2 é de responsabilidade da Associação Pro-Morar do Movimento Vida de Samambaia (AMMVS), fruto de um contrato assinado com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em 2006. A AMMVS negou qualquer irregularidade e informou que não há mais vagas disponíveis para o programa habitacional.

“Na época, a área foi doada pela SPU à entidade. Como contrapartida do governo, foi assinado, em 2013, um convênio junto à Novacap para que fossem realizadas as obras de drenagem de águas pluviais e de pavimentação asfáltica. À companhia, coube somente a habilitação (conforme as regras estabelecidas pela Lei n° 3.877/06) dos nomes que foram encaminhados pela entidade/SPU”, disse a Codhab. 

Operação
A Operação Clã reuniu indícios que colocam em evidência o ex-secretário, Geraldo Magela. O petista assinou um termo aditivo, em 2013, que a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal acharam suspeito, pois dava autonomia para associações escolherem as famílias beneficiadas e, até mesmo, fiscalizar o processo. “O documento formalizou o que já acontecia. Facilitou fraudes e tirou toda a responsabilidade da Secretaria de Habitação. Ele teve que explicar por quê fez isso e como o programa funcionava em sua gestão”, explicou o delegado da PF Guilherme Siqueira.

Em 2015, a Polícia Federal, por meio da Delegacia de Inquéritos Especiais (Deleinque), pediu uma cópia da investigação aberta em 2013 pela Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Decap). A Polícia Civil já havia identificado que a família de Rafael Oliveira tinha envolvimento com uma construtora que atuava no Riacho Fundo 2. Há três anos, o caso foi divulgado pela imprensa. O preço cobrado à época para quem quisesse furar a fila era o mesmo praticado atualmente, de R$ 10 mil a R$ 15 mil.

Com indícios que apontam o envolvimento de Magela no esquema, o petista foi tirado da cama por policias federais na última quinta-feira (2/6). Ele seguiu de viatura para a Superintendência da PF em Brasília. Acompanhado de seu advogado, o político prestou um depoimento que durou seis horas. Uma denúncia anônima, feita em 2014 por uma suposta vítima, foi o ponto de largada para os investigadores.

O delegado Siqueira afirmou que o caso está em fase inicial e que novas pessoas serão intimadas a depor. Computadores e celulares apreendidos serão periciados. A expectativa é que a troca de mensagens e e-mails ajudem a trazer mais detalhes.

Outros processos
Quatro processos que envolvem programas habitacionais do GDF estão em andamento no Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Ambos também estão sob os cuidados da Decap. O primeiro é de 2007, que apura a parceria público-privada da Terracap destinada à construção de unidades habitacionais para 28 mil pessoas no Jardins Mangueiral. A participação de possíveis privilégios cedidos por servidores também é investigada.

O segundo, de 2011, tem relação direta com a apuração da PF. Trata de uma denúncia anônima que aponta uma suposta extorsão feita pela Associação Pró-Morar do Movimento Vida de Samambaia, que reúne 206 associações. Outra denúncia que aponta para a existência do grupo criminoso surgiu em 2013, quando um servidor da Administração Regional do Riacho Fundo foi flagrado vendendo lugar na fila do programa habitacional na 4ª etapa do Riacho Fundo II.

O caso mais recente é do início deste ano e envolve uma mulher identificada como Osana, integrante de uma cooperativa do Recanto das Emas. Em uma reportagem exibida em janeiro pela TV Globo, a mulher diz ter 57 apartamentos no Riacho Fundo e 40 casas no Recanto das Emas. Os interessados, segundo a mulher, não precisam de cadastro da Codhab, basta se afiliar à cooperativa e “furar fila” mediante ao pagamento de R$ 15 mil.

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