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Esposa de paciente morto em clínica clandestina: “Morri junto com ele”

O pintor André Loiola, 36 anos, foi internado no local no dia 12 de janeiro para fazer tratamento contra alcoolismo

atualizado

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paciente clínica
1 de 1 paciente clínica - Foto: Imagem cedida ao Metrópoles

O marido de Miriam Ferreira, 46 anos, foi uma das vítimas da clínica de horrores interditada na última terça-feira, em Luziânia, Entorno do DF. O pintor André Loiola foi internado na Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas em 12 de janeiro, aos 36 anos, para fazer tratamento contra alcoolismo. Em menos de 24 horas, a família do paciente foi informada de que ele havia morrido.   

Em entrevista ao Metrópoles, Miriam afirmou que não era a primeira vez que o marido havia buscado tratamento. Anteriormente, André já tinha sido internado, também por conta própria, em outros lugares. Porém, com o tempo, acabou tendo recaídas e, como queria uma vida sem vícios, procurou uma intervenção, novamente, com o apoio da família.

“Eu entreguei o meu marido vivo e recebi ele morto três horas depois”, desabafou Miriam.

Quando foi internado pela última vez, em janeiro, André Loiola carregava a esperança de tratar o vício no álcool. O que ninguém esperava era que, em menos de 24 horas, sob os cuidados de Tiago Araujo, dono do local, um trágico fim ocorreria.

O marido da cozinheira chegou ao estabelecimento por volta das 20h do dia 12 de janeiro e faleceu durante a madrugada do dia 13. Segundo Miriam, a notícia do óbito foi dada a ela por Tiago, com frieza e sem muitos detalhes. O responsável pela Restituindo Vidas disse, apenas, que o homem havia passado mal e não resistido. 

“Quando recebi a notícia, não tiveram nenhuma sensibilidade, só falaram ‘seu esposo morreu’, como se ele fosse um nada. Isso não sai da minha cabeça, martela o tempo todo, sabe?”, desabafou a esposa da vítima.

Assista à entrevista:

À época, ninguém da clínica deu assistência ou explicação sobre o caso para a viúva. “O Tiago nunca prestou nenhum suporte para a nossa família. Eu solicitei as imagens das câmeras da clínica para ele, para entender o que aconteceu, mas ele nunca me enviou”, disse a esposa da vítima.

Alguns dias depois do ocorrido, Miriam recebeu um vídeo do marido que havia viralizado em aplicativos de mensagem. Nas imagens, André Loiola estava deitado em uma cama, de bruços, com a boca ensanguentada e o rosto com um arranhão na bochecha.

Após quatro meses, a causa da morte do pintor ainda é uma incógnita. Segundo a mulher, em uma das diversas tentativas de contato com o Instituto de Medicina Legal (IML), os agentes a informaram que os exames foram encaminhados para Goiânia, e até então o resultado não tinha saído.

“Nós o colocamos lá para ele melhorar, não para ser maltratado. Para eles, os pacientes podem não ter valor, mas para a gente têm. Não quero que a morte do meu marido fique impune”, disse.

A esposa da vítima registrou o boletim de ocorrência do fato em 18 de janeiro, na 2ª Delegacia de Polícia (Luziânia).

Manipulação

A propaganda feita pelo dono do espaço não condizia com a realidade vista no cotidiano. De acordo com a viúva, para persuadir a família, Tiago afirmou que os internos tinham entre seis e oito refeições por dia, que o local contava com profissionais, como psiquiatras, médicos e psicólogos, e enviou várias fotos falsas da estrutura da clínica clandestina. 

“Nós escolhemos essa clínica porque achamos que era um lugar de confiança. Procurei mais informações por indicação de uma conhecida, que tinha um filho internado no local. Lá parecia ser um lugar maravilhoso, com uma estrutura ótima pelas fotos que o Tiago enviou”, contou a cozinheira.

Justiça

Hoje, quatro meses após a morte de André, Miriam segue inconformada com a perda repentina do marido. Segundo ela, a família só sentirá paz novamente quando receber uma explicação plausível do ocorrido e ter certeza de que a justiça foi feita. 

“Eu perdi meu alicerce, nunca vou superar o que aconteceu. Sinto que morri junto com ele. Não desejo a ninguém essa dor que eu estou sentindo. Ninguém merece perder alguém desse jeito cruel”, desabafou.

André Loiola deixou, além da mulher, os pais, dois filhos e duas irmãs. “Ele era uma pessoa muito extrovertida e alto-astral. Só de ele estar no lugar todo mundo ficava feliz. Eu sempre dizia para ele que ele era uma pessoa abençoada. Quero que ele seja lembrado pelo homem trabalhador e alegre que ele sempre foi”, ressaltou.

Clínica interditada

A Superintendência de Vigilância em Saúde de Goiás (Suvisa) interditou, na noite de terça-feira (2/5), a Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas, localizada na região das Chácaras Marajoara, em Luziânia. A fiscalização ocorreu após o Metrópoles procurar os órgãos durante apuração sobre as situações de maus-tratos e tortura a que eram submetidas as vítimas no estabelecimento clandestino.

Vídeos chocantes gravados no local mostram os pacientes nus, sendo obrigados a entrar na água de madrugada, dormir no chão em meio à sujeira e ficar amarrados em posição semelhante àquela em que pessoas escravizadas eram punidas no Brasil, há mais de 130 anos.

Veja abaixo alguns vídeos das humilhações:

 

Na clínica, dependentes químicos eram submetidos, diariamente, a humilhações e sessões de tortura que já resultaram até em morte. De acordo com a Suvisa, cerca de 54 residentes estavam internados no estabelecimento no momento em que ocorreu a interdição e autuação do espaço.

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Uma das vítimas de tortura
Vítima dormindo no chão de clínica clandestina
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Paciente amarrado em clínica clandestina

Material cedido ao Metrópoles
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Uma das vítimas de tortura

Material cedido ao Metrópoles
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Vítima dormindo no chão de clínica clandestina

Material cedido ao Metrópoles

Algumas das irregularidades encontradas no local foram falta de documentação para funcionamento da clínica, superlotação, ausência de responsável técnico, condições precárias de higiene e má alimentação dos residentes.

Com a interdição da clínica clandestina, a equipe responsável pela reabilitação tem o prazo de três dias para comunicar os familiares dos pacientes sobre a situação deles e realocá-los em outras unidades de internação.

Antes de abrigar a Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas, o local foi sede da Comunidade Terapêutica Restauração (CTR), que também foi fechada por suspeita de maus-tratos a pacientes. O espaço mudou apenas de nome, mas manteve a rotina de terror.

Para driblar a Justiça, Tiago, responsável pela clínica que se apresentava como enfermeiro, abriu um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) identificando a empresa como uma comunidade terapêutica, mas, na verdade, oferecia serviço de clínica psiquiátrica com internações compulsórias.

Fome, dopagem e mortes

A rotina dentro da casa era de dor e sofrimento. A lista de supostos crimes cometidos por Tiago e seus funcionários é extensa. Ele é acusado de bater, humilhar e permitir circulação de drogas no local.

Ainda de acordo com relatos de “sobreviventes”, não era permitido manter qualquer tipo de contato com a família, e havia a prática de dopagem com medicamentos sem prescrição médica. Em casos mais extremos, muitos, inclusive, disseram passar fome, pois as refeições eram rigidamente controladas por Tiago e seus monitores.

No caso mais aterrorizante, um interno morreu, em março deste ano, após ser obrigado a ingerir doses cavalares de medicamentos controlados.

Cerca de um mês depois, em 24 de abril, outro paciente apareceu morto na Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas. Carlos Eduardo Rodrigues, 44, não passou sequer 24 horas sob os cuidados de Tiago. O homem foi internado na tarde do dia 24 de abril pela mãe e, durante a noite, faleceu. O óbito dele é investigado pela PCGO, por meio Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Luziânia.

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