Escolta da dama de vermelho reabre debate sobre uso de armas por Cacs
Para especialistas ouvidos pelo Metrópoles, atiradores que ostentaram armas colocaram em risco a segurança pública
atualizado
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A interrupção do trânsito na avenida Samdu Norte para que a “dama de vermelho” atravessasse a rua reacendeu o debate sobre as regras e as responsabilidades do uso de armas por atiradores esportivos, caçadores e colecionadores. A cena em que pelo menos sete homens armados com fuzis e escopetas se enfileiraram na rodovia foi gravada na terça-feira (25/2) é investigada pela Polícia Civil do DF (PCDF).
As imagens foram feitas em frente a um estande de tiro esportivo e loja de caça que vende armamentos. A informação inicial é que os homens que participaram teriam registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC). À PCDF, o gerente do estabelecimento afirmou que as armas eram de pressão.
O Metrópoles conversou com dois especialistas para entender o que diz a legislação sobre o porte de armas por Cacs. Os dois julgaram que as cenas gravadas são contra a legislação vigente, causam insegurança jurídica e pânico na população, além de colocar em risco a segurança pública.
A reportagem conversou com o professor de antropologia do direito na UnB, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEViS) e do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim), Wellington Caixeta; e o professor do mestrado em segurança pública da Universidade Vila Velha (UVV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Pablo Lira.
PCDF apreende armas utilizadas para escoltar “dama de vermelho”
Atiradores colocaram em risco a própria segurança e de terceiros
Segundo ambos os especialistas em segurança pública, o cruzamento de pessoas armadas em uma via pública é um fator de insegurança para eles próprios e todas as pessoas em volta.
“Imagina alguém estar dentro do carro e ser abordado por uma fila indiana daquela e, por acaso, essa pessoa que está no carro também vai para o clube de tiro. Ela [o motorista] pode sacar da sua arma, atirar e depois falar: ‘achei que eles fosse atirar em mim’. Essa situação toda pode gerar uma situação de bang-bang, um faroeste, todos contra todos”, explicou Caixeta.
Armas em escolta de “dama de vermelho” são de pressão, diz gerente
“E se uma viatura policial passa no exato momento e vê um grupo de homens que não são profissionais de segurança pública com fuzis. Poderia ter terminado em tragédia”, analisou Lira. Para os pesquisadores, o fato de as armas serem ou não de fogo, não tira a gravidade da situação.
“Os próprios policiais que são agentes do estado não podem andar com armas em punho. Existe uma doutrina dentro das forças de segurança que é o uso progressivo da força. O policial precisa passar por vários passos até sacar a arma. Arma de fogo não é brincadeira, não pode estar sacando assim, ainda mais um grupo”, alertou o professor da Universidade Vila Velha.
O que diz a legislação
“Importante deixar claro que o CAC não tem preparo para usar arma de fogo na rua. O próprio profissional da segurança espera nunca precisar usar a arma. Muitos profissionais alegam que não tiveram preparo adequado, horas de tiro suficientes e preparo técnico para usar a arma”, alerta Caixeta. Para o docente, é arriscada a naturalização de pessoas que andem em vias públicas armadas.
Segundo o Decreto 10.629 de 2021, que baliza as regras para o porte de armas a atiradores esportivos, caçadores e colecionadores, o indivíduo autorizado a ter uma arma deve levá-la apenas no trajeto de casa para o estande de tiro e, para isso, o Comando do Exército precisa dar ao CAC uma Guia de Tráfego.
A legislação prevê a utilização de armas de ar-comprimido para Cacs, no entanto, valem as mesmas regras que para as armas de fogo. Nos dois casos, não é permitido ostentá-las, mesmo que em frente ao clube de tiro.
“No contexto em que a cena [da dama de vermelho] foi montada, de parar o trânsito, com vários homens armados, é no mínimo questionável não apenas a legalidade da ação, mas a necessidade e proporcionalidade daquilo”, disse Caixeta.
“O atirador esportivo não pode ostentar armas em vias públicas; ele tem de transportar num case, numa bolsa adequada, de preferência no veículo. Importante registrar que não é proibir os Cacs, é ter um controle e evitar esses exageros. Essa flexibilização do acesso às armas abre brechas para que indivíduos adquiram verdadeiros arsenais de guerra”, afirmou Lira.