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O tempo e a dor transformaram o semblante de sete bravas mulheres. Seus rostos ficaram conhecidos no país inteiro após uma incansável busca pelos filhos desaparecidos em Luziânia, município goiano situado a 40 quilômetros de Brasília. Os garotos, com idades entre 13 e 19 anos, foram atraídos para um matagal e executados por um serial killer com pancadas na cabeça.
Uma década após os assassinatos em série, as Mães de Luziânia – como elas passaram a ser chamadas – ainda conservam uma profunda tristeza, sofrimento potencializado pela morosidade da Justiça. Desde a época dos homicídios, elas travam uma batalha nos tribunais em busca de indenizações.
Para explicar a tragédia que uniu para sempre essas mulheres que não se conheciam, é preciso voltar a 2005, ano em que o pedreiro Ademar de Jesus Silva foi condenado a 15 de anos prisão por abusar sexualmente de um menino de 11 e um adolescente de 13 anos. Os crimes ocorreram no Distrito Federal.
Após cumprir pouco mais de três anos da pena em regime fechado, Ademar foi autorizado pela Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal a progredir de regime. Uma semana depois ser posto liberdade, começou a matar. O maníaco de Luziânia suicidou-se enforcado na cela de uma delegacia de Goiânia, 10 dias após ser detido e indicar o local o matagal onde havia enterrado os jovens.
Veja a linha do tempo:
Aldenira Alves de Souza, 62 anos, é mãe de Diego Alves Rodrigues, 13, o primeiro a sumir. O garoto saiu de casa, no bairro Parque Estrela Dalva IV, pela manhã, por volta das 10h do dia 30 de dezembro de 2009. Aos familiares, disse que não demoraria a voltar. “Mas ele nunca mais voltou. É uma ferida que nunca cicatriza. Ela adormece, mas não se apaga”, diz Aldenira, chorando.
Assim como os outros seis cadáveres localizados pela polícia, Diego apresentava fraturas no crânio, um indicativo de que Ademar matava sempre golpeando suas vítimas na cabeça. Como ele confessou em depoimentos, os instrumentos para tirar a vida dos rapazes eram os mesmos usados por ele no ofício de pedreiro, como pá, enxada e pé de cabra.
Busca em 105 municípios
No ano de 2010, em 4 de janeiro, a aflição bateu à porta da copeira Sônia Vieira de Azevedo Lima, 54. O caçula de quatro irmãos, Paulo Victor Vieira de Azevedo, 16, auxiliava o tio em um quiosque de lanches no centro de Luziânia, quando saiu para pagar uma conta de luz e nunca mais foi visto. Antes de Ademar ser detido e indicar a localização dos corpos, Sônia alimentava a esperança de encontrar Paulo Victor vivo.
“Visitei 105 municípios do país à procura do meu filho. Depois, de tanto tempo sem respostas, queria acreditar até na tese de que ele tivesse sido sequestrado e sendo usado em trabalho escravo. Se fosse isso, pelo menos estaria vivo”, lamenta Sônia, que tornou-se uma espécie de porta-voz das Mães de Luziânia.
Dez anos depois da tragédia que fez o município goiano ser conhecido em todo o Brasil, Sônia avalia que a falta de empenho da Polícia Civil de Goiás no início das investigações contribuiu para que o maníaco continuasse a matança. “Meu filho estava desaparecido havia 10 dias e tinha 70 parentes e amigos na rua atrás dele, mas nenhum policial.”
A corporação goiana só entrou de cabeça nas investigações após a imprensa começar a noticiar os misteriosos casos. Àquela altura, quatro adolescentes já haviam sumido.
Depressão e morte
As sete mulheres que vivenciaram o drama de perder filhos tão jovens desenvolveram diversos problemas de saúde. Maria Lúcia Souza Lopez, 60, mãe de Márcio Luís, 19, começou a sofrer de picos de pressão arterial e, segundo familiares, passava horas prostrada na cama. Quando conseguia levantar, costumava vagar pelas ruas do Parque Estrela Dalva, de madrugada.
Maria Lúcia morreu em 2016, e a filha, Lúcia Maria Souza Lopes, 35, não tem dúvidas do que levou ao adoecimento da mãe. “Meu pai ficou tão triste que morreu um ano depois que encontraram o corpo do meu irmão. Minha mãe, que já estava muito mal, ficou pior ainda sem filho e sem marido”, conta Lúcia.
Em 2016, Maria Lúcia sofreu um infarto. Ficou quatro meses internada com apenas 10% do coração funcionando, até que o órgão parou de bater de vez. “Ela já não tinha vontade de viver. A morte do meu irmão também matou meus pais”, lamenta Lúcia.
Márcio era o único entre os sete jovens mortos que não era adolescente. Ele havia recém-completado 19 anos quando saiu de casa para andar de bicicleta e não retornou. O rapaz foi o penúltimo a ser executado por Ademar de Jesus. Após a revelação dos corpos em uma fazenda de Luziânia, as sete mães participaram de vários encontros promovidos por políticos. Em pelo menos dois deles, Maria Lúcia sentiu-se mal e desmaiou, como ocorreu durante uma homenagem na Câmara Municipal de Luziânia.
“Justiça falhou duas vezes“
Após o pedreiro Ademar de Jesus confessar ser o serial killer que aterrorizava Luziânia, advogados que passaram a representar as mães entraram com ações na Justiça pedindo indenizações de R$ 250 mil para cada uma delas. Segundo um dos defensores, apesar da vitória em primeira instância na Justiça Federal, não há prazo para que os familiares dos sete garotos mortos vejam a cor do dinheiro.
“Entramos com uma ação contra a União, que é responsável pela Justiça do DF, pois entendemos que o juiz errou ao colocar em liberdade um homem cujo laudo indicava que ele não tinha condições alguma de conviver em sociedade. Vencemos em primeira instância, mas houve recurso e estamos aguardando. Infelizmente, não é possível prever uma data para que elas recebam”, admite Luciano Braz.
Para Valdirene Fernandes da Cunha, 46, mãe de Flávio Augusto Fernandes dos Santos, 14 – o terceiro a desaparecer –, a Justiça do DF “falhou duas vezes” com as famílias. “Fica um sentimento de indignação muito grande: primeiro, a Justiça coloca na rua um assassino; depois, nos nega indenização. Tiraram de mim o direito de ver meu filho se formar, de vê-lo conquistar o primeiro emprego. É como se faltasse um pedaço do corpo. Só a gente entende tamanha dor”, desabafa Valdirene.
O último contato que Flávio Augusto teve com parentes foi na manhã do dia 18 de janeiro de 2010. Ele exercia a função de menor aprendiz em uma loja da cidade: saiu do estabelecimento, almoçou em casa com a irmã e, depois, levou uma bicicleta para o conserto. Desapareceu justamente no caminho da oficina de bikes.
“Tento não morrer de tanto sofrimento”
Mariza Pinto Lopes, 52, mãe de Divino Luiz Lopes da Silva, 16, hoje se apega ao trabalho para tentar arejar a mente e não cair no choro a todo momento. “Todo dia estou trabalhando na casa de alguém. Tem que ocupar o tempo se apegar em Deus para não morrer de tanto sofrimento”, explica a diarista, cujo filho foi o quarto da lista das vítimas do maníaco de Luziânia.
Sentimento parecido carrega a mãe de George Rabelo dos Santos, 17, o quinto menino executado pelo serial killer. “Desde o descobrimento do cadáver do filho, ela ignora datas festivas, como o Dia das Mães. “Não tenho mais o que comemorar, pois a imagem dele ainda é muito forte para mim”, lamenta Cirlene Gomes Rabelo de Jesus, 42.
A última vítima
Benilde dos Santos, 44 anos, se recusou a acreditar que o desaparecimento do filho Erick dos Santos, 15, pudesse estar relacionado ao caso dos outros seis jovens. Embora o país já acompanhasse o drama das outras seis mães, o sumiço do rapaz tinha características diferentes.
Explica-se: Erick morava no bairro Santa Fé, distante 12 quilômetros do Parque Estrela Dalva, onde os outros garotos haviam sido abordados por Ademar. “Pela distância, a própria polícia, no início, não queria relacionar o caso dele ao dos outros seis meninos. Eu também queria acreditar nisso, mas, infelizmente, esse maníaco atacou meu filho também.”
Assim como todas as outras mães, Benilde não acredita na única linha de investigação defendida pela polícia goiana: a de que Ademar de Jesus agiu sozinho.
“Meu filho, apesar de ter 15 anos, era atleta, alto e muito forte. Ele era maior que o Ademar e não era tão inocente ao ponto de ser levado na lábia por ele. Tenho certeza que mais gente participou dessa barbárie. Tanto que o rosto do meu filho estava todo quebrado, sinal de que ele lutou muito pela vida. Tenho certeza que, pelo porte físico, ele conseguiria escapar se fosse apenas Ademar”, teoriza Benilde.
Quando fala em “lábia”, Benilde se refere ao álibi do maníaco para convencer os garotos a entrarem com ele na mata. De acordo com a polícia, o serial killer oferecia dinheiro em troca de ajuda com alguns serviços braçais, como buscar madeira. “É uma tese que eu custo a acreditar também. A gente conhece o filho da gente. O meu tinha o sonho de ser jogador de futebol e odiava fazer serviço pesado. Nem por dinheiro ele aceitaria uma proposta dessa”, diz Benilde.
O Metrópoles entrou em contato com o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) para saber o posicionamento do órgão em relação à indenização das sete mães, mas não obteve resposta até a última atualização deste texto.