“Não sou jagunço”: antes de matar empresário, suspeito abordou coronel
Segundo o MP, coronel da PMGO foi procurado na sede do governo de Goiás por Jorge Caiado e Cacai Toledo para executar empresário em Anápolis
atualizado
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Quando ainda era secretário da Casa Militar de Goiás, em 2019, o coronel Newton Nery Castilho foi procurado para ajudar na execução do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante (foto em destaque), que denunciava um esquema de corrupção na cidade goiana de Anápolis. O pedido veio de Jorge Luiz Ramos Caiado e Carlos César Savastano de Toledo. Toda a ação aconteceu dentro do gabinete do secretário, localizado na própria sede do Governo de Goiás.
As informações constam na denúncia do Ministério Público de Goiás (MPGO), a qual recomenda que Jorge Caiado responda pelo homicídio do empresário em Anápolis. Carlos César Savastano de Toledo, conhecido como Cacai Toledo, se tornou réu por ser o mandante do crime no final do mês passado e é considerado foragido.
De acordo com o documento, o coronel da Polícia Militar de Goiás (PMGO) negou a proposta e declarou que não era “jagunço”, enfatizando que seu papel era o combate ao crime e não o revés. Logo, a dupla se retirou do local. Atualmente, Jorge Caiado é servidor na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).
A ação aponta que tudo ocorreu no gabinete do coronel Castilho, na Casa Militar da governadoria. Segundo a pasta, a secretaria fica no 9º andar do Palácio Pedro Ludovico Teixeira, sede administrativa do governo goiano.
Denunciados pediram ajuda de outros militares
Na ocasião, os acusados traziam um dossiê do empresário que foi morto e o entregaram ao militar. “Os denunciados declararam que, em verdade, buscavam o apoio para exterminar Fábio Escobar”, apontou o MPGO.
Ainda segundo o MP, Caiado usou o seu prestígio na Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO) e a proximidade com policiais militares para acompanhar Cacai Toledo em uma “peregrinação nos órgãos da referida pasta no sentido de atrair aliados para aniquilar seu desafeto Fábio Escobar”.
Antes de procurar Castilho, os denunciados procuraram o coronel Benito Franco Santos, então comandante da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam), pedindo para resolver situação de ameaças sofridas por Cacai, intitulando-o de “padrinho do governador em Anápolis”.
Carlos Toledo explicou que foram feitas propostas de cargo e pagamento do valor revertido na campanha; porém, segundo ele, nada satisfazia Fábio Escobar, que cobrava uma dívida. Então, questionado por Benito sobre sua real intenção, ele afirmou categoricamente que a única forma de resolver seria “só matando”.
Na ocasião, coronel Benito Franco respondeu: “Se o senhor veio aqui para contratar empreitada, o único produto que eu posso te oferecer é outro: quite sua dívida”. Então, afirma o MPGO, eles se retiraram da sala; antes, porém, de se ausentar da sede da Rotam, Jorge Caiado e militar tiraram uma fotografia, registrando o referido encontro.
Assassinato de empresário
“Ou pega ou morre”, teria ouvido o empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante em uma tentativa de suborno que recebeu pouco depois das eleições de 2018. Coordenador político, o homem fez diversas denúncias contra esquema de propina e crimes em Anápolis, em 2019.
Na época da proposta, contou que não aceitou a quantia de R$ 150 mil. Ele acabou sendo assassinado anos depois conforme prometido. Sua execução desencadeou outras sete mortes em uma longa queima de arquivo, prendeu policiais militares envolvidos em chacinas e abalou a estrutura política goiana.
No fim do mês passado, a Justiça de Goiás aceitou a denúncia que acusa Carlos César Savastano Toledo, o Cacai Toledo, ex-presidente do partido Democratas (atual União Brasil) em Anápolis, de ser o autor intelectual do assassinato de Escobar. O político era o principal alvo das denúncias feitas pela vítima, e eles chegaram a trabalhar juntos durante eleições no estado, em 2018. A acusação também indica que os policiais militares foram os executores do empresário.
De acordo com o inquérito policial, conduzido pela Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), o político demonstrou descontentamento por diversas vezes com as denúncias e críticas que a vítima estava divulgando.
Cacai Toledo se tornou diretor administrativo da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego), mas perdeu o posto depois de ser preso por suspeita de fraudes em licitações na companhia, em 2020.
Segundo documentos aos quais o Metrópoles teve acesso, Fábio Alves Escobar foi atraído para uma emboscada por indivíduos que, se passando por compradores de um imóvel, marcaram encontro utilizando um celular.
Foi esse aparelho de telefone que acabou gerando a morte de outras sete pessoas, em tentativas de queima de arquivos. Além dos três PMs diretamente ligados à execução do empresário, mais sete policiais foram indiciados pelos crimes relacionados. Eles devem responder em processos diferentes por tipificações como furto, fraude processual e homicídio.
Manifestações
O escritório de advocacia Wanderley de Medeiros, responsável pela defesa de Jorge Caiado, afirmou em nota que “a denúncia oferecida pelo Ministério Público não está acompanhada de documentos que indiquem, de forma robusta, indícios de participação” do servidor da Alego. “Temos convicção da inocência do nosso cliente”, acrescentou.
O Metrópoles procurou a defesa de Cacai Toledo por meio de mensagens e ligações telefônicas na noite dessa quarta-feira (20/3). Não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
A reportagem também tentou contato com a assessoria de imprensa do Governo de Goiás. Após a publicação da matéria, a pasta respondeu: “É imprescindível para o Poder Executivo Estadual não emitir opinião e muito menos interferir no andamento de qualquer processo de investigação policial, garantindo a autonomia e a independência do trabalho da Polícia Civil, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.
A Secretaria de Comunicação de Goiás ainda acrescentou que cabe às partes implicadas apresentarem suas considerações dentro do devido processo legal.