Em um ano, padres “sumiram” com R$ 1 milhão de fiéis do Entorno
Quatro dos 11 investigados na Operação Caifás assinaram “declaração de desaparecimento” para justificar rombo no caixa da Diocese de Formosa
atualizado
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A suposta organização criminosa que desviava recursos de paróquias do Entorno do Distrito Federal contava com a certeza da impunidade. Para justificar desfalques na contabilidade da Diocese de Formosa (GO), os envolvidos alegavam o desaparecimento de quantias vultosas. Denúncia do Ministério Público de Goiás (MPGO) mostra que quatro dos 11 investigados na Operação Caifás assinaram declarações para atestar o “sumiço” de quase R$ 1 milhão.
A entrada dessa quantia deveria constar na contabilidade das paróquias de Posse e Planaltina de Goiás, com destino à Diocese de Formosa. No entanto, como num passe de mágica, R$ 915.143,34 tornavam-se “inexistentes”.
Somente o monsenhor Epitácio Cardozo Pereira certificou o desaparecimento de R$ 357.445,97, em 2015. No ano seguinte, ele assinou nova “declaração de desaparecimento”, então de R$ 72.859,22. Os dois desfalques foram atestados pelo bispo de Formosa, dom José Ronaldo, e pelo ecônomo e padre Mário Vieira. Moacyr Santana, pároco da Catedral Nossa Senhora Imaculada Conceição, de Formosa, declarou o sumiço de R$ 207.541,38.Waldson José de Melo, na condição de padre da paróquia Sagrada Família, em Posse, endossou o desaparecimento de R$ 274.021,38, e Guilherme Frederico, que atuava como secretário da Cúria Diocesana, um desfalque de R$ 3.275,49. No caso dele, de acordo com o MPGO, dom José Ronaldo teria aconselhado o subordinado a assinar a declaração para justificar o “rombo” no caixa.
Segundo o documento assinado por quatro promotores de Justiça de Formosa, os suspeitos davam “lastro” ao desaparecimento do dinheiro, “acreditando que a falta de transparência impediria que o desfalque viesse ao conhecimento dos fiéis”.
De acordo com o promotor Douglas Chegury, um dos responsáveis pela investigação do caso, os recursos supostamente desaparecidos faziam parte do que era declarado. “Em alguns casos, o dinheiro do pagamento de casamentos, batismos, doações e coletas não era sequer contabilizado. No entanto, esses valores com declaração tinham entrada no caixa, mas foram retirados, e eles não sabiam como explicar o desfalque”, disse.
Como funcionava
Na última segunda-feira (19), o Ministério Público de Goiás deflagrou a Operação Caifás com o objetivo de desarticular uma associação criminosa que atuava desviando recursos de igrejas católicas do Entorno, incluindo Formosa e Planaltina de Goiás. Segundo as investigações, as 33 paróquias que compõem a Diocese de Formosa arrecadam, por ano, entre R$ 15 milhões e R$ 16 milhões.
As quantias representam dízimos de fiéis, pagamentos de emolumentos eclesiásticos, batismos e casamentos, bem como importâncias referentes a doações e coletas. Também estão incluídas as cifras arrecadadas durante os festejos de padroeiros promovidos por paróquias, como a Festa do Divino Espírito Santo.
Cerca de 15% de tudo arrecadado com os festejos eram destinados à Diocese de Formosa. Os outros 85% ficavam nas paróquias. Dos dízimos, casamentos e os emolumentos, 10% iam para a diocese, e 90% para as paróquias.
“Em um primeiro momento, todo esse dinheiro era declarado. Como a contabilidade não fechava, eles faziam a declaração de desaparecimento para tentar se ‘resguardar’. Em um segundo momento, eles pararam de declarar. Quando a pessoa pagava um casamento, por exemplo, eles só embolsavam o dinheiro”, afirmou o promotor Douglas Chegury.
A suspeita é que os desvios dos recursos da igreja tenham provocado prejuízo de R$ 2 milhões.
“Desaparecimento” reforça o esquema
Para Chegury, o fato de o bispo diocesano atestar as declarações de sumiço significa que ele sabia e não fazia nada. “A contabilidade não fechava, os representantes das paróquias diziam que o dinheiro sumiu, e o que ele fez? Registrou ocorrência? Instaurou algum procedimento? Que providência tomou? Nenhuma”, constatou o promotor, afirmando que a postura de dom José Ronaldo reforça o envolvimento dele no esquema e ainda o coloca numa posição de “líder” da organização criminosa.
O Ministério Público de Goiás apura também a possibilidade de a importância “desaparecida”, no caso de Moacyr, ter sido investida na compra de uma casa lotérica em Posse.
“A Operação Caifás foi o procedimento investigativo ‘mãe’ do esquema. Acreditamos que os desvios já ocorriam antes de o bispo dom Ronaldo estar no cargo. Vamos fazer desmembramentos, a exemplo da Lava Jato”, afirmou Chegury.
A defesa dos acusados afirmou que eles não cometeram nenhuma irregularidade e todo o dinheiro é “fruto do trabalho árduo” dos investigados.