Amor e persistência: casal do DF adota menino “devolvido” duas vezes
Enzo, de oito anos, foi acolhido por Kairon e Sílvio, moradores de Brasília, depois de ficar em abrigo por cinco anos à espera de um lar
atualizado
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O processo de adoção do pequeno Enzo, de oito anos, teve um final feliz. Em uma instituição de acolhimento em Águas Lindas de Goiás, Entorno do Distrito Federal, desde os três anos e depois de passar pela rejeição de duas famílias que pretendiam adotá-lo, além da biológica, o menino foi abraçado por um casal homossexual de Brasília. Diagnosticado com transtorno de comportamento e hiperatividade, ele agora terá o nome dos novos pais e dos avós paternos no registro de nascimento. “Tenho dois pais”, diz, orgulhoso, o garoto.
O juiz Felipe Jales Soares, da Vara de Família, Sucessões, Infância e Juventude e 1ª Cível da comarca, julgou procedente o pedido de adoção de Enzo feito por Kairon Patrick Oliveira da Silva e Sílvio Romero Bernardes Fagundes, num ato que emocionou toda a sala: juiz, promotor e os envolvidos no processo – que não esconderam as lágrimas.
O caso de Enzo chamou a atenção de todos. Além de ter vivido muito tempo em uma instituição de acolhimento, o menino presenciou os irmãos serem adotados e irem para outros lares.
O casal conheceu Enzo em dezembro de 2017, quando o garoto tinha sete anos. “Fui sozinho ao abrigo, inicialmente não tive contato com o Enzo, mas foi amor à primeira vista. Depois voltamos juntos e ele também sentiu algo diferente pelo menino”, disse Kairon.
Após uma audiência, Enzo foi liberado para que passasse um fim de semana na residência do casal. “Já compramos tudo, papel de parede, arrumamos o quarto. No segundo dia, ele nos deu muito trabalho, no terceiro, nem se fala. Chegamos a pensar em desistir, mas resolvemos tentar de novo”, contou Kairon.
“Enzo não dormia sozinho e não gostava de tomar banho. Todo dia era um escândalo. Mas eu sempre quis ser pai e não ia desistir por causa disso”, relatou. O que era para ser um fim de semana se transformou em guarda provisória, mas os obstáculos não pararam por aí. “Matriculamos ele em uma escola particular e a psicopedagoga chegou a nos aconselhar a não ficar com ele. Ela nos garantiu que ele não iria mudar”, revelou.
Amor e persistência
A história dos dois com o pequeno Enzo foi de muita perseverança. Estava claro que não ia ser fácil – e não foi. Mas, segundo o casal, o amor conseguiu mudar não só o garoto mas eles também. “Não fui uma criança fácil, se minha mãe tivesse desistido de mim, eu não teria me tornado o que sou hoje. Na verdade, o que faltava para o Enzo era amor e disciplina, e ele não teve isso das outras famílias”, pontuou Sílvio.
Ao descobrirem isso, tudo mudou. O comportamento, as notas escolares e o jeito de se portar diante das pessoas foram tornando Enzo um menino encantador. “Por onde ele passa, chama a atenção. É nítida a mudança dele. É uma criança apegada ao sentimento e não ao material”, destacou. “Somos a prova de que o amor incondicional muda qualquer pessoa. Mudou o nosso filho e a gente também. Ele nos ensinou a amar mais, mas hoje a gente entende o porquê de ele ter passado por tudo isso, por essas duas rejeições, para chegar a gente”, frisou emocionado.
De volta ao abrigo onde viveu mais da metade de sua vida, Enzo foi recebido com festa. As pessoas que trabalham no local também perceberam a mudança do menino. Correndo de um lado para outro, entrando nas salas, o garoto não soube falar se vai sentir saudade ou não do lugar, mas tem a certeza de que uma nova vida vai começar.
Estou muito feliz. Agora, tenho dois pais e eu os amo
Enzo
De acordo com os dois pais, o garoto entende sua nova estrutura familiar e nunca sofreu preconceito por ser filho de um casal homoafetivo. “Ele já se deparou com crianças com a mesma estrutura familiar dele e sempre fala que tem dois pais. Ele é bem resolvido quanto a isso”, disse Kairon. Ao relatar a experiência, Sílvio afirmou que o preconceito está muito mais nos adultos do que nas crianças.
O casal iniciou o processo de adoção em outro estado, porém, devido a diversas dificuldades, os dois optaram por Águas Lindas de Goiás. “Aqui, somos acolhidos, lá sofremos preconceito até no curso. Nos sentimos excluídos. A Justiça goiana e o juiz desta comarca estão de parabéns. Graças a isso, nossa família nasceu”, ressaltou.
Para o juiz Felipe Levi, os pais pretendentes devem ter coração e mente abertos. Para o magistrado, não há dúvida de que a adoção atende ao melhor interesse de Enzo, conforme o artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, a procedência do pedido é a melhor medida a ser tomada. No caso de Enzo, durante todo o período em que esteve no abrigo, o menor passou por altos e baixos, enfrentou situações que muitos adultos não teriam condições de suportar.
Segundo o magistrado, o tempo que Enzo passou na instituição moldou parcialmente o seu estilo de vida, mas, sempre forte e perseverante, jamais se deixou abater. Durante o período, viu os irmãos sendo colocados em lares que lhes ofereciam amor e proteção.
Durante esses mais de quatro anos, nos ensinou a nos esforçarmos para melhor trabalhar e aguardou a chegada de sua família. E a espera valeu a pena. Como se pode verificar de toda instrução do processo, não resta dúvida de que ele recebeu a melhor de todas as famílias
Juiz Felipe Levi
Felipe Levi também observou a melhora no comportamento e na saúde do garoto após a guarda dos pais. “Enzo, você não só recebeu o melhor lar para viver mas companhias que lhe ensinarão no dia a dia a ser um homem, a tratar bem as pessoas e a se desenvolver, como você, guerreiro que se mostrou ser e que, sem dúvida, continuará sendo. Apesar de não saber ainda o que é amor, nos ensinou muito bem as suas características”, salientou. (Com informações do Tribunal de Justiça de Goiás)