A dor de uma mãe: desaparecimento de Thayna completa dois anos
Desde o sumiço da jovem de 21 anos, Regina Jussara anda com uma pá no carro escavando terrenos à procura do corpo da filha
atualizado
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Há exatos dois anos, a técnica em enfermagem Regina Jussara Ferreira Lacerda, 42, se despedia da filha antes de ir para o trabalho sem saber que aquele seria o último contato com a jovem. Em 16 de fevereiro de 2017, uma quinta-feira, Jussara repetiu o ritual de todos os dias pela manhã: deu um beijo em Thayna Ferreira Alves, 21, e rumou para o hospital onde trabalhava na época.
Desde o desaparecimento de Thayna, a vida de Jussara passou a girar em torno da busca por justiça e respostas. Ela deixou o emprego e passou a investigar, por conta própria, a localização da filha. A esperança de encontrá-la viva acabou quando as investigações apontaram o padrasto da jovem, Valdezar Cordeiro de Matos, 67, como principal suspeito.
Ele foi a última pessoa que esteve com a estudante antes do sumiço. Na versão apresentada por Valdezar, a estudante pegou uma carona no veículo dele até uma parada de ônibus na passarela de Valparaíso (GO), hipótese rechaçada pela mãe, pois a menina tinha carro e não usava transporte público.
“Era costume ela andar no carro dele, tanto que não me assustei. Só queria ver na câmera do prédio a roupa que ela estava usando, e não era alguma que ela fosse usar para sair e demorar. Era uma roupa mais simples, de ficar em casa”, lembra Jussara.
Na noite do desaparecimento, a mãe mandou duas mensagens – nenhuma delas respondida – e ligou para a filha por volta das 22h30. “Fiquei preocupada e acionei uma amiga, que já estava chorando, dizendo que não conseguia falar com a Thayna desde as 14h. Eu fiquei desesperada, perguntei para ele [o padrasto e ex-marido]: você não perguntou aonde ela iria? E ele disse que não.”
Passadas 24 horas do desaparecimento da filha, Jussara registrou uma ocorrência no Centro Integrado de Operações Policiais (Ciops) de Valparaíso, mas teve de esperar por quatro dias, até a segunda-feira seguinte, para que a delegacia especializada desse início às investigações.
Após ter o seu primeiro depoimento agendado, Valdezar compareceu perante a polícia acompanhado de dois advogados. “Eu, inclusive, gritei com ele e com o delegado dizendo que estava ali procurando a minha filha e que não precisava de advogado.”
Câmeras
Valdezar foi flagrado por câmeras de segurança voltando e entrando três vezes no apartamento da família algumas horas depois de sair na companhia de Thayna. Na primeira, ele sai com uma mala grande. Depois, é filmado com a bolsa de Thayna embrulhada em uma sacola plástica e, por fim, deixa o local com um facão em uma bainha.
Em depoimento, o suspeito disse que a estudante havia pedido para ele pegar a mala, pois nela havia roupas que ela queria doar. “Ela não tinha essas roupas para doação. As coisas dela estão do mesmo jeito que ela deixou até hoje, nunca tive coragem de mexer”, emociona-se.
Uma das hipóteses das investigações, na qual Jussara acredita, é que o facão tenha sido usado para matar e esquartejar o corpo, e a mala, para ocultação do cadáver. A mala, os pertences e o celular de Thayna – um iPhone 7, o mais moderno na época – nunca foram encontrados.
Investigações
Poucos dias após Thayna ser vista pela última vez, segundo Jussara, o ex-marido demonstrou descaso com as buscas e começou a procurar fazendas para comprar em Goiás. Ele é proprietário de um sítio em Alvorada do Norte, município no nordeste goiano próximo à divisa com a Bahia.
“O pior dessa história toda é que eu fiquei com ele aqui em casa até o dia de ele ser preso, em 23 de maio. Eu chorava todos os dias e não via reação dele de preocupação. Se não tivesse sido ele, eu tenho certeza que teria movido o Goiás inteiro para encontrar. Quando eu vi o desinteresse, o descaso, fui desconfiando e, agora, sei que não tem outra hipótese”, acredita Jussara.
Uma perícia realizada pela Polícia Civil goiana na Toyota Hilux SW4 do empresário apontou indícios de sangue humano no porta-malas do veículo. Um novo exame realizado nos mesmos objetos deu resultado inconclusivo, motivo pelo qual ele foi solto decorrido o prazo da prisão temporária autorizada pela Justiça. O Tribunal de Justiça do estado considerou não haver elementos suficientes para converter em preventiva a prisão temporária.
Após a quebra de sigilo telefônico dos números de celulares de Valdezar, uma antena da empresa TIM indicou que ele esteve em um matagal em Valparaíso no dia 16 de fevereiro de 2017. O local ermo é coberto por uma vegetação densa, com árvores de copas altas e por onde passa um córrego. O caminho é de difícil acesso, e só é possível cumprir o trajeto em caminhonetes e utilitários.
A trilha do matagal não leva a lugar algum. Não há casas nem fazendas por perto e, poucos metros após a ponte sobre o córrego, o caminho está fechado pela vegetação. A região é conhecida pela polícia, pois é onde criminosos costumam ocultar cadáveres.
Comportamento violento
De acordo com a mãe de Thayna, quando ela e o ex-marido começaram a morar juntos, 17 anos atrás, ele bebia muito, costumava ter crises de fúria e descontava a raiva quebrando objetos da casa.
A convivência de Valdezar com a mulher e a enteada era descrita como tranquila. Um episódio, no entanto, chama atenção para a nem sempre pacífica relação entre padastro e enteada. No aniversário de Jussara, em dezembro de 2016, dois meses antes do desaparecimento da jovem, Thayna organizou uma festa surpresa no apartamento onde moravam e convidou as amigas do trabalho da mãe. A estudante montou uma mesa com comidas e bebidas na sala e aguardou a chegada de Jussara para cantar os parabéns.
Valdezar, que estava no quarto do casal assistindo à televisão não quis participar da comemoração, abriu a porta e virou a mesa com todos os quitutes e copos. “Ela ficou furiosa, pegou uma faca e o amedrontou. Depois, ela desceu e quebrou o carro dele todo, porque estava com muita raiva do que ele fez”, conta. Naquele dia, segundo Jussara, o marido teria dito que não queria festa nem barulho dentro de casa. “Isso não entrou na cabeça de nenhum delegado.”
Ainda no dia do aniversário da mãe, Thayna denunciou a existência de uma arma ilegal no interior da Toyota Hilux. Os policiais enviados para atender a ocorrência, inicialmente, não localizaram o revólver. “Ele tinha comprado a arma desse policial que foi lá resolver a confusão e ele fez vista grossa, dizendo que não tinha arma”. O reforço policial foi chamado, e os militares da outra viatura encontraram o revólver no local exato apontado pela estudante. “Ele saiu dali algemado.”
Buscas por conta própria
Jussara reuniu amigos e parentes e deu enxadas e pás a cada um deles para que a ajudassem a cavar o solo da região na tentativa de encontrar o corpo da filha. A mãe procurou por Thayna em matagais da cidade e chegou a reunir 50 pessoas, incluindo desconhecidos, para ajudar nas buscas. A procura incessante de Jussara a levou até Formosa (GO), Cristalina (GO), João Pinheiro (MG), Unaí (MG) e outras cidades mineiras e goianas.
No começo, todos os tipos de pensamento passaram pela cabeça da mãe, inclusive que ela teria sido vítima de uma quadrilha de exploração sexual e estaria em algum bordel no interior.
“Eu viajei muito para ver se ela tinha sido levada para um desses puteiros, porque queria esgotar todas as possibilidades. Nessa época, consegui com que a polícia desvendasse um puteiro em Cristalina que abrigava meninas de 13, 14 anos. Uma vizinha disse que tinha acabado de chegar uma moça com o nome de Thayna. Que eu fosse lá, mas não era ela”.
Procurado pelo Metrópoles, o delegado que chefia as investigações do caso, Rafael Abrão, disse continuar mantendo diligências, mas não pode dar detalhes sobre os avanços na apuração, pois o processo corre em segredo de Justiça.
O Metrópoles tentou contato com Valdezar por meio dos números de telefones de três advogados e dois de seus filhos, mas não conseguiu localizá-lo para que ele se manifeste sobre as acusações. Uma de suas filhas se comprometeu a anotar os contatos da reportagem e repassar ao pai, caso ele quisesse se manifestar mas, até a última atualização deste texto, Valdezar não havia retornado os contatos.