Entenda como cúpula da Saúde do DF fraudava licitações para favorecer empresas
Investigados se valiam de prazos apertados e prorrogações para que fornecedores de seu interesse ganhassem dispensas de licitação, aponta MP
atualizado
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Em denúncia remetida à Justiça, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) esmiúça como agiam os 15 investigados no âmbito da Operação Falso Negativo, que resultou na prisão da cúpula da Secretaria de Saúde do DF por superfaturamento e fraude nos contratos para compra de testes para detecção da Covid-19.
Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT, o grupo se valia de prazos apertados para entregas e apresentações de propostas, além de prorrogações. Tudo na intenção de favorecer empresas escolhidas pelos acusados e só possível graças a “intenso trabalho de bastidores dos integrantes da organização criminosa”.
Manobras
Entre as irregularidades citadas pelo MPDFT na denúncia, obtida pelo Metrópoles, os promotores narram que, na primeira licitação, o ex-secretário Francisco Araújo, “valendo-se de informações genéricas”, determinou a abertura do prazo de apresentação das propostas.
Com a apreensão do celular de Eduardo Pojo, então secretário-adjunto de Gestão em Saúde, os investigadores constataram que a ausência de detalhes sobre o certame foi uma artimanha utilizada pela organização para que a empresa de interesse de Araújo, a Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda., tivesse mais tempo para apresentar a proposta.
Em troca de mensagens feita em 2 de abril, Araújo questiona Pojo sobre a possibilidade de a empresa apresentar oficialmente a proposta. O então secretário-adjunto de Gestão em Saúde responde que o prazo havia acabado no dia anterior.
No dia seguinte, o ex-chefe da Saúde pede: “Pojo, não anuncie ganhador no processo de testes sem antes falar comigo”.
Três dias depois, a Precisa conseguiu formalizar proposta comercial e foi declarada vencedora contra outras duas empresas. De acordo com a denúncia, os investigados não se importaram com o fato de a empresa “não ter apresentado o menor preço”.
Prazos apertados
Uma semana depois, Francisco Araújo determinou a reabertura de prazo para nova apresentação de propostas. Apesar da aparência de regularidade, a decisão tinha como pretexto excluir da disputa outras concorrentes. Para o Ministério Público, houve violação do caráter competitivo da contratação.
Em mais uma manobra, o subsecretário de Administração Geral, Iohan Andrade Struck, dificultou a participação de outras interessadas no certame ao publicar, em 9 de abril, aviso de abertura de dispensa de licitação com prazo para entrega da proposta comercial até 15h do dia seguinte.
Com o artifício usado por Struck, as empresas tiveram, oficialmente, pouco mais de três horas para providenciar toda a documentação necessária para entrar na disputa.
Uma das obrigações da vencedora seria o fornecimento dos testes dentro de 24 horas. A empresa beneficiada na dispensa de licitação, contudo, só entregou os testes em 12 de maio. Ou seja, 33 dias após a data exigida pelos investigados no anúncio do processo.
As manobras, segundo os promotores, se repetiram em, pelo menos, outras quatro dispensas de licitação.
Confira quem são os 15 denunciados pelo MPDFT:
- Francisco Araújo Filho, secretário de Saúde à época da operação: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público)
- Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central (Lacen): foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, ex-secretário-adjunto de Gestão em Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário-adjunto de Assistência à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Eduardo Hage Carmo, ex-subsecretário de Vigilância à Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público)
- Ramon Santana Lopes Azevedo, ex-assessor especial da Secretaria de Saúde: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Iohan Andrade Struck, ex-subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Emmanuel de Oliveira Carneiro, ex-diretor de Aquisições Especiais: foi denunciado por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Erika Mesquita Teixeira, ex-gerente de Aquisições Especiais: foi denunciada por organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
- Glen Edwin Raiwood Taves, empresário individual e dono da empresa Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Duraid Bazzi, representante informal da Luna Park: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Mauro Alves Pereira Taves, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Eduardo Antônio Pires Cardoso, sócio-administrador da Biomega: foi denunciado por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Roberta Cheles de Andrade Veiga, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
- Nicole Karsokas, funcionária da Biomega: foi denunciada por inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação e apropriação de dinheiro público.
Cinco deles chegaram a ser presos no dia em que foi deflagrada a operação: Francisco Araújo, Ricardo Tavares, Eduardo Hage, Eduardo Pojo do Rego, Jorge Antônio Chamon e Ramon Santana (veja galeria de fotos abaixo).
Entre os crimes listados pelo MPDFT, estão os de organização criminosa, inobservância nas formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por outra (marca diversa) e peculato (desviar dinheiro público).
Logo após a operação, todos os alvos que integravam a cúpula da Secretaria de Saúde do DF foram afastados em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF) do dia 25 de agosto.
O outro lado
Ao Metrópoles, a defesa do ex-secretário de Saúde, Francisco Araújo, classificou a denúncia do MPDFT como “peça insubsistente”. “A acusação padece da falta de prova das alegações ali contidas. Por outro lado, o Ministério Público pediu a prisão do Secretário, acusando-o de corrupto, mas não consta da denúncia a acusação de corrupção nem lavagem de dinheiro. Essa denúncia não pode prosperar”, afirmou o advogado Cléber Lopes.
Em nota, a defesa de Ricardo Tavares Mendes classificou a denúncia como “absurdo equívoco”. “A denúncia cita Ricardo Mendes pouquíssimas vezes, a partir de fatos que não configuram qualquer crime, e até mesmo cometendo o erro grosseiro de confundi-lo com outra pessoa de mesmo nome. Claramente, o Ministério Público errou ao mencionar um médico com longa carreira dedicada ao serviço público como suposto partícipe de irregularidades. A defesa tem a convicção de que o Judiciário não cairá nesse absurdo equívoco”, destaca o texto assinado pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
Em nota, o Carnelós e Garcia Advogados, que representa a empresa Biomega, ressalta que os representantes da companhia não foram ouvidos durante as investigações. Leia o texto na íntegra:
“A denúncia contra diretores e funcionários da empresa é ato açodado, assim como também foi a deflagração de medidas de buscas e decretação de sequestro. Os representantes da companhia não foram sequer ouvidos para explicar as distorções identificadas nas investigações.
A empresa participou de um processo licitatório com outras concorrentes e venceu pelo menor preço.
A companhia informa que é um laboratório de análises clínicas, e não uma distribuidora de testes. Também não vendeu kits para testagem, mas sim a prestação de serviços para análise e determinação de laudos de exames laboratoriais referentes à covid-19.
Quanto aos insumos usados na prestação do serviço, esclarece que todos os testes utilizados nos serviços contratados pelo Governo do Distrito Federal têm aprovação da Anvisa.”
O Metrópoles busca contato com a defesa dos denunciados e assim que obtiver retorno vai atualizar todas as reportagens publicadas sobre o caso.
Falso negativo
A ação investiga irregularidades em dispensas de licitações direcionadas à aquisição de testes rápidos para o combate à Covid-19, com prejuízo estimado aos cofres públicos, somente com as supostas fraudes em contatos, em R$ 18 milhões.
O valor é referente ao pagamento feito pela Secretaria de Saúde à empresa Biomega Medicina Diagnóstica, em razão da compra de 150 mil testes para detecção do novo coronavírus.
Há ainda suspeição acerca do contrato com a Luna Park Importação, Exportação e Comércio Atacadista de Brinquedos Temáticos. A empresa foi a escolhida pela pasta para fornecer 90 mil testes por R$ 16,2 milhões, de acordo com a investigação.
A operação revelou que, no caso das contratações das empresa Biomega Medicina Diagnóstica e Luna Park Brinquedos, os contratos de aquisição dos testes para a detecção do novo coronavírus tramitaram em questão de minutos.