Ensino remoto: alunos com restrição alimentar ficam sem comida especial
Segundo o Conselho de Alimentação Escolar, estudantes com doença celíaca, diabetes e intolerância à lactose estão sem alimentação adequada
atualizado
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Com restrições alimentares, 2.097 mil estudantes de escolas públicas ficam sem apoio para merenda especial no Distrito Federal. Segundo o Conselho de Alimentação Escolar (Cae), em plena pandemia de Covid-19, crianças e adolescentes com doença celíaca, diabetes e intolerância à lactose, por exemplo, correm o risco de passar fome.
Durante a pandemia do novo coronavírus, as aulas presenciais foram suspensas nas escolas da rede pública. Os alunos ficaram sem acesso à merenda. No caso das crianças com restrições alimentares, a refeição escolar era a principal fonte de nutrição desse público.
Do ponto de vista do presidente do Cae, Thiago Dias, as crianças com restrições dessa natureza têm o direito de receber apoio para a alimentação adequada em casa, mas ficaram desamparadas pelo poder público. O conselho decidiu inclusive entrar na Justiça para garantir a nutrição apropriada desses estudantes.
Os problemas na alimentação dessas crianças precedem a pandemia. Conforme o Censo Escolar de 2009, a rede pública do DF tem 734 estudantes com laudos confirmando as restrições nutricionais. “Mas existem outros 1.363 sem laudo. E essas crianças precisam da alimentação especial e não têm acesso”, afirmou Dias.
Para o vice-presidente do Cae, Paulo Roberto Ferreira da Silva, a Secretaria de Educação nunca conseguiu garantir a alimentação adequada para os estudantes com restrição nutricional. “Com isso, nossas crianças passam muita necessidade”, alertou.
Segundo Paulo Roberto, a pasta recomenda aos colégios públicos o uso do Programa de Descentralização Financeira e Orçamentária (Pdaf) para a compra de alimentos especiais para as crianças. Mas os diretores de escolas encontram dificuldade para fazer as aquisições, passando por tomadas de preços. Muitos acabam desistindo.
“Ou seja, fica a cargo dos pais levar o alimento. E a grande maioria são crianças pobres, e as famílias não conseguem. A criança só come arroz e feijão. Isso quando a merendeira toma cuidado. Então, é uma insegurança alimentar muito grande”, frisou.
Faltam nutrientes e apoio
Pelo diagnóstico da presidente da Associação dos Celíacos de Brasília (Acelbra-DF), Adriana Cruz, a alimentação adequada depende de vontade política, pois o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fnde) repassa dinheiro diretamente para a merenda dos estudantes com necessidades especiais de nutrição no DF.
De acordo com Adriana, alunos com restrição alimentar têm direito a receber uma cesta de alimentos específica. Um criança celíaca não pode ingerir alimentos com glúten, por exemplo.
“As crianças passam necessidade mesmo na escola. Passam fome ou adoecem. A doença celíaca, se não for tratada, mata. Não é uma morte rápida, é lenta. Você vai adoecendo. E esse adoecimento também vai gerar um custo para o Estado. O investimento e o acolhimento desses alunos reduziriam esse custo”, pontuou.
Daniele Moraes Oliveira, de 40 anos, é mãe de um estudante celíaco. O menino tem 8 anos e está matriculado na rede pública do DF. “Eu nunca tive apoio do governo. Toda vez que meu filho é matriculado, sempre apresento laudo. E nunca recebi ajuda. Eu simplesmente falo para não oferecerem alimentação”, contou.
Segundo Daniele, as escolas não têm estrutura para alimentar celíacos. “Até quando ele participa de festinhas, ele leva o bolo separado”, destacou. Apesar do laudo comprovando a doença, a mãe do garoto afirma não ter encontrado ajuda nas direções das escolas nas quais o filho estudou.
“Tive problema em uma escola. O lanche era em uma mesa. Meu filho sentava perto dos coleguinhas que comem glúten. E a criança celíaca não pode nem ficar perto de comida com glúten. Pedi uma cadeira separada para ele, e a coordenadora disse que não podia disponibilizá-la para o meu filho. No meu caso, o apoio é quase zero”, desabafou.
“Faltam respeito e conscientização, no geral. Recebemos apoio dos professores, mas falta atenção das escolas”, lamentou. Para Daniele, as direções das escolas deveriam brigar pela segurança dos alunos. Durante a pandemia, ela disse que recebeu apenas duas cestas verdes. “Se eu fosse depender delas, estava complicado”, concluiu.
O que pode e o que não pode
O Metrópoles conversou com as nutricionistas Fernanda Fatureto e Laura de Souza Silva sobre a importância da alimentação adequada para crianças celíacas e com diabetes.
Segundo Fernanda, uma criança celíaca requer atenção redobrada na alimentação, pois a doença causa atrofia da mucosa do intestino, levando à má absorção dos nutrientes, sais minerais e água. “Devido a isso, é importante restringir 100% os alimentos que contêm glúten, uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e também no malte. Caso a restrição não seja seguida à risca, a criança pode apresentar uma série de sintomas gastrointestinais, como dores e alterações no funcionamento do intestino. Diarreia e distensão abdominal são bem frequentes nesse caso, além de outros sintomas”, detalha.
Assim, a criança não pode comer alimentos ricos em açúcar – tais como doces, chocolates, biscoitos, bolos, sorvetes – e em farinha branca, como pães e massas em geral.
A dieta restrita também é indispensável às crianças com diabetes, seja do tipo I ou do II. “As duas condições exigem cuidados com a alimentação. Em relação ao tipo I, é necessário maior atenção quanto ao alimento ingerido e à aplicação de insulina, o que não ocorre com a tipo II”, explica Laura de Souza Silva. Nos dois casos, a criança deve evitar fast-food, refrigerantes, doces, bebidas açucaradas, bolos, biscoitos recheados, frituras e farinha branca. É preciso investir numa dieta com frutas, legumes, cereais integrais, massas caseiras, iogurtes naturais, bolos integrais, granulado, suco da própria fruta, além de buscar outras forma de adoçar os alimentos, usando mel, melaço e açúcar de coco ou xilitol, por exemplo.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Educação sobre o tema. Segundo a pasta, houve entrega de cestas verdes e de alimentos especiais em estoque. O órgão destacou que o Pdaf é uma opção dos diretores para a compra de alimentos para as crianças com restrições alimentares.
Confira a íntegra:
“A rede pública tem 734 alunos com necessidades alimentares especiais, que apresentaram laudo médico. Durante a pandemia, a Secretaria de Educação entregou cestas verdes e os alimentos que estavam em estoque nas escolas, sendo que no caso de necessidades alimentares especiais houve adaptação dos kits individualmente.
As unidades de ensino também podem realizar aquisições de produtos para dietas específicas com os recursos do Programa de Descentralização Financeira e Orçamentária (PDAF), como alimentos sem glúten, integrais e bebidas de origem vegetal, entre outros.
A Secretaria de Educação, como se sabe, deve seguir estritamente a legislação. E a legislação pertinente determina que ‘para os alunos que necessitem de atenção nutricional individualizada em virtude de estado ou de condição de saúde específica, será elaborado cardápio especial com base em recomendações médicas e nutricionais, avaliação nutricional e demandas nutricionais diferenciadas’. Não há dentro da SEE laudo médico apresentado pelos pais ou responsáveis de 1.363 estudantes da rede pública de ensino enumerados à reportagem pelo CAE, de forma que a secretaria fica impedida de prestar atenção nutricional individualizada, na forma da lei.”