metropoles.com

Endereços invisíveis: onde cartas e encomendas nunca chegam no DF

Centenas de milhares de pessoas enfrentam transtornos por não receberem correspondências, documentos e faturas na própria casa

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Rafaela Felicciano/Metrópoles
correspondências no sol nascente
1 de 1 correspondências no sol nascente - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A entrega de correspondências na Estrutural é um enigma para o carteiro Wanderson Soares, 29 anos, um dos encarregados da tarefa na área. Se não tem ajuda dos moradores para resolver o jogo de adivinhação acerca dos endereços, parte da papelada que recheia a bolsa dele retorna a uma agência dos Correios. “Há quem nem sabe a identificação da própria casa”, conta.

O cenário piora por causa da violência. A 400m da área de atuação do carteiro, está a região onde não ele deve pisar, por questão de segurança: o Setor de Chácaras Santa Luzia, avaliado pelos Correios como potencialmente perigoso. A 24km dali, a segunda maior favela do Brasil, o Sol Nascente, em Ceilândia, também é território hostil para carteiros.

Juntas, essas e outras áreas no DF abrigam milhares de pessoas de baixa renda – 100 mil apenas no setor habitacional ceilandense, segundo dados da Administração Regional – que têm prejuízos por causa da defasagem na entrega de correspondências. Documentos, cobranças e encomendas não chegam a elas, mas se amontoam nas agências dos Correios, à espera dos destinatários.

“Eu gasto de R$ 150 a R$ 180 por mês para buscar correspondências na casa de um amigo que mora em Ceilândia. Cadastrei o endereço dele, pois aqui não chegam”, contabiliza o comerciante Francisco das Chagas, 56 anos, morador do Sol Nascente há uma década.

A mulher de Francisco, Sydnairan Tomás, 42, relata que a filha Gabriela por pouco não começou o ano letivo de 2017 com atraso, por problemas na chegada da documentação referente à transferência escolar dela. “Eu me sinto uma pessoa sem endereço, sem lugar”, reclama. As correspondências endereçadas ao moradores do Sol Nascente vão para a agência dos Correios no centro de Ceilândia.

7 imagens
Francisco e Sydnairan têm de buscar documentos, faturas e cartas na casa de amigos
Apenas as contas de saneamento e energia chegam nas caixas postais dos endereços
Carteiro Wanderson Soares se desdobra para entregar correspondências na Estrutural
Segundo ele, parte dos moradores sequer sabe o próprio endereço
Além de identificações distoantes, há casas que não têm caixas postais
1 de 7

Todo o Sol Nascente carece de recebimento de correspondências domiciliar

Rafaela Felicciano/Metrópoles
2 de 7

Francisco e Sydnairan têm de buscar documentos, faturas e cartas na casa de amigos

Rafaela Felicciano/Metrópoles
3 de 7

Apenas as contas de saneamento e energia chegam nas caixas postais dos endereços

Rafaela Felicciano/Metrópoles
4 de 7

Carteiro Wanderson Soares se desdobra para entregar correspondências na Estrutural

Hugo Barreto/Metrópoles
5 de 7

Segundo ele, parte dos moradores sequer sabe o próprio endereço

Hugo Barreto/Metrópoles
6 de 7

Além de identificações distoantes, há casas que não têm caixas postais

Hugo Barreto/Metrópoles
7 de 7

E mais: setores da região administrativa são território hostil para carteiros, por causa da violência

Hugo Barreto/Metrópoles

 

Dez ruas abaixo da casa de Francisco e Sydnairan, a dona de casa Priscila Ferreira (foto em destaque), 33 anos, lamenta as longas filas que enfrenta, semanalmente, na agência dos Correios no centro de Ceilândia. Apesar disso, recorreu a uma solução paliativa: cadastrar o endereço do marido, no Cruzeiro Velho, para receber os papéis.

Moro no Sol Nascente há sete anos. Desde então, só as contas da Caesb [Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal] e da CEB [Companhia Energética de Brasília] entraram na caixinha

Priscila Ferreira, dona de casa

 

Ação civil
O exemplo de Priscila e outras milhares de pessoas que recebem em domicílio apenas as contas de água e energia é um dos argumentos da Defensoria Pública da União (DPU) em ação civil contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A peça, ajuizada em outubro do ano passado, cobra entrega de correspondências às residências do Sol Nascente.

Segundo a DPU, os Correios alegam falta de infraestrutura e segurança no local para a falta de prestação do serviço. Entretanto, o defensor regional de Direitos Humanos no DF, Alexandre Mendes, contesta o argumento. Isso porque outras empresas públicas, como as de energia e saneamento, atendem o setor regularmente.

“Não é razoável que a ECT deixe de prestar seu papel ao argumento de suposta falta de segurança e desorganização administrativa da localidade, ao passo em que o DF, por intermédio da CEB e da Caesb, consiga entregar as faturas de água e energia elétrica mensalmente aos cidadãos”, afirmou. Leia a íntegra da ação civil pública.

Monopólio estatal
Ainda segundo Mendes, a consulta a um serviço de GPS demonstra a “perfeita identificação das vias e endereço das residências no Sol Nascente”. Assinada por outros dois defensores públicos federais, a ação destaca que os Correios têm monopólio sobre a prestação do serviço postal, deixando os moradores dependentes da empresa.

Em dezembro, em audiência de conciliação, um juiz fixou prazo de 15 dias para os Correios apresentassem “relatório detalhado quanto à situação atual do cumprimento do serviço postal” no setor. A empresa pública cumpriu a determinação no último dia 24.

Na manifestação, os Correios afirmam que o responsável pela Gerência de Operações da Superintendência de Operações de Brasília solicitou mais informações à Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab) e fez “visita in loco para avaliar a existência mínima de condições para o recebimento do serviço de entrega externa”.

A empresa acrescenta que não se opõe à ação. “Mas a implementação do serviço postal naquela localidade deve observar algumas condições mínimas especificadas em lei, sem as quais a ECT fica impossibilitada de iniciar qualquer planejamento para entrega externa”, complementa.

Essas condições constam da Portaria nº 6206/2015, do Ministério das Comunicações. De acordo com o texto, a entrega de objetos dos serviços postais básicos ocorrerá desde que ofereçam acesso e segurança ao empregado.

Os defensores públicos avaliam a justificativa da empresa como “genérica”, pois sequer fixa prazo para início da entrega. “Pretendo conversar pessoalmente com o juiz para insistir que seja fixado judicialmente um prazo e multa aos Correios pelo seu descumprimento”, diz Mendes.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Priscila está no grupo das pessoas que precisam se deslocar às agências dos Correios para buscar correspondências

 

Falta CEP
Sobre a Estrutural, os Correios alegam que há registros de endereço insuficiente ou inexistente e Código de Endereçamento Postal (CEP) desatualizado. “A exemplo das quadras que possuem a mesma numeração em setores diferentes, como a Quadra 1, que existe nos setores Norte, Leste e Oeste”, diz.

A empresa acrescenta que, se o CEP informado não designar a área correta, isso impossibilita a localização do destinatário. E mais: os Correios dizem que estão trabalhando para viabilizar a entrega domiciliária no Sol Nascente.

Segundo a ECT, a primeira de três etapas do projeto de codificação da cidade já foi finalizada e corresponde às quadras 100 a 700. As regiões ainda não codificadas têm suas correspondências direcionadas à agência da Ceilândia (CNN 1, Bloco F).

Administrações regionais
A respeito dos endereços no local, a Codhab realiza ajustes nas residências, garantindo assim uma estrutura adequada para a região. A Administração Regional de Ceilândia afirmou que está “trabalhando constantemente com diversas ações junto ao Conselho de Segurança Local e com as Forças de Segurança Pública” para solucionar o problema.

Já a Administração Regional do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (Scia), responsável pela Estrutural, informou que vai acionar os órgãos competentes para a resolução do problema em relação ao endereçamento na cidade. E acrescentou que o Setor de Chácara Santa Luzia é uma área de invasão e, por isso, não possui mapeamento.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comDistrito Federal

Você quer ficar por dentro das notícias do Distrito Federal e receber notificações em tempo real?