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Empresas familiares controlam contratos milionários e suspeitos na TCB

Segundo o TCDF, entre 2021 e 2022, empresários também descumpriram cláusulas contratuais e embolsaram indevidamente milhões do erário

atualizado

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Gabriel Jabur/Agência Brasília.
Imagem colorida de ônibus pertencentes a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de ônibus pertencentes a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília - Metrópoles - Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília.

Irmão, filho, nora e esposa. Ao menos oito empresários do ramo de transportes com contratos milionários firmados com a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB) têm sobrenomes semelhantes, certo grau de parentesco ou até mesmo sociedades firmadas. Alguns deles, inclusive, têm vínculos com político. Outros já foram alvo de operação ou presos por fraude em suas áreas de atuação. Apesar disso, conquistaram licitações com órgão, em 2020, e continuam recebendo repasse de dinheiro público em 2024.

Entre as empresas, está a Cooperativa dos Caminhoneiros Autônomos (Coopercam). Fundada pelo ex-deputado distrital Valdelino Barcelos, a Coopercam foi contemplada no processo licitatório com assinatura do contrato em 2021, período em que Valdelino presidia a Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Apesar de ter sido criada pelo ex-deputado, a Coopercam atualmente é dirigida por Edimar Rosa de Souza.

Na mesma licitação, uma empresa pertencente ao filho de Valdelino, Flávio Rodrigues Barcelos, também foi contemplada – a FCB Transporte Logística. Além disso, uma segunda, vinculada a um familiar de Edimar, a Natural Logística em Transporte LTDA., registrada em nome de Wagner Rosa de Souza, assinou contrato com a TCB na mesma data. Conforme documentos aos quais a reportagem teve acesso, Wagner e Edimar têm como mãe Terezinha Rosa da Silva, o que os torna irmãos.

Entre os contratos firmados no mesmo ano, está a empresa G P Silva Transporte Eireli ME, pertencente a Gaspar Pacheco da Silva, que já foi alvo de uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) por fraude. O irmão de Gaspar, José Pacheco da Silva – ambos filhos de Alda Rosa da Silva –, também assinou contrato com a TCB em 2021. Conforme consta no Portal da Transparência, José representa a Start Serviços e Transportes.

Gaspar Pacheco, inclusive, é ex-sócio do empresário Ronaldo de Oliveira – preso na Operação Trickster, em abril de 2021, sob a acusação de integrar um esquema de lavagem de dinheiro. Bem como no caso do parceiro de negócios, três empresas da família de Ronaldo embolsaram dinheiro público no mesmo órgão público e na mesma época, são elas:

  • Izabely Transportes e Comércio de Alimentos, pertencente a Izabely de Paula Costa, nora de Ronaldo.
  • Oliveira Transportes e Turismo, pertencente a Soraya Gomes da Cunha, esposa da Ronaldo.
  • Rodoeste Transporte e Turismo, com contratos em nome de Pedro Henrique Veiga de Oliveira e Ana Rosa de Oliveira (Mãe de Ronaldo).

As empresas mencionadas nesta reportagem não tiveram todas as documentações apresentadas ou descumpriram cláusulas contratuais, embolsando indevidamente milhões do erário. O levantamento foi feito pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e considerou período entre 2021 e 2022.

Investigados por fraude embolsaram milhões em contratos com a TCB

Descumprimento de cláusula

De acordo com o documento ao qual o Metrópoles teve acesso, essas empresas – vencedoras de licitações com a TCB – descumpriram cláusula que veda o uso de veículos com data de fabricação acima de sete anos. Além disso, há desconfiança de que valores referentes à taxa de depreciação foram recebidos indevidamente. A empresa não teria direito a essas quantias por manterem veículos que ultrapassavam a idade máxima permitida.

Segundo o órgão do Legislativo, os pagamentos geraram prejuízo superior a R$ 10 milhões aos cofres públicos. Apesar disso, os danos ao erário podem ser ainda maiores, uma vez que dos 642 veículos empregados à época, nos 24 contratos, foram disponibilizados os CRLVs de apenas 452.

Conforme relatado pelo TCDF, além de admitir o uso de ônibus antigos no início do contrato, a TCB manteve indevidamente a taxa de depreciação da frota dessas empresas em 8,57%, porcentagem definida para veículos com até 4 anos de idade.

A depreciação, que só deve ser paga no caso de veículos novos, corresponde à média de 12% da composição do custo do quilômetro rodado, sendo esse pagamento item de maior representatividade no valor repassado a essas prestadoras de serviço.

A TCB assumiu a gestão do transporte escolar em janeiro de 2020, logo após o Ministério Público do DF investigar desvios que chegaram a mais de R$ 8 milhões em cinco contratos da Secretaria de Educação para o serviço de transporte escolar.

Os acordos firmados entre as empresas e a TCB têm como objetivo a contratação de coletivos para transporte de alunos que residem em localidades urbanas ou rurais onde não há transporte público.

Fraude em sistema de bilhetagem

O Metrópoles apurou que Ronaldo de Oliveira e a família dele mantêm contratos com o governo desde, pelo menos, 2018. No ano, inclusive, o TCDF determinou a anulação de um dos procedimentos licitatórios do qual a empresa Rodoeste Transporte fez parte, por suspeita de fraude.

Apesar da ação do órgão de controle, mandados de segurança impetrados pelos advogados dos empresários devolveram a gestão e execução dos contratos.

À época, a PCDF também deflagrava a Operação Trickster, para apurar esquema criminoso no qual R$ 1 bilhão teria sido desviado por meio de fraudes no sistema de bilhetagem eletrônica do extinto Transporte Urbano do DF (DFTrans).

As apurações resultaram na prisão preventiva de Soraya e de Ronaldo. A mulher, como tinha filho menor, fez acordo com a Justiça e passou um período usando tornozeleira eletrônica. O homem, por sua vez, fugiu.

Durante o período, a dupla não perdeu os contratos milionários que tinha com a TCB. A reportagem do Metrópoles confirmou que as empresas do casal permaneceram operando, mesmo sem a presença dos empresários. Várias garagens em que ônibus estavam estacionados eram vigiadas por funcionários e seguranças.

O esquema criminoso

Após ser alvo da Operação Trickster, Ronaldo de Oliveira desenvolveu um sistema sofisticado para lavar dinheiro, especificamente mais de R$ 31 milhões. Para isso, o empresário apontado como “dono de Brazlândia” usou um supermercado e contas de poupança em nome de testas de ferro para lavar centenas de milhares de reais. Até mesmo filhos menores de idade de Ronaldo de Oliveira foram aproveitados no esquema, segundo a polícia.

O empresário teria usado, ainda, um empreendimento para ocultar a propriedade e dissimular valores faturados por meio do estelionato contra a administração pública e da corrupção de agentes públicos.

O bando, inclusive, teria conseguido cooptar um analista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que recebia várias transferências bancárias para “cuidar” dos processos do empresário e advogar em defesa dos interesses da organização criminosa.

O servidor consultava processos e repassava informações sigilosas, segundo as investigações.

“Laranjas”

Antes da Operação Trickster, o bando comandado por Ronaldo de Oliveira mantinha recursos financeiros nas contas de empresas geridas pelo grupo. Após a ação da PCDF, o caminho do dinheiro mudou e passou a “fazer curvas” para driblar as autoridades.

O fluxo do dinheiro começa com o recebimento dos pagamentos nas contas empresariais, segundo as investigações, mas os valores são imediatamente lançados nas contas poupanças do grupo, via depósitos e transferências, muitas vezes na boca do caixa.

Em seguida, ocorrem retiradas diárias de valores das contas poupanças abertas em nome dos filhos de Ronaldo e Soraya, para repasse às contas das empresas, tudo a fim de evitar bloqueios judiciais. Algumas delas chegaram a receber depósitos superiores a R$ 1 milhão, segundo a PCDF.

Propina

Em abril de 2018, a polícia pediu a prisão de Ronaldo e da companheira dele, Soraya. A Justiça atendeu à solicitação após os investigadores terem confirmado que o casal pagava propina para o então responsável pela unidade de controle de bilhetagem automática do DFTrans, Harumy Tomonori. O gestor foi detido em 23 de março de 2018, em mais um desdobramento da Operação Trickster.

Em depoimento, Harumy confessou que, mensalmente, recebia entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, a fim de agilizar processos, pagamentos e fazer vista grossa diante de irregularidades e fraudes cometidas pelas empresas de Ronaldo e Soraya.

Entre as falcatruas, estava o fato de as empresas descarregarem cartões estudantis de alunos do Entorno como se fossem da rede pública de ensino do DF. Imagens flagraram Harumy deixando uma das empresas do casal com dinheiro pago como propina. À época, durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, os policiais encontraram um envelope semelhante na casa de Harumy, com cerca de R$ 12 mil.

Defesa

Procurada, a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB) declarou que “todos os contratos firmados entre a TCB e empresas privadas passam por processos licitatórios conforme legislação”. “Os editais são verificados pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal e todas as fases da licitação, publicadas no Diário Oficial do DF”, disse a TCB, em nota.

“As empresas não constam nos cadastros do governo de empresas impedidas de licitar, como o Sistema de Cadastramento Único de Fornecedores (Sicaf), Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas, Licitantes Inidôneos e Cadastro nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa e Inelegibilidade (CNIA). Assim, inexiste óbice jurídico para a contratação”, finalizou.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos outros envolvidos. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

O que diz o TCDF

De acordo com o TCDF, há diversos processos que fiscalizam supostas irregularidades em contratos da TCB.

“No mais recente (Processo 00600-00001695/2024-54), o TCDF analisa representação com pedido de medida cautelar, oferecida pelo Ministério Público junto do Tribunal, versando sobre aditivos a contratos firmados entre a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília Ltda. (TCB) e empresas privadas”.

Ao todo, são 24 contratos formalizados entre a TCB e 14 empresas para a prestação de serviços de transporte complementar de estudantes da rede pública de ensino do Distrito Federal. Os contratos sob exame são das empresas: – Oliveira Transporte e Turismo Ltda, Rodoeste Transporte e Turismo Ltda. e Izabely Transportes e Comércio de Alimentos Eireli.

“O documento está em análise pelo corpo técnico do tribunal quanto ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade. Concluída essa análise, o processo segue para o conselheiro relator. Em seguida, o assunto será submetido à deliberação do Plenário do Tribunal. O TCDF só analisará o mérito da questão se a referida representação preencher os requisitos de admissibilidade”, ressaltou o TCDF, em nota encaminhada à reportagem neste sábado (2/3).

O tribunal também informa ter feito uma auditoria de conformidade com o objetivo de avaliar a execução dos contratos de transporte escolar celebrados pela TCB. “Nessa fiscalização, o TCDF avalia a regularidade da prestação do serviço, no que se refere à adequação de veículos utilizados pelas contratadas, qualidade da prestação do serviço, efetiva fiscalização do serviço prestado e compartilhamento de informações entre os órgãos e entidades envolvidos”, destacou o tribunal.

“Em relação à suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos, essa restrição geralmente vem do próprio órgão contratante ou então por determinação do Poder Judiciário. No caso da G P Silva, ela está impedida de participar de novas licitações, segundo consta do processo 6327/2022. A restrição veio da própria TCB”, finalizou.

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