Empresa alega falha em câmera de ônibus onde cadeirante foi morto
Marcílio Pereira foi executado com um tiro no peito ao tentar reagir a um assalto. Família vai doar os órgãos da vítima
atualizado
Compartilhar notícia
A câmera do ônibus da Piracicabana onde um cadeirante foi assassinado na terça-feira (29/10/2019) pode não ter funcionado na hora do assalto. A 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho) solicitou as imagens, mas a empresa de transporte alegou problemas técnicos com o equipamento. Sem os vídeos, a Polícia Civil do DF tenta identificar o autor do latrocínio por meio do depoimento de testemunhas e de vestígios coletados pela perícia no coletivo.
Marcílio Pereira, 57 anos, seguia para uma igreja católica, no Plano Piloto, quando um bandido entrou no veículo, em Sobradinho, e anunciou o roubo. Ele teria reagido e levado um tiro no peito. O velório dele está previsto para a tarde desta quarta-feira (30/10/2019), às 16h. O enterro será às 17h. Ambos estão marcados para no Cemitério Municipal da Redenção, em Planaltina de Goiás.
Segundo Jessica Pereira Nunes, sobrinha do cadeirante morto, a família decidiu doar os órgãos dele.
Reação
Marcílio morreu após reagir a um assalto no ônibus da linha 640.2. Imagens da câmera de segurança de um outro coletivo, que vinha atrás, mostram o momento em que o homem acusado de efetuar o disparo desce do veículo. Na gravação, é possível ver o bandido com um boné e uma sacola na mão, onde estariam os pertences dos passageiros roubados.
O criminoso saiu do coletivo momentos após puxar o gatilho e tirar a vida de Marcílio. A vítima seguia para uma igreja no momento do assalto.
A família informou não ter sido a primeira vez que o cadeirante reagiu a um assalto. “A gente tentava falar, mas meu tio dizia que nunca ia deixar o assaltarem. Das outras vezes, os bandidos só bateram nele. Agora, não teve sorte”, contou a sobrinha.
Marcílio, segundo a sobrinha, sofria com distúrbios mentais e morava com a irmã e a mãe, portadora de Alzheimer. De acordo com Jéssica, os familiares estão em choque com a notícia da morte do parente.
À reportagem, Jessica a descreveu Marcílio como um “tio amoroso que sempre quis cuidar da família”. “Ele tinha seus defeitos, como todo ser humano, mas era extremamente carinhoso e sentimental. Quando a gente brigava com ele, era o primeiro a chorar. Minha avó (mãe da vítima) está em choque, tem chorado o dia todo”, disse.
Veja o vídeo. O suspeito aparece a partir do segundo 52:
Terror
Passageiros da linha 640.2, que fazia o percurso Planaltina/W3 Norte e Sul, viveram momentos de terror. Por volta das 10h30, um homem entrou no coletivo na BR-020. Segundo as testemunhas, inicialmente, o bandido ficou na frente, só observando. Depois, pagou passagem e começou a assaltar as vítimas. “Passa o celular, passa o celular”, ordenava.
Letícia Andrade, 29 , estava entre os cerca de 40 passageiros do ônibus da Piracicabana. “Ele (assaltante) passou com uma sacola grande de supermercado recolhendo os nossos pertences. Muitas pessoas estavam agachadas. Quando estava perto de descer, o senhor o agarrou pela cintura e aí eu escutei dois disparos. Foi um desespero, muitas pessoas nervosas e chorando”, contou.
Um tiro atingiu Marcílio. O outro, o teto do ônibus. A auxiliar de limpeza Maria do Socorro Silva, 56, disse que estava mexendo no celular e, quando se deu conta, todas as vítimas estavam no chão.
“Ele (assaltante) passou gritando: ‘Passa o celular, passa o celular!’. Até então não queria entregar, e muitas pessoas também não. Mas, depois do tiro, todos ficaram com medo e entregamos. Não tive coragem de olhar para o rosto dele. Foi horrível, uma cena de terror”, relatou a trabalhadora.
Violência em coletivos
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) apontam que, somente nos primeiros nove meses de 2019, foram registrados 1.209 roubos a transporte coletivo no Distrito Federal. A média é superior a quatro assaltos por dia. Na semana passada, um motorista que trabalhava na região do Sol Nascente, em Ceilândia, levou um tiro no rosto durante um roubo em plena luz do dia.
As câmeras de segurança do ônibus flagraram o momento em que Elson Ferreira, 29, foi baleado no dia 23 de outubro. Os bandidos entram no veículo no coletivo e logo atiram contra a vítima. Na imagem, é possível ver o clarão provocado pelo disparo.
Segundos depois, o condutor perde o controle do veículo e bate em um muro de uma chácara, localizada no Sol Nascente, em Ceilândia. Três suspeitos foram presos, incluindo um adolescente de 15 anos e o irmão dele.
Assista ao vídeo do assalto:
Medo em Samambaia
Um dos pontos mais críticos é Samambaia. Reportagem publicada pelo Metrópoles mostra que, de janeiro a outubro de 2019, 254 ocorrências de roubo a coletivo foram registradas na área norte da região administrativa, ou seja, 20% a mais em relação ao mesmo período do ano passado.
Motoristas e cobradores ouvidos pela reportagem ressaltam que os crimes, antes cometidos à noite, passaram a acontecer durante o dia, principalmente por volta das 12h.
Em setembro, o número de registros em Samambaia Norte saltou de seis para 26 assaltos. Conforme dados obtidos pelo Metrópoles, a Quadra 425 é a que tem o maior registro de casos. Até agora, são 72 denúncias. O dia em que os episódios de violência ocorrem com mais frequência é na quinta-feira, das 12h à 0h.
O mês que mais apresentou aumento foi julho, passando de 14 ocorrências para 49, ou seja, 250% a mais. Em agosto, houve uma pequena redução, mesmo assim, 44 assaltos foram computados na ocasião. No entanto, se comparado ao mesmo período de 2018, o aumento é de 131%.
“Os rodoviários estão recusando-se a trabalhar nessa área. Sentem muito medo. Os assaltantes sempre agem armados com facas, com violência. Nós fizemos várias reuniões com a polícia em Samambaia pedindo maior intensificação nas abordagens. Os assaltos, agora, acontecem durante o dia, por volta das 11h às 12h, que é a hora de parada do pessoal do primeiro turno”, detalhou o secretário-geral do Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal, José Wilson.
Questionada sobre a segurança em Samambaia Norte, a Polícia Militar explicou, por meio de nota, que uma das dificuldades enfrentadas pela corporação é de que muitos criminosos são reincidentes. “Mesmo assim, não permanecem presos. Além disso, na região, o acesso a uma mata facilita a fuga dos criminosos”, diz o texto.
Em entrevista ao Metrópoles, o secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, afirmou que as solturas contribuem para o aumento da sensação de insegurança entre os brasilienses. “A questão de segurança tem solução: prisão e manutenção da prisão. Estamos com um problema muito grave no Brasil, que se prende e solta”, criticou.