Emocionados, primeiros vacinados do DF relatam perdas de parentes e amigos: “Dor e esperança”
Após 10 meses de medo, mortes e incertezas, eles relatam histórias de trabalho na pandemia até, enfim, a imunização
atualizado
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Foram incessantes 10 meses de trabalho até que, enfim, chegou a hora de receber a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus. Além das perdas, sentimentos como medo e incerteza estiveram presentes desde o princípio da pandemia na rotina de muitos profissionais que atuam na linha da frente no combate à doença. Agora, com o início da imunização no país, trabalhadores da capital compartilham um novo sentimento no começo de 2021: esperança.
A primeira vacinada no DF foi Lídia Rodrigues Dantas, 31. Ela é enfermeira no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), unidade referência no tratamento da Covid-19. A profissional lida com pacientes no pronto-socorro desde o começo da pandemia e chegou a ser infectada pelo vírus, em dezembro.
“A sensação é muito ruim. O isolamento, o medo de agravar e viver na pele o que os pacientes viveram… Mas o pior, sem dúvida, é o isolamento”, descreve.
Ano passado, Lídia perdeu um amigo para a doença e lembra de como o luto dificultou ainda mais o trabalho neste momento: “Foi horrível”. Nesta semana, porém, ela recebeu a tão esperada notícia da vacinação.
“Eu estou muito aliviada. A tensão dos plantões, de não ter uma esperança, era desesperador. A sensação que tínhamos antes da vacina era de que isso nunca iria acabar. Cada dia que passava, vinha repetidamente o medo de perder alguém, o medo de se tornar o paciente, 24 horas por dia ouvindo exclusivamente sobre Covid… Era como se o plantão nunca acabasse”, detalha.
Agora, a enfermeira diz que reúne “todas as esperanças para ver que estamos mais perto do fim do que nunca”.
Luz no fim do túnel
Na mesma manhã em que Lídia foi vacinada, Pedro Teodoro de Souza, 58 anos, recebeu a dose da Coronavac. Ele foi o primeiro vigilante da região Central de Saúde a ser vacinado.
Funcionário do Hran há 25 anos, ele é casado, tem dois filhos e um neto. Como é hipertenso e mora com a esposa e a filha caçula, Teodoro passou o ano preocupado tanto em contrair a doença quanto em transmitir a enfermidade para a família. “Até hoje, quando eu chego em casa, deixo a minha bota do lado de fora e vou direto para o banho”, conta.
Veja relatos dos primeiros vacinados no DF:
O vigilante diz que nunca contraiu o coronavírus, mas que viu dois amigos do trabalho falecerem vítimas da pandemia. “No ano passado, eu perdi um amigo, técnico de enfermagem do Hran. Agora, no dia 16 [de janeiro], outro amigo morreu. Era vigilante do hospital e trabalhava há muitos anos”, lamenta.
Depois de meses de angústia e medo, o profissional agora vê o início da imunização como “uma luz no fim do túnel”. No começo desta semana, foi a vez de ele comemorar. “Fiquei muito alegre quando recebi a notícia”, conta.
“O meu desejo é que nós tenhamos vacina para todo mundo. Espero que todos consigam, porque a vacinação é importantíssima. É o que nos traz esperança”, destaca.
Meses sem ver a família
Diferentemente de Teodoro, Wellington Luiz Romão (foto em destaque), 54, começou a atuar na linha de frente após o início da pandemia, há cerca de oito meses. Técnico de enfermagem há 28 anos, ele relata que ficou assustado quando passou a lidar com casos de Covid-19.
“Fui contratado por uma campanha do HUB [Hospital Universitário de Brasília] para ajudar na pandemia. Já trabalhei muito tempo com pacientes com outras doenças, mas essa me impactou pela rapidez com a qual se agrava”, conta.
Wellington também é funcionário do Instituto de Cardiologia (ICDF). Ele nunca contraiu a Covid-19, mas diz que, desde o começo da pandemia, apenas sai “de casa para o trabalho” para evitar contaminar os pacientes.
Na quarta-feira (20/1), ele foi um dos primeiros profissionais a receber a vacina no HUB. “Escolheram três primeiros e falaram que eu estava na lista. Pensei: ‘Agora, tenho certeza que serei vacinado’. Fiquei muito animado”, lembra.
Depois de quase um ano sem encontrar a filha e as três netas, Wellington agora começa a ter esperança de rever as herdeiras, mas mantém os pés no chão. “Ainda vou tomar a segunda dose, então tenho que ficar quietinho. Vou continuar mantendo os cuidados, porque cuido de crianças cardíacas também”, comenta.
Esperança
Na maior unidade da rede pública de saúde do DF, o Hospital de Base, a primeira vacinada foi Josilene Cardoso Pereira, 39. Líder do setor de enfermagem da ala Covid, ela foi uma das responsáveis por montar a unidade de terapia intensiva (UTI) especializada no tratamento do coronavírus no HBDF.
Casada e com um filho de 3 anos para criar, Josilene relata que temia levar o vírus para casa. “No início, foi assustador. A gente não sabia o que viria pela frente e passavam várias coisas pela minha cabeça, como mãe. Mas, como líder, eu tinha que manter o psicológico equilibrado para deixar a equipe tranquila”, diz.
“Não foi fácil. Às vezes, eu saía do trabalho e tinha momentos de fragilidade, chorava. Mas, eu tenho apoio muito grande da minha família, que foi o que me acalmou durante esse tempo”, completa.
A enfermeira não chegou a ser infectada, mas viu de perto colegas de trabalho internados em estado grave, além de ter perdido amigos para a doença. “Passei vários momentos difíceis com a morte de pessoas próximas.”
“A sensação que eu tive quando fui vacinada foi de um alívio muito grande. Passaram várias coisas pela cabeça, tudo que vivi nesses meses. Só quem está mesmo vendo de perto essa realidade difícil sabe”, descreve.
Como profissional da saúde, Josilene alerta que ainda é necessário manter os cuidados. Porém, não deixar de celebrar as boas notícias. “Fico feliz em hoje relatar toda essa trajetória sabendo que finalmente chegou esse momento. É a esperança do fim dessa pandemia”, conclui.