Embarque ao perigo. Violência em rodoviárias do DF assusta passageiros
Somente o terminal do Plano Piloto registra, em média, 2 mil ocorrências por ano. Se fosse uma cidade, seria mais violenta do que 16 RAs
atualizado
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Basta uma caminhada de cinco minutos para ir de um extremo ao outro da Rodoviária do Plano Piloto. Encravado no coração de Brasília, o terminal, apesar de não ter dimensões colossais, sofre com problemas de cidade grande. Para onde apontarem os olhos, as 700 mil pessoas que transitam pelo local diariamente veem moradores de rua, usuários de drogas, comércio clandestino e uma série de outros problemas. Se fosse uma região administrativa, a Rodoviária do Plano seria mais violenta do que 16 RAs do Distrito Federal.
Segundo o comando do 6º Batalhão de Polícia Militar, responsável por patrulhar o maior e principal ponto de embarque e desembarque de passageiros da capital do país, anualmente são registradas, em média, 2 mil ocorrências dos mais diversos delitos no local, a esmagadora maioria relacionada a tráfico de drogas, furto e roubo.
Segundo estatísticas da Secretaria de Segurança Pública (SSP), Águas Claras, Brazlândia, Candangolândia, Cruzeiro, Estrutural, Fercal, Itapoã, Jardim Botânico, Lago Norte, Lago Sul, Núcleo Bandeirante, Park Way, Riacho Fundo, Sobradinho II, Sudoeste/Octogobal e Vicente Pires registraram, em 2017, menos de 2 mil boletins policiais, considerando todas as naturezas criminais. Os dados de 2018 ainda não foram fechados pela pasta.
Veja a comparação:
Apesar de o governo garantir que 30 PMs patrulham a Rodoviária do Plano Piloto diariamente, os usuários do transporte público permanecem expostos à violência.
No episódio mais recente, o estudante da Universidade de Brasília (UnB) Milton Junio Rodrigues de Souza, 19, foi assassinado com uma facada no peito após discutir com o morador de rua Adriano Ferreira dos Santos, 37. O motivo do homicídio teria sido banal: uma discussão por conta de um isqueiro e de um gole de cerveja.
DF na Real
Mas a sensação de insegurança não ronda apenas quem passa pela Rodoviária do Plano Piloto. Nesta reportagem da série DF na Real, o Metrópoles mostra que, nos outros 25 terminais espalhados pela capital da República, disseminam-se relatos de violência.
Veja alguns casos na linha do tempo abaixo:
Posto da PM fechado
No terminal central do Gama, por onde passam cerca de 20 mil pessoas por dia, percebe-se uma preocupação acentuada do público com pertences pessoais. No vaivém interminável de passageiros, a maioria anda pelo local com bolsas e mochilas na parte da frente do corpo.
Cobradora de ônibus há 17 anos, Maria Helena Vasques, 47, conta tratar-se de uma estratégia para evitar os roubos de oportunidade. “Se der mole, eles passam, metem a mão e levam tudo. Tem que andar atento, segurando tudo com firmeza”, ensina.
O terminal já teve seus dias de tranquilidade, quando contava com posto fixo do 9º Batalhão da Polícia Militar. No entanto, a unidade foi desativada há três anos, deixando o público no local mais vulnerável. “Até hoje não entendo por que fecharam o postinho da PM. Trazia muita tranquilidade para quem trabalha aqui saber que tínhamos a quem recorrer”, lamenta Maria Helena.
A 30 quilômetros dali, na Rodoviária Interestadual de Taguatinga, os depoimentos são parecidos. Quem trabalha ou passa pelo terminal reclama que não são alvo de bandidos apenas aqueles que circulam a pé pelo lugar. “Você não pode deixar carro estacionado aqui e sair de perto: é arrombamento na certa”, diz o taxista Antônio Fernandes, 68 anos.
Do terminal saem ônibus do DF para cidades dos estados de Goiás e Minas Gerais. As empresas formais ainda têm de enfrentar a feroz concorrência dos piratas, que passam o dia no estacionamento em frente ao estádio Serejão aliciando passageiros. Sem pagar nenhum tipo de imposto, oferecem viagens que custam bem menos do que nas viações.
“Vez ou outra a polícia faz uma operação, leva alguns carros, mas no outro dia estão todos aí novamente. É uma máfia que nunca conseguiram acabar”, denunciou um homem que trabalha no local e não quis se identificar por temer represálias.
Duplo assassinato
No terminal de Ceilândia Norte, a principal queixa é a ausência de policiamento. A reportagem permaneceu no local por cerca de uma hora e, nesse período, nenhuma viatura passou por lá. Segundo Cleuvson da Silva Costa, 27 anos, a falta de segurança é recorrente.
“Aqui a gente conta com a sorte mesmo. O melhor é sair de casa com pouco dinheiro e não ostentar objeto de valor”, ensina. Cadeirante, ele ainda enfrenta outra adversidade: a carência de acessibilidade. “Sair de casa até aqui é um desafio, porque há poucos locais para passar em segurança com a cadeira de rodas”, queixa-se.
Erguida ao lado da Rodoviária do Plano Piloto, a Rodoviária Metropolitana, no antigo Touring – de onde saem os ônibus com destino ao Entorno do DF –, também acumula histórico de crimes.
Em 4 de julho de 2018, mãe e filho foram mortos a tiros no terminal. Maria Célia Rodrigues dos Santos, 38 anos, e Welington Rodrigues Santos Silva, 22, trabalhavam como vendedores ambulantes e teriam sido executados pelo também ambulante Henrique Monteiro Gonçalves, 33 anos. Segundo a polícia, o crime teria relação com a disputa por clientes no local.
Pouco mais de seis meses após a tragédia, nada mudou. Na manhã de quinta-feira (17/1), 37 ambulantes se aglomeravam no chão do terminal fazendo o comércio irregular de toda sorte de produtos. Quem depende de transporte público para ir e voltar dos municípios goianos situados ao redor do DF teme tornar-se alvo de criminosos.
“Toda hora passa um ‘mala’ correndo com alguma coisa roubada na mão. A impressão que dá é que eles não respeitam nem a polícia”, desabafa a técnica em enfermagem Silvana Santos, 44 anos.
A dedução de Silvana é, em parte, confirmada pelo comandante do 6º Batalhão da PMDF, major Cláudio Peres, responsável pela segurança na região central da cidade. “Os números estão aí para provar a produtividade do policiamento: são mais de 2 mil ocorrências com atuação da Polícia Militar. Temos prendido elementos com 10, 12, 15 antecedentes criminais, mas eles logo são devolvidos para as ruas”, lamenta.
O oficial ressalta que somente nas rodoviárias do Plano Piloto e Metropolitana são cerca de 30 PMs por dia fazendo patrulhamento ostensivo. “O policiamento se faz presente, mas os bandidos não têm temor à Justiça. De certa forma, já sabem qual será o desfecho e que estarão em liberdade em poucos dias ou poucas horas”, critica o major.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que a PMDF “sempre reforça o policiamento nas rodoviárias em razão do grande fluxo de pessoas” e que distribui o efetivo de acordo com análise criminal de cada região. “Por isso, é muito importante que os frequentadores e trabalhadores façam o registro de ocorrências nas delegacias em casos de crime”, recomenda a pasta.
Passageiros e frequentados reclamam da falta de segurança nos terminais rodoviários do DF: