Em Vicente Pires, grileiros furtam água, luz e ameaçam servidores
Relatório obtido pelo Metrópoles mostra a existência de 30 lotes irregulares na região. Com estrutura precária, muitos ameaçam desabar
atualizado
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Uma lista com 26 construtores irregulares que dominam as invasões de terras públicas em Vicente Pires está nas mãos da Polícia Civil e da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Os grileiros retalharam a cidade em lotes e ergueram prédios com risco iminente para os moradores. Uma série de crimes, como ameaças contra oficiais de justiça e furtos de energia e de água, está sob investigação.
O levantamento, obtido pelo Metrópoles em primeira mão, mapeia pelo menos 30 lotes que compõem 11 chácaras invadidas na Região Administrativa, muitas delas inseridas em Áreas de Proteção Permanente (APP). Todos os pontos clandestinos receberam notificações da Agência de Fiscalização (Agefis), inclusive com ordens de demolição, mas nenhuma foi cumprida.
A lista analisada por promotores e delegados da 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires) serviu como base para intensificar as apurações e dimensionar a atividade criminosa dos empreiteiros. Apenas um deles, dono de um prédio na rua 8, chácara 210, lote 2, interditado pela Defesa Civil em 27 de outubro de 2017, é investigado por delitos como estelionato, invasão de terras e furto de água. Ele foi autuado 30 vezes e recebeu 20 multas que somam R$ 123 mil.Ameaça à oficial de justiça
À margem da lei, muitos construtores ignoram os embargos da Agefis e ameaçam oficiais de justiça que entregam intimações judiciais nas obras. Um dos casos foi registrado na 38ª DP em 8 de dezembro de 2017, quando uma oficial teve o carro abordado por um homem dono de 23 apartamentos no prédio da rua 8, interditado pela Defesa civil por riscos de desabamento.
De acordo com a servidora, horas após entregar uma intimação no edifício, seu veículo foi interceptado por outro quando ela ainda estava em Vicente Pires. De acordo com o depoimento da mulher, o suspeito aproximou-se da janela e mostrou uma fotografia dela no celular dele. “Você estava embargando obras na rua 8. Todos estão de olho em você, te vigiando. Sua foto está em todos os grupos de WhatsApp”, teria ameaçado o interlocutor.
A servidora contou ao Metrópoles que o intimidador ainda gabou-se por ser dono de 20 das 50 unidades existentes no prédio. “Ele estava com medo [de ter a obra embargada], mas permanecia me vigiando. Não temos segurança para trabalhar em Vicente Pires, ainda mais entregando intimações a invasores de áreas públicas responsáveis por erguer edificações irregulares”, disse.
Em uma rápida investigação, policiais civis da 38ª DP identificaram o homem. Ele prestou depoimento na delegacia e foi autuado pelo crime de ameaça. No interrogatório, o suspeito negou ter coagido a servidora, mas admitiu tê-la abordado e mostrado a fotografia.
Furto de água
Outro inquérito policial instaurado na unidade policial da área apura o desvio de água por meio de instalações clandestinas. Entre outubro de 2016 e agosto de 2017, o dono do prédio teria cobrado dos moradores pelo uso do recurso hídrico. Fiscais da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) estiveram no local e detectaram que não havia abastecimento regular. Logo, todas as ligações eram proibidas.
O prédio tem problemas graves de estrutura, a exemplo de fissuras em vigas e lajes. Na época da interdição, o coronel Sérgio Bezerra, subsecretário da Defesa Civil, explicou que os fiscais fizeram uma vistoria no local a pedido da Administração Regional de Vicente Pires e perceberam diversos problemas. “Houve uma ocupação irregular do edifício ainda em construção e isso não poderia ter ocorrido. Esta semana, durante a fiscalização, percebemos um somatório impressionante de problemas estruturais nunca visto antes”, relatou.
Implosão
Em outubro do ano passado, o MPDFT deu prazo de 10 dias para que a Agefis promovesse a demolição de todas as edificações que estivessem em área pública e não licenciadas em Vicente Pires. Atualmente, pelo menos 28 prédios em construção estão em situação irregular na Região Administrativa. As estruturas precisariam ser implodidas para atender à recomendação do MP.
À época, o Metrópoles teve acesso, em primeira mão, ao documento produzido pela Prourb e pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural (Prodema). O texto afirma que a Agefis precisa interromper imediatamente as obras em desacordo com a legislação urbanística em Vicente Pires, promover a demolição das edificações em área pública e não licenciadas, autuar as clandestinas, coibir as atividades econômicas ilegais e adotar os demais procedimentos fiscalizatórios pertinentes.
O outro lado
Procurada pela reportagem para falar sobre as implosões dos prédios irregulares, a Agefis ressaltou que, assim como o Ministério Público, está empenhada na imediata demolição das duas edificações irregularmente construídas em Vicente Pires com risco iminente de desabamento.
De acordo com a agência, uma liminar concedida pela Justiça Federal impede a demolição da edificação localizada na rua 4, chácara 149. “Já em relação ao prédio da chácara 210, na rua 8 de Vicente Pires, a implosão é o método tecnicamente mais indicado em razão da existência de edificações vizinhas. No entanto, somente empresas especializadas e devidamente autorizadas pelo poder público podem realizar o procedimento, a Agefis não tem expertise nesse tipo de ação”, diz a nota da agência.
Segundo a Agefis, nos últimos três anos, a fiscalização em Vicente Pires foi intensificada e várias medidas e autuações administrativas foram aplicadas com mais rigor. “Exemplo disso são as multas diárias e a ações de lacre físico dos prédios embargados. Desde de 2015, foram mais de 7 mil ordens administrativas visando a paralisação de construções irregulares na região. A maior parte foi descumprida centenas de vezes”, destaca o órgão do GDF.