Em média, 2 casos de injúria e racismo são registrados por dia no DF
Nos dois primeiros meses de 2023, a pasta de segurança pública contabilizou 92 ocorrências de injúria racial e quatro de racismo na capital
atualizado
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O Distrito Federal registra, em média, duas ocorrências de injúria racial e racismo por dia. Os dados constam em relatórios da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Em um desses casos, repercutido nesta semana, uma professora negra da rede pública de ensino do DF recebeu uma palha de aço de “presente” de um aluno no Dia da Mulher.
O ocorrido no Centro de Ensino Médio (CEM) 9 de Ceilândia foi amplamente divulgado após imagens do aluno entregando o objeto à educadora serem publicadas nas redes sociais e terem gerado polêmica.
Sob risos dos colegas, ele entregou a sacola enquanto era filmado pelos estudantes de uma turma do 3º ano. Outros alunos da escola relataram que a entrega da esponja para lavar louças era uma atitude conscientemente machista e racista contra a professora, que é negra negra.
Assista ao vídeo:
Em entrevista ao Metrópoles, Edmar Sônia, 48 anos, afirmou que preferiu não revidar, mas viu a proporção que o caso tomou dias depois e recebeu muito apoio dos outros estudantes.
“Houve machismo, consigo enxergar. Muito embora tenha sido em forma de brincadeira, ela tem algo por trás. Você fazer algo assim tem um pensamento ideológico anterior. Mas não sei te falar se teve racismo naquilo, porque ele também tinha dado o pacote de ‘bombril’ para a namorada, que não tem as mesmas características que eu’, conta Edmar.
A PCDF tomou conhecimento da situação após denúncia nas redes sociais. Segundo o delegado-chefe adjunto da DCA 2, Flávio Messina, o fato de a vítima não ter procurado a delegacia não impede a instauração do procedimento, por se tratar de ato infracional de injúria racial.
Injúria racial x racismo
Nos primeiros dois meses deste ano, a SSP-DF registrou 92 ocorrências de injúria racial na capital federal.
O crime é tipificado no art. 140, do Código Penal Brasileiro, e consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. O infrator pode ser punido com o pagamento de multa ou até prisão de um a três anos.
Com relação aos casos de racismo, a capital federal contabilizou, entre janeiro e fevereiro de 2023, quatro casos.
Em janeiro deste ano, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia assinado a lei que equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível. Com a mudança, o texto inscreve a injúria, hoje contida no Código Penal, na Lei do Racismo.
Somados, os casos de injúria racial e racismo registrados no DF em 2023 correspondem, em média, a duas ocorrências por dia.
Membro do Movimento Negro Unificado (MNU), a professora Márcia Santos avalia que políticas públicas voltadas para os negros carecem na capital.
“São necessárias políticas públicas urgentes na área de trabalho e na saúde, visto que já é demonstrado em pesquisas que a população negra tem problemas mais sérios de atendimento em hospitais em relação a pessoas brancas. Além disso, políticas de mobilidade, pois quem mais sofre com precariedade do transporte público é a população periférica que em sua maioria é negra”, avalia Márcia.
Assim como Edmar Sônia, professora que recebeu a palha de aço do aluno, Márcia também é professora na rede pública do DF, e já foi vítima de discriminação.
Para ela, na área da educação o combate ao racismo só vai se fortalecer por meio da conscientização. “Não se nasce racista. O racismo se aprende e, da mesma forma que é possível aprender a ser racista, também é possível exercitar o antirracismo”, destaca.
“Como estudante sofri muito racismo por parte de colegas estudantes que criavam apelidos de cunho racial e riam do meu cabelo. Naquela época, dificilmente havia alguma reação ou ajuda por parte de professores e direção de escola. Hoje em dia, graças à Lei 10.639 e o avanço da sociedade, embora limitado, muitos professores como eu trazemos o tema para a pauta de discussão”, exemplifica.
Segundo a secretária de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, Marcela Passamani, o DF tem avançado na implementação de políticas afirmativas. “O projeto Cidadania Criativa incentiva o empreendedorismo de mulheres e coletivos negros, com ações ligadas à defesa dos direitos dos negros e da liberdade de crenças e convicções, essenciais para a promoção e fortalecimento da luta por igualdade racial e o respeito às culturas e tradições do pertencimento racial”, diz.
A secretaria comandada por Passamani atua para que avanços se tornem efetivos, não só por meio de leis, mas também pelo diálogo com a sociedade, a fim de fortalecer a participação social. “Há um comitê de acompanhamento e avaliação das polícias e ações que proverá indicativos e necessidades, bem como, melhorias das ações públicas que consolidem e venham fortalecer o cumprimento das políticas”, finaliza.
“Preto tem direito?”
O responsável técnico Orlanio Silva Alves Junior, 31 anos, foi vítima de discriminação racial em um restaurante de Samambaia Sul, no início de janeiro. O dono do estabelecimento teria se recusado a emitir para ele o cupom fiscal da compra e retrucado: “Preto tem direito?”.
“Por conta do preço elevado pelo prato de comida, eu pedi para o funcionário a emissão da nota fiscal. Foi aí que ele disse que isso não existia e eu retruquei que era um direito meu como consumidor e ele respondeu: ‘Preto tem direito?”, relatou o responsável técnico.
Após o desentendimento, Orlanio conta ter se dirigido ao caixa do restaurante e relatado o episódio de discriminação para a outra funcionária. “Depois que eu contei sobre o ocorrido, ela comentou: ‘Nossa, novamente’ e disse que eu não precisava pagar a conta. Porém, eu fiz questão de pagar e disse que eu voltaria no dia seguinte para buscar a nota fiscal”, relembrou.
“Entrei também com um pedido judicial para obtermos as imagens da câmera de segurança do restaurante. Para mim, o pior foi o meu filho ter presenciado essa cena de racismo protagonizada pelo funcionário”, lamentou Orlanio.
Como denunciar
O registro desses crimes pode ser feito em qualquer delegacia ou na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).
A Decrin funciona de segunda a sexta, das 12h às 19h. Os telefones de contato são: 3207-4242 ou 197. Outro serviço disponível é o da Delegacia Eletrônica, que pode ser acessado pelo site da Polícia Civil.