Em áudio, professor envenenado fala em favorecimento de empresas
Nas mensagens, ele ainda diz ter deixado R$ 160 mil no caixa do CEF 410 Norte e ressalta que levaria denúncias ao MPDFT
atualizado
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Em áudios de WhatsApp, o professor Odailton Charles Albuquerque Silva (foto em destaque), 50 anos, diz que tinha interesse em denunciar supostas irregularidades no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410 Norte.
Nas gravações feitas dias antes de morrer envenenado, o educador afirma que, além das “rachadinhas“, a unidade pública de ensino também teria cometido ilicitudes em processos de contratação de empreiteiras para serviços de manutenção do próprio colégio.
No registro, Charles afirma que iria procurar um deputado distrital, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Governo do DF (GDF) para formalizar as acusações. Segundo o docente relata, o suposto esquema beneficiaria um grupo de servidores.
“Depois, eu quero dar uma passada no gabinete para a gente conversar, porque eu quero que você me oriente. Vou fazer uma denúncia no MP e no GDF contra a questão da utilização das emendas parlamentares, que eles seguraram até abusar. Não sei se você lembra, quando fiz a denúncia pro deputado, que eles [servidores] estavam indicando empresas. Tenho as gravações e vou apresentar isso”, diz o educador no áudio.
O professor reforça, também, ter recebido denúncias de irregularidades dos próprios colegas de trabalho. “Estão colocando gente para fazer o serviço nas escolas, gente que a gente não conhece. Eu já vi indícios assim, até conversando com outros colegas. Realmente, eles estão sendo beneficiados por contratarem essas empresas e estão recebendo algum por fora. Quero uma orientação antes de fazer alguma coisa, porque eu vou chutar o pé da barraca.”
Ouça:
Dívidas
Uma outra gravação obtida pela reportagem traz o diálogo entre o educador e um suposto amigo, a quem Charles estaria devendo dinheiro. Ele combina um dia para quitar as dívidas com o credor. A origem e o fim do dinheiro ainda são desconhecidas.
“Estou com um crédito meu pessoal, então, não vou esperar dinheiro cair do céu para acertar minhas contas. Então, na sexta-feira eu vou te procurar e você pode pegar o dinheiro em mãos. A gente pode marcar aí na escola [CEF 410 Norte], ou em outro lugar, não sei. Você me passa um canto qualquer que eu te encontro. Calcula, vê quanto eu te devo pra gente fazer esse acerto”, afirma na gravação.
Ele ainda ressalta a um interlocutor que havia deixado R$ 160 mil no caixa do CEF 410 Norte.
Ouça também:
“Rachadinha”
Em um terceiro áudio publicado com exclusividade pelo Metrópoles, o ex-diretor também comenta sobre suposto esquema de “rachadinha” na escola. O docente se preparava para deixar o cargo de direção da unidade educacional e comentou que visitaria o colégio para se “acertar com o pessoal”.
“Quinta-feira eu vou lá na escola, vou fazer os acertos com o pessoal: passar extrato bancário, essas coisas que eu tenho que passar. Estou recolhendo uns documentos particulares para fazer uma denúncia formal na [Coordenação] Regional de Ensino”, diz.
O educador continua dizendo que a denúncia envolveria “um dinheiro” deixado por ele no colégio. “Eles [os superiores] nunca repassaram para mim. Seguraram o dinheiro e agora estão utilizando da forma como eles querem, contratando a empresa que eles querem também. Acho que está havendo ‘rachadinha’ lá”, comenta.
Segundo Charles, a acusação do esquema partiu de dentro da escola. “Andei conversando com os colegas e está havendo ‘racho’ de dinheiro, propina para beneficiar empreiteiros. Por isso que eu indiquei dois ou três empreiteiros lá e eles não aceitaram de jeito nenhum. Seguraram o dinheiro até agora em janeiro. Agora, está de vento e popa, liberando dinheiro à vontade lá. Então, vou fazer essa denúncia, vou recolher tudo que eu tenho de prova, de gravação, e vou arrebentar a boca do balão lá.”
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do DF (SEE-DF) negou ter ciência de irregularidade na unidade educacional. Em nota, a pasta afirma que a direção do CEF 410 Norte “apresentou os processos de 2009 a 2018 à SEE-DF, os quais foram aprovados”. “A prestação de contas de 2019 ainda não foi apresentada, mas está dentro do prazo, que corre até o final de fevereiro. Portanto, não há indícios que exijam investigação no momento”
A morte
As gravações ganharam notoriedade após a morte do docente, ocorrida no dia 4 de fevereiro. Odailton Charles morreu envenenado depois de supostamente ter ingerido uma bebida contaminada com chumbinho. A suspeita inicial é que o veneno tomado estivesse em um suco oferecido a ele por uma colega.
Contudo, não houve comprovação de que ele tivesse ingerido o suco. “Achamos vestígios de raticida nas roupas e traços de vômito, mas nada relacionado a suco de uva”, explicou a perita criminal Flavia Pine Leite, que fez o exame nas vestimentas usadas por ele no dia do incidente, em 30 de janeiro.
Charles desconfia de uma substância estranha em um suco que supostamente havia sido oferecido por uma colega. A servidora foi ouvida pela Polícia Civil e negou ter dado qualquer produto ao docente.
“Nós a ouvimos e ela foi firme em dizer que não ofereceu suco ao professor. Isso não quer dizer que ele não tenha bebido. As investigações continuam, muitas pessoas ainda serão ouvidas”, disse o delegado Laércio Rossetto, da 2ª DP (Asa Norte), que conduz as investigações sobre o caso.
A PCDF apreendeu dois aparelhos celulares de servidores da escola. “Vamos pedir uma série de medidas judiciais para ter acesso aos dados dos aparelhos”, afirmou Rossetto.
O Metrópoles teve acesso ao prontuário médico do professor. O documento, emitido por médicos do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), aponta intoxicação.