Projeto ensina a arte da ourivesaria a alunos da rede pública do DF
Aulas são voltadas para jovens em situação de vulnerabilidade. Docente idealizadora da proposta gastou R$ 10 mil para viabilizar iniciativa
atualizado
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Uma iniciativa de professores da rede pública do Distrito Federal tem levado os estudantes a uma realidade muito distante daquela vivida diariamente em sala de aula. O projeto Endereços de Mim ensina a alunos de 10 a 17 anos, em situação de vulnerabilidade, o desenvolvimento de uma série de habilidades pedagógicas e cognitivas. Uma dessas atividades, em especial, se destaca: a criação de joias.
O programa de ourivesaria tem feito tanto sucesso que é tema de exposição em um shopping de luxo no Lago Norte. A mostra vai até o próximo dia 5. Durante os 50 minutos das aulas, meninos e meninas exploram a própria criatividade e criam peças exclusivas para eles mesmos e para presentear. Além, disso, os jovens se familiarizam com uma rotina que pode se tornar ofício no futuro.
No dia a dia, a matéria-prima usada para ensinar os adolescentes são metais não preciosos, como alumínio, cobre e latão. No entanto, para fazer as peças da exposição, eles usaram um material mais nobre: a prata. Todos os colares produzidos passaram pelas mãos de cada um dos aprendizes. A criação envolveu a produção da liga de prata com cobre, em um processo de fusão com maçarico a mais de 700ºC. Os alunos também tiveram de lixar e polir manualmente as joias, até atingir o brilho desejado.
O resultado só foi possível graças ao esforço pessoal de Maria Mônica Pinheiro Cavalcante, professora da Secretaria de Educação, doutora pela Universidade de Brasília (UnB) e designer de joias. Ela tirou do próprio salário cerca de R$ 10 mil para comprar ferramentas e equipamentos de ourivesaria para montar a oficina.
Parte do material especializado foi doado por ourives da cidade. O ateliê é completo, com serras, alicates, tesouras, martelos e modeladores, além de ferramentas elétricas usadas no polimento.
Montar uma oficina de joalheria para trabalhar com jovens estudantes da Secretaria de Educação do DF foi uma proposta desafiadora que assumi como prêmio. Poder agregar a arte da ourivesaria à minha carreira de educadora era um grande sonho e se concretizou
Maria Mônica Pinheiro Cavalcante, professora
Cultivando o “hobby”
Ainda que tenha sido incluída recentemente, em setembro deste ano, a ourivesaria é uma das atividades preferidas dos alunos no Espaço Saúde do Estudante, localizado na 705/905 Norte. O local dispõe de um consultório oftalmológico para atendimento aos estudantes da educação básica da rede pública do Distrito Federal, uma brinquedoteca e duas salas multiuso. É lá que as oficinas são oferecidas.
Leandro* se interessou pela arte das joias após a psicóloga passar nas salas de aulas perguntando quem gostaria de participar do projeto. Morador da Granja do Torto e estudante do Gisno, na 907 Norte, o adolescente de 16 anos é um dos mais assíduos. Ele vai a pé ao Espaço Saúde e sonha em cursar engenharia e arquitetura quando terminar o ensino médio. “Quero fazer os dois cursos e pretendo manter o hobby”, conta.
Colega de turma de Leandro e morador de Valparaíso de Goiás, Gabriel* já produziu um colar em formato de nota musical para si mesmo. Nas aulas, ele gosta de participar de todos os processos e se diz muito satisfeito ao ver o brilho da peça finalizada. “Quero ser designer de games e tenho certeza de que todo o conhecimento artístico que aprendi aqui serão usados na minha futura profissão”, diz o rapaz.
Segundo a professora Mônica, a intenção não é a formação profissional dos jovens na ourivesaria, mas um “exercício da criatividade, promoção do autoconhecimento e resgate da autoestima”.
Coordenadora-geral do projeto Endereços de Mim, Eliane Barbosa conta que a iniciativa surgiu para trabalhar a cultura de paz e mediação de conflitos no ambiente escolar. A iniciativa atende 90 estudantes, de 11 escolas em Santa Maria, Recanto das Emas e Plano Piloto.
“Cada ação é relacionada a um sentido. Temos psicólogas que trabalham com eles e professores nas escolas que acompanham o desenvolvimento de cada um. Temos parceria com a Secretaria de Saúde e aqui também funciona um consultório de oftalmologia para os alunos da Secretaria de Educação”, detalha.
De acordo com a professora Mônica Cavalcante, as joias de prata fabricadas pelos alunos não serão vendidas, mas trocadas por matéria-prima ou ferramentas. “Joalheiros que estiverem interessados em nos fornecer material ou equipamentos em troca das peças serão muito bem-vindos. É uma forma de me ajudar a continuar com o projeto.”
*Nomes fictícios a pedido do corpo docente envolvido no projeto