MPC-DF investiga superfaturamento de 40% em obras de creches
Irregularidades no credenciamento de entidades responsáveis por administrar os centros educacionais também estão na mira de órgãos de fiscalização
atualizado
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As creches construídas no Distrito Federal estão na mira dos órgãos de fiscalização. O Ministério Público de Contas (MPC-DF) investiga se as obras estão superfaturadas em cerca de 40%, com relação às que foram erguidas em outros estados. Agora, o Tribunal de Contas (TCDF) abriu uma auditoria para analisar os processos referentes à contratação das empresas para construção das unidades.
Atualmente, o DF conta com 42 Centros de Educação da Primeira Infância (CEPIs) e sete Centros de Educação Integrada (CEI). Para tentar suprir a alta demanda, o governo firmou 59 convênios com instituições privadas. Atualmente, 2.439 crianças de 4 e 5 anos aguardam por uma vaga na educação infantil e aproximadamente 25 mil crianças de 0 a 3 anos, oportunidade em creches.O Tribunal de Contas da União (TCU) também constatou a diferença de preços nas obras realizadas no Distrito Federal e em outras unidades da Federação. A diferença do valor chega a 40%. No caso da creche construída na 714 Norte, a obra do prédio principal foi contratada por R$ 1.932.019,05. A média de preço obtida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC), ficou em R$ 1.375.000.
A unidade localizada na QN 414 de Samambaia teve o valor total de R$ 2.615.260,78. Apenas com o bloco principal o gasto foi de R$ 1.950,090,67, 44% superior ao valor estimado pelo FNDE. Na creche da QN 508 de Samambaia, o valor da concorrência atingiu R$ 2.512.396,37 e o prédio principal custou R$ 1.877.55,28, sobrepreço de 36,5%.
Segundo a Secretaria de Educação, todas as obras foram estimadas com valor médio de R$ 2,7 milhões, o que faz com que a diferença de preço, apenas no prédio principal de cada licitação, chegue a 40%. Ao Metrópoles, a pasta reconheceu que o recurso aplicado foi mais alto na capital federal, mas justificou que se deve a “mão de obra e material mais caros do que no restante do país”.
“Diante da diferença de preços tão significativa, caberia ao GDF comparar as duas soluções disponíveis (construção de alvenaria e PVC) e verificar qual é a mais vantajosa ao interesse público. Cabe ressaltar que esse valor deve ser multiplicado pela quantidade de concorrências promovidas pela Secretaria de Educação do DF como objeto semelhante. Conforme informações obtidas junto ao FNDE, já são 65 unidades aprovadas para o Governo do DF, o que revela grande volume de recursos públicos”, ressaltou o corpo técnico do TCU na representação enviada ao Ministério Público de Contas do Distrito Federal.
]Outro edital da Secretaria de Educação, de 2014, previa a compra de equipamentos para 111 CEPIs, quando, na verdade, apenas 42 foram construídos e entregues. Segundo o subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da Secretaria de Educação, Fábio Pereira de Sousa, os gastos para comprar todo o mobiliário das 42 unidades ficou em R$ 5,5 milhões
“Não chegamos a fechar todos os contratos porque nem todas as creches ficaram prontas. O último pregão de adesões foi publicado há duas semanas. O FNDE determina que todos os centros tenham o mesmo tipo de móveis, por isso já entregamos as unidades mobiliadas para as entidades que são responsáveis pela gestão dos CEPIs”, explicou.
Contudo, apesar de o governo garantir que há móveis em todas as unidades, o Ministério Público Federal no DF afirmou à reportagem que há falhas na composição do mobiliário daquelas que estão em funcionamento. “Há creches que devem atender 50 bebês, mas só possuem 10 cadeirinhas de alimentação, por exemplo. Outras que têm apenas uma máquina de lavar para atender 100 crianças. São apenas alguns exemplos das irregularidades encontradas”, diz a nota.
Na representação, a procuradora Cláudia Fernanda Pereira do Ministério Público de Contas ressalta que é importante apurar, o quanto antes, a denúncia de superfaturamento. “Os fatos fazem lembrar a construção de unidade modulares na saúde, as UPAs, felizmente rechaçadas pelo Poder Judiciário e pelo TCU, em razão das graves irregularidades cometidas”.
Gestão
Em outra representação, o MPC-DF questiona a gestão das CEPIs. No documento, a procuradora defende que, na prática, o que ocorre é o uso do convênio para descentralização de atividades que são dever do Estado.
Para piorar, há notícia de que várias entidades eleitas não apresentaram todas as certidões ou possuem pendências, inclusive, porque não possuem pareceres favoráveis de prestação de contas anteriores, seja perante a Secretaria de Educação, seja perante a antiga Secretaria de Desenvolvimento Social
procuradora Cláudia Fernanda Pereira
O processo está em análise na Divisão de Acompanhamento (Diacomp) do Tribunal de Contas do DF. Sobre o caso, a secretaria se manifestou afirmando que tem convênio com 59 entidades. Nos últimos seis anos, três foram suspensos.
“Quatro procedimentos de apuração ainda estão em curso para investigar a prestação de contas de quatro entidades. Se for constatada a irregularidade, o convênio é interrompido imediatamente”, explicou o subsecretário. Por ano, o governo repassa R$ 1 milhão para cada entidade. Mensalmente, são pagos R$ 686 por criança de 0 a 3 anos e R$ 588 para as de 4 a 5 anos. Uma das instituições investigadas é a Cruz de Malta que, segundo a secretaria de Educação, teve as contas do prédio em que atua reprovadas. A apuração é feita pelo Tribunal de Contas do DF. Nenhuma unidade está com o repasse atrasado, ainda segundo o GDF.
Em 2013, a creche Fernanda Guimarães de Campos do Amaral teve o convênio suspenso após denúncia de que a entidade apresentou documentos falsos para se credenciar. Um inquérito chegou a ser instaurado em 2012 e comprovou fraude nas certidões negativas e em contribuições previdenciárias.
Obras atrasadas
Em 2015, o Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) questionou a Secretaria de Educação sobre os atrasos nas obras das creches. Os dados foram solicitados em função da abertura de procedimento que apura suspeitas de irregularidades na implantação do programa Proinfância, lançado em 2007 pelo Ministério da Educação.
Pelas regras do programa, a construção de creches e escolas infantis deve ser feita a partir de convênios firmados entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e os municípios, incluindo o Distrito Federal. No caso do DF, de acordo com informações enviadas ao MPF pelo FNDE, foi pactuada a construção de 110 unidades, sendo 109 delas resultado da assinatura de termos de compromisso e apenas uma viabilizada por meio de um convênio firmado em 2008. As obras custarão cerca de R$140 milhões para o governo federal, além da contrapartida do GDF.
Considerando as datas de assinatura dos acordos que viabilizam a realização das obras, boa parte das unidades já deveria ter sido entregue à população. Atualmente, há 20 creches em construção nas seguintes regiões administrativas: Samambaia, Águas Claras, Recanto das Emas, Lago Norte e Brazlândia. Dessas, nove estão previstas para ser inauguradas ainda no segundo semestre e 11 serão entregues em 2017, segundo o GDF.
No documento endereçado ao secretário de Educação, Júlio Gregório Filho, além do pedido de informações referentes a obras específicas, o MPF solicitou que sejam enviados dados sobre todas as construções, bem como o público-alvo a ser atendido nas unidades financiadas pelo programa Proinfância. Outras informações, como o procedimento licitatório adotado pelo GDF para viabilizar as construções, também foram pedidas, além de esclarecimentos sobre a forma de gerenciamento do serviço prestado pelas creches já em funcionamento e das unidades que ainda estão em construção.
O procedimento é analisado pelo 1º Ofício de Seguridade e Educação do MPF-DF, que já solicitou providências por meio de uma recomendação para a Secretaria de Educação do DF e a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos do DF. Agora, o MPF analisa as respostas enviadas pelo governo. Como o procedimento como um todo é extenso, foi pedida a prorrogação de prazo para a análise antes de uma possível decisão sobre uma ação judicial. Sobre os atrasos, a pasta afirmou à reportagem que algumas obras não foram iniciadas porque não tiveram o processo de licitação concluído.
Recursos
Os centros fazem parte do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), criado em 2007 pelo governo federal, que atende creches e pré-escola. O programa também repassa recursos para equipar escolas em fase final de construção. As verbas são depositadas por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
A partir de 2011, a ação foi incluída no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo federal é responsável por repassar as verbas, mas os municípios precisam aderir voluntariamente ao programa e executar as construções. O valor da contrapartida desembolsada pelo GDF para a implantação das creches foi de, em média, R$ 1,4 milhão por unidade.
Cada uma foi dividida em dois módulos: o primeiro consiste na obra propriamente dita, onde os recursos federais devem ser empregados; o módulo dois é referente às estruturas adjacentes, financiadas com recursos do Distrito federal. Para a construção das CEPIs, foram realizadas 41 concorrências.
O que são
Centros de Educação de Primeira Infância (CEPIs): creches que atendem crianças de quatro meses a 5 anos em tempo integral, 10 horas. Cada unidade tem a capacidade de receber 112 alunos. Elas contam com um espaço de 1,2 mil m² e várias comodidades, como espaço para repouso, sala de leitura, informática, anfiteatro, brinquedoteca. No local, são servidas cinco refeições por dia.
Centros de Educação Integrada (CEI): atendem crianças de 4 a 5 anos, também em período integral e pode comportar de 200 a 500 alunos com a mesma estrutura moderna do CEPIs.
Após a publicação da reportagem, o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF) e a Associação Brasiliense de construtores (Asbraco) enviaram uma nota alegando que as informações que apontam o superfaturamento das obras de creches estão “equivocadas e podem ser comprovadas”.
“Lá, encontram-se definidas as atribuições e responsabilidades de cada uma das partes envolvidas. Fica, portanto, claro constatar que as construtoras estão trabalhando dentro da legalidade.O Sinduscon-DF e a Asbraco reforçam, ainda, que a análise de planilhas orçamentárias deve ser feita por pessoas entendidas do assunto, considerando a complexidade de todos os itens envolvidos. Análises pontuais, sem conhecimento das variáveis, podem levar a interpretações equivocadas, como foi o caso. Vale ressaltar, como a própria matéria aponta, que a mão de obra e os materiais de construção no DF são mais caros do que em outras unidades da Federação”, destacaram as entidades.