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O misterioso exército da Vila das Meninas, o internato na mira do MP

Cerca de 900 jovens entre 11 e 18 anos vivem no lar financiado pela igreja católica e acusado de não seguir o ECA

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O barulho das vozes infantis rompe o silêncio todo fim de tarde, na Vila das Crianças, colégio interno na área rural de Santa Maria. Enquanto pulam corda e brincam de roda, elas usam saia até o joelho e os cabelos presos em um coque baixo. Maquiagem e bijuterias não são permitidas nem para as adolescentes.

A brincadeira dura cerca de uma hora. No resto do dia, é preciso seguir uma rígida programação de estudo e trabalho para viver ali. Famílias pobres de todo o país enviam suas filhas ainda crianças ao internato em Brasília, para que elas tenham comida e educação, mesmo que cresçam distantes dos pais e sejam privadas de contato com o mundo exterior, na maior parte do tempo.

Em 2017, um processo aberto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para apurar irregularidades na escola Vila das Crianças completa 13 anos. Os autos seguem em segredo de Justiça na Vara da Infância e Juventude, por envolverem pessoas com menos de 18 anos. Promotores acusam a entidade, administrada pela igreja Católica, por meio das Irmãs de Maria de Banneux, de desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A Vila das Meninas, como o colégio ficou conhecido, ocupa um terreno de 20 mil metros quadrados. Nele vivem mais de 900 crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos. A maior parte das moradoras veio de fora do Distrito Federal e pertence a famílias carentes do interior do país. Algumas têm histórico de violência e foram expostas à vulnerabilidade social. As freiras visitam as casas e selecionam as alunas “mais pobres entre as pobres”.

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Nele vivem mais de 900 crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos
A escola funciona em um lote cedido pelo Governo do Distrito Federal, desde 2001
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apura irregularidades na escola
Promotores acusam a entidade – administrada pela Igreja Católica, por meio das Irmãs de Maria de Banneux – de desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
“Elas não têm privacidade, acesso aos meios de comunicação. Ficam isoladas”, revela a promotora Luisa de Marillac
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A Vila das Meninas, como o colégio ficou conhecido, ocupa um terreno de 20 mil metros quadrados

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Nele vivem mais de 900 crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos

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A escola funciona em um lote cedido pelo Governo do Distrito Federal, desde 2001

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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apura irregularidades na escola

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Promotores acusam a entidade – administrada pela Igreja Católica, por meio das Irmãs de Maria de Banneux – de desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

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“Elas não têm privacidade, acesso aos meios de comunicação. Ficam isoladas”, revela a promotora Luisa de Marillac

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Em 2013, o grupo que mantém a escola aplicava R$ 500 mil por mês para financiar o projeto

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Além do ensino fundamental e médio nos modelos estabelecidos pelo Ministério da Educação, a Vila das Crianças também oferece cursos técnicos de costura, enfermagem e secretariado às adolescentes

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“Não temos a proposta radical de fechar a instituição. O nosso objetivo é determinar uma regularização paulatina", conclui a promotora

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O MPDFT diz que a vila funciona sem autorização como um abrigo, onde o convívio familiar, direito resguardado pelo ECA, não é respeitado. A escola defende-se e informa existir em regime de internato, e não de acolhimento,  já que as garotas não estão disponíveis para adoção e permanecem sob tutela dos pais, que autorizam sua permanência.

Até a intervenção do MPDFT, as meninas não tinham acesso liberado ao telefone e falavam com os parentes somente uma vez por mês. Em 2006, após visitas do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente do DF e do Conselho de Assistência Social do DF, a Vila das Crianças se comprometeu a instalar telefones públicos no pátio do colégio, entre outras mudanças, para adequar-se ao ECA.

A diretora da Vila das Crianças também concordou, à época, em providenciar mais atividades fora dos muros da escola às estudantes. “De vez em quando temos alguns passeios externos, mas imagine a logística para levar 900 garotas a qualquer lugar”, disse Maria do Rocio Fava de Sousa, diretora pedagógica do instituto, à revista Veja Brasília, em 2013.

Desde 2006, a promotora Luisa De Marilac, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude do MPDFT, entra com recursos contra a decisão judicial que entende que a Vila das Meninas funciona como uma instituição educacional.

“Acreditamos que a organização é híbrida e precisa ser regularizada junto ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e ao Conselho de Assistência Social. A partir do momento em que ela tiver um registro, terá que passar por vistorias frequentes com enfoque nos Direitos Humanos para verificar se há violação”, disse ao Metrópoles.

No recurso, a promotoria aponta casos graves, como a impossibilidade do direito de ir e vir das meninas. Umas vez que tudo no local é controlado. “Elas não têm privacidade, acesso aos meios de comunicação. Ficam isoladas. Estamos falando dos direitos das mulheres. Até mesmo os absorventes são controlados. A quantidade de roupas que elas podem ter também é pré-definida”, ressaltou Luisa De Marilac.

“Não temos a proposta radical de fechar a instituição. O nosso objetivo é determinar uma regularização paulatina. É preciso interromper as matrículas provenientes de outros estados para que as crianças sejam atendidas em sua cidade de origem. Para se ter uma ideia, mais de 90% dessas  meninas são de cidades pequenas do Norte e Nordeste. Elas perdem todo o contato com a família. O ideal é fazer matrículas só do DF e Entorno. Reconhecemos a importância dessas instituições, mas, nesse caso, contestamos a forma de fazer esse trabalho”, finalizou.

Internacional
A escola funciona no lote cedido pelo Governo do Distrito Federal, desde 2001. Faz parte de uma iniciativa mundial de caridade mantida pela ordem Maria de Banneux, que começou na Coreia do Sul, em 1964.

Países como o México, Coreia do Sul, Filipinas, Guatemala e Honduras têm unidades como a de Santa Maria. No Brasil, a Vila das Crianças é a única instituição mantida pelo grupo, que, em 2013, aplicava R$ 500 mil por mês para financiar o projeto.

Quem viveu ali relata como era a rotina na escola. Antonia Ilma morou na Vila das Crianças em 2007 e 2008. Ela tinha 11 anos quando deixou os pais, no interior do Tocantins, e se mudou para Brasília. “Venho de uma família simples, com oito irmãos. Uma colega tinha estudado lá e virou freira. Minha família autorizou minha ida por acreditar que seria bom para o meu futuro”, diz Antonia.

No colégio, Antonia e as outras meninas acordavam às 6h e tinham meia hora para se arrumar. Começavam a estudar antes do café da manhã, que só era servido às 7h, após uma oração. Depois de comer, as meninas limpavam a cozinha e organizavam os dormitórios. Em seguida, mais quatro horas de aulas.

O almoço, às 12h, tinha carne, arroz e feijão, muito mais do que a maioria das jovens via em casa, onde a miséria era regra. Depois da refeição, faziam mais algum trabalho doméstico pendente. À tarde, elas assistiam outras quatro aulas. No fim do dia, brincavam ao ar livre, jantavam às 18h e faziam tarefas da escola. Todas deveriam estar na cama às 21h30, quando as luzes apagavam-se.

Aos 13 anos, Antonia foi passar férias em casa e não quis mais voltar à vila. A saudade da família e a vontade de ter mais liberdade pesaram, mas ela diz ter se arrependido da escolha de abandonar a instituição. “Começo da adolescência é uma época complicada. A escola ensina profissão e as freiras eram como mães. Sou muito grata à Vila das Crianças”, afirma.

Além do ensino fundamental e médio nos modelos estabelecidos pelo Ministério da Educação, a Vila das Crianças também oferece cursos técnicos de costura, enfermagem e secretariado às adolescentes.

O Metrópoles entrou em contato com a atual administradora da casa, identificada apenas como irmã Fabiana, mas teve pedidos de entrevistas negados. Ela não quis confirmar se as mudanças prometidas foram feitas. Informou que “seus superiores” não autorizam reportagens, pois há uma fila de espera para estudar no colégio e qualquer divulgação na mídia atrairia ainda mais famílias interessadas. Fabiana não quis comentar o processo judicial que envolve a escola.

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