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Embora anteceda o ensino fundamental, do ponto de vista pedagógico, a educação infantil não deve ser trabalhada como uma fase preparatória ao ciclo de ensino seguinte.
Isso porque é uma etapa que atende crianças na faixa etária de 0 a 5 anos, fase da infância muito promissora que merece ser estimulada com escuta, interação e propostas para desenvolver criatividade e autonomia.
Rhaisa Pael, doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), diz que a maior inovação na educação infantil é adotar práticas a partir de dois eixos norteadores: interação e brincadeira.
“Mas não é uma brincadeira que a professora joga os brinquedos e deixa as crianças. É a interação que é feita, para propor problemas, propor que elas pensem. Não tem nada mais inovador do que a professora que interage com as crianças, com e sem brinquedos, levando para fora da sala”, conta Rhaisa.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento que devem ser assegurados às crianças de 11 meses a 5 anos, matriculadas em creches até a pré-escola. São eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.
A aprendizagem deve se desenvolver a partir de campos de experiências que se dão com experiências concretas da vida cotidiana.
Autonomia
Um grande limitador do desenvolvimento das crianças, na visão da educadora, é falar o que as crianças precisam fazer, dentro das escolas, sem estimular autonomia e protagonismo.
“Se eu deixo as crianças sentadas enfileiradas o tempo todo, como eu estou a instigando a resolver um problema? A gente não propõe desafios para as crianças, estamos sempre dizendo o que elas precisam fazer. Não propomos problemas, não ouvimos as crianças, não deixamos elas falarem. Dessa forma, a gente acaba criando copistas reprodutores, não sujeitos que vão pensar e questionar.”
Rhaisa Pael
As metodologias ativas, que visam colocar o estudante no centro da aprendizagem, podem ser utilizadas na educação infantil, adaptando à realidade das crianças. Na sala de aula invertida, por exemplo, é possível pedir que elas pesquisem previamente algo ligado às suas histórias familiares para discutir depois em sala de aula.
Uma pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal sobre a qualidade da educação infantil apontou que em 42% das turmas avaliadas nas cinco regiões do Brasil não há momentos de brincadeira livre, ou seja, as crianças não tiveram a possibilidade de brincar de forma autônoma.
Ainda assim, quando ocorreram, em 19% delas foi com liberdade restrita, em 17%, sem interação dos educadores, de forma a ampliar a aprendizagem.
Em apenas em menos de um quarto das turmas (22%), de acordo com a publicação, as crianças têm aprendizagens ampliadas em tomadas de decisões, explorando seus próprios interesses de forma independente.
Experiência norueguesa
Rhaisa conheceu recentemente a experiência da Noruega com a introdução de tecnologia digital, que não contempla telas, por meio de brinquedos de codificar. São robôs que se movimentam a partir de criação de códigos feita pelas crianças.
“Você não diz para criança o que ela tem que fazer, você apresenta o problema que é levar o robô de um lugar para o outro, fazer ele desenhar, e ela precisa criar o código para isso acontecer”.
Rhaisa Pael
O uso desta tecnologia colabora com o desenvolvimento de diferentes competências, ao mesmo tempo que atende a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que crianças de até 5 anos de idade não devem passar mais de 60 minutos por dia em atividades passivas diante de telas, seja de celular, tablet ou TV.
Prejuízos
O ensino tradicional que não estimula o potencial das crianças coloca em risco sua própria infância, na opinião de Rhaissa.
“Depois que a gente aprende a ler e escrever, a gente lê e escreve o resto da vida. Agora brincar a gente só brinca quando é criança, porque depois disso não cabe mais, não é mais interessante para o ser humano. O ir para o parquinho só é característico neste momento da infância, e não só da educação infantil, mas do ensino fundamental também”.
Rhaisa Pael
Rhaissa se refere principalmente às crianças que estão nos anos iniciais do ensino fundamental. Desde 2013, esta etapa da educação básica foi ampliada para nove anos e passou a receber crianças com 6 anos, que até então eram atendidas pela educação infantil.
“A gente está tirando o tempo de brincadeira das crianças de 6 anos, que de repente teve de crescer. De um dia para o outro, o discurso virou para ‘aqui você não está mais na educação infantil, aqui a gente não brinca'”.