Iniciativa ecológica de professor muda realidade de escola no DF
Centro Educacional Agrourbano Ipê acumula 11 prêmios e menções honrosas, incluindo concurso internacional em Dubai
atualizado
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Em um bairro misto entre as zonas urbana e rural, projetos desenvolvidos em uma escola pública do Distrito Federal se destacam na missão de despertar, em crianças e adolescentes, a importância da consciência ambiental e preservação da natureza. No Centro Educacional Agrourbano Ipê, localizado no Caub I, os alunos são estimulados por projetos que promovam a sustentabilidade, com o mínimo impacto ambiental. Também participam ativamente de ações de reflorestamento e recuperação de nascentes.
Neste Dia do Professor, comemorado em 15 de outubro, o Metrópoles conta como o esforço coordenado da equipe e das iniciativas idealizadas pelo educador Leonardo Hatano transformou a realidade escolar. O biólogo é autor de várias práticas pedagógicas bem-sucedidas na unidade de ensino. Ele aproveita as atividades para desenvolver o próprio conteúdo ensinado em sala de aula, e também abre espaço para a multidisciplinaridade.
O plano pedagógico baseado em experiências vem trazendo resultados. Nos últimos seis anos, o CED Agrourbano Ipê acumulou 11 premiações ou menções honrosas, incluindo o Zayed Sustentability Prize — concurso internacional que consagra as iniciativas com maior potencial sustentável. O centro de ensino enviou representantes aos Emirados Árabes para receber o troféu da edição do ano passado, em Dubai.
A metodologia também refletiu no desempenho do colégio nas avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A escola já atingiu as metas traçadas para 2021 no Ensino Fundamental. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a unidade tem o melhor desempenho entre as instituições públicas da região.
Confira galeria de fotos do projeto:
Desenvolvimento sustentável
Na escola, a Lei de Lavoisier é demonstrada na prática. Dizia o químico francês que “na natureza, nada se perde, tudo se transforma”. O conceito pode ser visto no tanque de tilápias mantido pela unidade. O processo começa com a captação da água da chuva, que vai direto para um reservatório com capacidade para 11 mil litros, onde foram inseridos 300 alevinos da espécie, seis carpas e dois cascudos, num sistema definido como aquaponia.
“Esse sistema funciona da seguinte forma: a água do fundo do tanque, que possui a maior quantidade de microorganismos, vai para um canteiro de plantas. Nesse canteiro, haverá bactérias presentes no substrato, que transformará a matéria orgânica em amônia. Outra bactéria transformará a amônia em nitrito e outra faz a conversão em nitrato, que é o adubo das plantas. Esses vegetais farão a absorção dessas substância e a água retornará para o tanque. Funciona como um biofiltro”, explica Leonardo Hatano.
Outro experimento com peixes, agora com espécies ornamentais, serviu para exemplificar o que os estudantes aprenderam nas aulas de genética. O professor conseguiu matrizes da espécie guppy — tipo comum em aquários —, que demonstraram como ocorre a transmissão de características hereditárias.
“Fizemos os cruzamentos e conseguimos chegar à segunda geração. Foi interessante porque, por exemplo, coincidiu a proporção de peixes albinos no cruzamento com dois pigmentados”, ensina o professor.
“Pegando por esse gancho, nós resolvemos incentivar a criação de peixes ornamentais pela comunidade, demonstrando que é possível criar num espaço pequeno. Fizemos um comparativo de preço, no qual o quilo da tilápia sai a R$ 25 e o trio de matrizes de guppy gira em torno de R$ 300”, conclui Hatano.
Integração entre disciplinas
O colégio decidiu recuperar uma área degradada onde antes havia um parquinho. Os brinquedos quebrados e a terra arenosa estéril deram lugar à primeira agrofloresta plantada por membros da comunidade escolar. “Depois disso, percebemos a mudança na qualidade do solo, no surgimento de novas espécies e aparecimento de aves que não víamos antes”, conta. A implantação do espaço envolveu alunos e professores de várias disciplinas.
“Tínhamos de fazer o canteiro na direção leste-oeste, para que as plantas pudessem aproveitar melhor a luz do dia. Nisso, ajudou o professor de geografia, que auxiliou os meninos com a bússola para ajudá-los a encontrar os pontos cardeais. A matemática também entrou nos cálculos da área e também pudemos abordar a química, com a análise do PH do solo. Verificamos que estava muito ácido e tivemos de fazer a correção”, detalha Hatano.
Os próprios alunos fizeram mutirões para plantar as sementes e as mudas. “Plantamos árvores frutíferas, rasteiras, leguminosas e até medicinais, tudo misturado, num sistema agroflorestal”.
O projeto Plantando Água foi reconhecido, em 2017, com o prêmio Professores do Brasil, concedido pelo Ministério da Educação (MEC) às melhores iniciativas desenvolvidas em escolas públicas. A ação idealizada por Hatano visa promover na comunidade escolar — cercada por chácaras — a plantação de agroflorestas.
“Aqui, é uma área importante de recarga de lençol freático. A água infiltra em cima e sai em uma nascente lá embaixo. Quanto mais áreas de agrofloresta tivermos aqui, mais água terá na nascente”, ensina.
O modelo de plantio defendido por Hatano foi implantado na chácara da família de uma aluna. Ele conta que, na época, os parentes da menina estavam desmotivados em produzir na terra, mas ganharam ânimo após os vários mutirões de alunos que ajudaram no preparo do solo e plantio.
Veja fotos de Hatano e os alunos em ação:
Qualidade da água
Orientados pelo professor de ciências e biologia, estudantes do CED Agrourbano Ipê ajudam no monitoramento da qualidade da água das nascentes. Em posse de kits de reagentes, alunos do ensino médio medem a quantidade de vários indicadores e elementos na água.
Recentemente, os grupos começaram a fazer a análise microbiológica, em laboratório. “A água das nascentes é excelente para o consumo. É uma pena que, quando se encontra com o Riacho Fundo, essa pureza se perde com a poluição”, diz Hatano.
No Caub, setor no Riacho Fundo II onde a escola está situada, não há coleta ou tratamento de esgoto. Para amenizar o problema, o colégio implantou uma miniestação de tratamento dos dejetos, que ainda não está completo, mas funciona. O sistema usa uma câmara com bactérias que fazem a digestão da matéria orgânica, transformando-a num produto menos tóxico que serve, inclusive, como fertilizante.
Experiências
Quando teve de ensinar sobre polinização para os alunos, Hatano fez uma isca para tentar conseguir que uma colmeia de abelhas da espécie jataí (que não possui ferrão) migrasse para a armadilha preparada por ele. Deu certo. Os insetos deixaram a colmeia que estava na caixa d’água do CED Agrourbano e se instalaram na caixa preparada para recebê-las. O professor explica que a transferência não causou dano, pois a armadilha é elaborada para que os animais se mudem por conta própria.
No local, também há composteira, desidratador de frutas e até um fogão criado com uma antena parabólica. “Essa antena serviu para o professor de física explicar como ocorre a incidência de luz sobre os espelhos côncavos. Como os raios solares se concentram no mesmo ponto, esquenta bastante. Tanto que conseguimos fritar um ovo só com a luz do sol”. E os projetos não param.
Inspirado na casa do joão-de-barro, o professor idealizou uma construção que fosse completamente sustentável. A ideia era demonstrar a viabilidade de edificações ecológicas e de baixo custo. A comunidade escolar ajudou a erguer as paredes, com centenas de sacos cheios de terra, numa técnica conhecida como superadobe.
O telhado também sustentável, é feito de caixas de leite recicladas. “É um dos ambientes mais usados da escola, tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio, e em reuniões”, conta.
Matéria preferida
Ciência é a matéria favorita da maioria dos alunos do Fundamental. Estudante do 6º ano, Carlos Eduardo Magalhães, 12 anos, despertou o gosto pela biologia quando se inseriu no projeto de aquaponia, que envolve o trato com os peixes e o uso da água do tanque na irrigação e fertilização das plantas. “Ainda não escolhi o que eu quero ser quando crescer, só sei que será na área de ciências”, conta o menino.
Melissa dos Santos, 11, se encanta com a diversidade do reino vegetal. “Eu gosto da plantas porque cada uma tem uma função, serve para uma coisa. Cada planta tem um gosto ou serve para fazer algum remédio. Isso é muito legal”, diz a menina, que sonha ser professora.
Para Sheila Mello, diretora do colégio, o plano pedagógico baseado em projetos explica o bom desempenho da escola em indicadores de ensino. “Alguns professores, quando são direcionados para cá, ficam um ou dois anos, não se adaptam, e pedem transferência. Para trabalhar aqui, tem de ter o perfil. Todo ano, nós fazemos oficinas e reuniões para saber o projeto que eles querem no ano seguinte. Todos podem opinar, até os alunos menores”.