Docentes de escola onde professor morreu terão apoio psicológico
PCDF suspeita que Odailton Charles tenha sido envenenado. Sinpro-DF monta ação para amparar colegas de trabalho do ex-diretor
atualizado
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O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) monta ação conjunta para dar apoio aos docentes do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410, na Asa Norte, onde o servidor Odailton Charles de Albuquerque Silva, 50 anos, morreu com suspeita de envenenamento. A intenção é oferecer um ambiente mínimo de conforto a quem ficou nos quadros da escola após o episódio.
A informação foi confirmada à reportagem pela diretora da entidade, Rosilene Corrêa. De acordo com a sindicalista, tanto o Sinpro quanto a Secretaria de Educação (SEE-DF) precisam instituir medidas a fim de garantir o bem-estar dos colegas de trabalho do antigo diretor da unidade de ensino.
“Eles precisam do mínimo de serenidade, de atendimento psicológico. A situação provável é de muita gente querendo sair. Mas quem substituiria esses professores? Não é tão simples assim”, ponderou Rosilene.
Funcionários e estudantes estão abalados com a morte precoce de Charles, como era conhecido entre os colegas e familiares. O caso foi revelado pelo Metrópoles nessa terça-feira (04/02/2020), quando o docente teve morte cerebral decretada.
Odailton teria passado mal na quinta-feira (30/01/2020) após tomar um suco de uva. O velório e o enterro serão nesta quinta-feira (06/02/2020), no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul.
Escola periciada
Em resposta à morte do educador, alunos da instituição estenderam uma faixa de “luto” na fachada do CEF 410. Profissionais do colégio afirmam “não haver clima” para continuarem com as atividades na escola, que passou a ser frequentada, também, por peritos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Nessa quarta (05/02/2020), especialistas estiveram nas dependências do colégio para periciar o local. Um porteiro, que também relata ter passado mal após beber um copo d’água, será ouvido por policiais da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), responsável pelas investigações. “Vamos ouvir um vigilante que estava na escola no dia do fato”, destacou o delegado-chefe da unidade, Laércio Rossetto.
De acordo com o titular da 2ª DP, todas as dependências serão analisadas. “Estamos avaliando tudo para depois cruzar com os resultados de outros laudos”, ressalta.
Ainda nesta quarta, especialistas do Instituto de Criminalística (IC) isolaram em laboratório a substância química que teria provocado a morte do educador. A suspeita é de que o ex-diretor tenha sido envenenado dentro do CEF 410 Norte.
De acordo com peritos ouvidos pelo Metrópoles, os organofosforados, achados nas roupas e no organismo do docente, são inseticidas agrotóxicos muito utilizados tanto em fazendas no DF quanto em plantações e lavouras espalhadas pelas regiões rurais do país. A substância é de fácil acesso e pode ser encontrada em qualquer comércio especializado na venda de produtos agrícolas.
Segundo análise, os organofosforados têm funções específicas para cada tipo de plantação. No entanto, uma das características presentes em todas as vertentes dos inseticidas é curiosa: ele se dissipa pouco tempo depois de ser aplicado.
“Antigamente, esses agrotóxicos permaneciam presentes em frutas, legumes e verduras. Ocorriam casos de pássaros que morriam após consumir um fruto, e o mesmo acontecia com a cobra que se alimentava do pássaro morto. Com os organofosforados, os produtos podiam ser consumidos normalmente após um período de exposição”, explicou um dos peritos.
Com equipamentos sofisticados, o Instituto de Criminalística conseguiu identificar traços do agrotóxico no organismo e nas roupas do professor. Os peritos ainda trabalham para definir, com precisão, à que parte da família dos organofosforados pertence a substância que pode ter sido misturada ao suco tomado por Odailton. Por exemplo, o chumbinho, tipo comum de raticida, é da família dos organofosforados.
Sintomas
Conforme estudos feitos sobre a substância, os sintomas após a ingestão podem aparecer de forma rápida ou tardia, dependendo da quantidade presente nos tecidos humanos. Se a absorção do produto ocorrer pela via respiratória, os indícios tendem a aparecer em poucos minutos. Já nas absorções pelas vias cutânea ou oral – que pode ser o caso do professor Charles – os sinais podem demorar a se manifestar.
A intoxicação por esses agrotóxicos tem o quadro clínico característico de hiperestimulação colinérgica, podendo ser aguda, subcrônica ou crônica (neurotoxicidade tardia). No primeiro cenário, há um conjunto de sintomas denominados síndrome parassimpaticomimética, muscarínica ou colinérgica. A exposição do indivíduo a baixos níveis do composto está associada ao lacrimejamento, à salivação e micção/defecação involuntárias.
Níveis mais elevados podem resultar em confusão, ataxia, diminuição dos reflexos, convulsões, coma e paralisia no centro respiratório. A evolução dos sintomas até a morte decorre da insuficiência respiratória, produzida pelo conjunto de ações muscarínicas nos brônquios, nicotínicas nas placas motora e centrais. O tempo entre a exposição e o óbito pode variar de cinco minutos a 24 horas, dependendo da via de exposição, dose e de outros fatores.
O caso
Charles tomou um suco de uva enquanto participava de reunião na escola onde foi diretor por seis anos. Poucos minutos depois, começou a passar mal. Durante a crise, enviou áudios angustiantes a familiares e colegas, pedindo socorro e detalhando seu estado de saúde. O docente chegou a dizer nas gravações de WhatsApp que desconfiava de alguma substância estranha em sua bebida.
“Alguém me ajuda, alguém me ajuda. Eu cheguei aqui, tomei um suco e acho que colocaram laxante, estou com muita diarreia”, disse o educador.
À medida em que os áudios eram enviados, a situação piorava, o que ficou perceptível devido ao tom de voz e pela dificuldade de respiração do professor.
Uma servidora que estava com o docente em reunião e presenciou o episódio telefonou para a esposa de Charles e informou que ele estava passando mal. A mulher do educador sugeriu que o marido fosse levado ao hospital. O Corpo de Bombeiros foi acionado e conduziu o ex-diretor ao Hran.
Dificuldades com colega
Segundo a reportagem apurou com pessoas próximas ao professor, Odailton chegou a relatar dificuldade de relacionamento com uma colega da escola, justamente quem teria lhe oferecido o suco no dia da reunião.
Em uma das mensagens enviadas a um amigo que também trabalha na instituição, o docente pontuou que sua interlocutora “estava com a cara de poucos amigos”. Frisou ainda que não queria beber o suco, mas acabou aceitando a bebida para não fazer desfeita. O professor desconfiava de que o líquido teria lhe feito mal.
O Metrópoles não vai divulgar o nome da servidora porque o caso está sob apuração e a polícia ainda aguarda o laudo definitivo.