DF: faculdades ameaçam fechar e deixar milhares de alunos sem diploma
Nos últimos oito anos, seis instituições da cidade foram extintas. Outras quatro ainda em atividade acumulam dívidas e processos na Justiça
atualizado
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“Dinheiro jogado fora e atraso de vida.” Assim, objetivamente, Bruno Reis, 25 anos, define os quase dois anos em que esteve matriculado na Faculdade Alvorada. Fechada em 2013, a instituição deu calote em cerca de 200 funcionários e sumiu com o histórico de centenas de alunos. Ao se transferir para outro centro de ensino superior sem ter como comprovar os quatro semestres cursados, o rapaz teve de voltar à estaca zero.
O prejuízo é contabilizado em tempo e em dinheiro. “Perdi por volta de R$ 17 mil. Pior: esse período todo em sala de aula não valeu de nada”, desabafa Reis, que se formou com atraso de quase dois anos. Atualmente, ele trabalha como enfermeiro e professor.
Vítima de estelionato, Bruno Reis e seus colegas da extinta Alvorada integram um batalhão de estudantes que ficaram a ver navios com o encerramento repentino das atividades de faculdades no Distrito Federal.
A prática não é tão rara na capital do país: nos últimos oito anos, seis foram fechadas. Além da Alvorada, integram a lista as faculdades da Terra, Caiçara, Evangélica e Garcia Silveira, além da União Educacional de Brasília (Uneb). A estimativa é que pelo menos mil professores e outros tantos funcionários tenham ficado sem receber suas rescisões contratuais.
Em 2019, pelo menos quatro instituições ainda em atividade correm o risco de seguir o mesmo destino, segundo o Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinproep-DF). Em consequência, milhares de alunos podem ficar sem diploma.
Segundo dados mais recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), essas faculdades tinham em 2017, segundo o último censo realizado pelo órgão governamental, 7.473 estudantes matriculados.
A falta de depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o não pagamento de férias e de 13º salário são, de acordo com a entidade sindical, os primeiros sintomas de que as unidades não vão bem das pernas.
Além disso, na Justiça, correm dezenas de processos trabalhistas contra os dois grupos que representam as faculdades JK, onde havia 3.805 universitários em 2017, segundo censo do Inep; Fortium (3.065); e de Tecnologia e Ciências do Distrito Federal Darwin, a Faceted (129); bem como o Instituto de Ensino Superior Planalto, o Iesplan (474).
Diplomas falsos
A situação da Darwin, localizada no Areal, em Águas Claras, é a mais emblemática: denunciada pelo Ministério Público Federal no DF (MPF-DF) por venda de diplomas falsos e por ignorar acordos trabalhistas com ex-empregados, permanece com as portas abertas.
A Darwin também é acusada pelos procuradores de emitir certificados de cursos que jamais tiveram licença para funcionar no local. Apesar dos reiterados pedidos do MPF-DF ao Ministério da Educação (MEC), ela nunca foi descredenciada.
No mais recente despacho, as procuradoras da República Eliana Pires Rocha e Ana Carolina Roman destacam que a instituição dirigida por José Marcelino da Silva não apresentou, ao longo dos anos, “índices mínimos de qualidade de ensino, tendo-se, também, aliado ilegalmente a outras instituições para ministrar cursos não autorizados. Sua atuação se dá num contexto de ilegalidades desde 2008, o que exige medidas urgentes que ponham termo a esse estado de coisas ilegais”.
Demissões em massa
Com sete unidades espalhadas pelo DF, as Faculdades JK começaram a dar sinais de crise há dois anos. Os cerca de 300 funcionários, conforme o Sinproep, recebem pagamentos com atraso e não têm recolhimento regular do INSS. As irregularidades recorrentes colocaram a JK na mira do Ministério Público do Trabalho (MPT), que, por meio da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, abriu investigação.
Atualmente existem dois grupos que carregam a marca “JK”: o Azul e o Laranja. O Grupo JK (logomarca laranja) compreende as unidades de Taguatinga Norte, Santa Maria e Asa Norte. A separação econômica, contábil e jurídica se deu em 1989, mas os dois grupos mantiveram o nome fantasia “JK”. Ambos estão em atraso com verbas salariais dos professores e, por conta disso, respondem a processos no MPT.
No último dia 12, o Grupo Azul , detentor de quatro unidades de ensino (Gama, Asa Sul, Guará e Samambaia), dispensou, de uma só vez, 40 docentes. Segundo o Sinproep-DF, nenhum deles recebeu todos os direitos trabalhistas.
Já no caso da Fortium, há outro problema a ser sanado: a dívida com aluguéis, que ultrapassa R$ 1 milhão. O calote virou objeto de uma ação que tramitou na 25ª Vara Cível de Brasília – a instituição foi despejada do prédio na 616 Sul. Hoje, mantém três unidades (Setor Bancário Sul, São Sebastião e Gama).
Notas baixas no MEC
A maioria das faculdades em crise no DF carrega um desempenho mediano ou ruim na avaliação do MEC. Em 2018, numa escala de 1 a 5, nenhuma instituição privada alcançou a nota máxima. O Iesplan e três unidades do Grupo JK (Sobradinho, Gama e Samambaia) tiraram nota 2, considerada abaixo do ideal.
A Faculdade JK do Guará e a Fortium alcançaram nota 3. A Uneb, que ainda estava aberta no ano passado, e a Darwin foram classificadas como “sem conceito” pela entidade máxima da educação brasileira.
Para a doutora e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Carmenisia Jacobina Aires, o estudante tem o dever de buscar todas as referências possíveis antes de se matricular em uma instituição de ensino superior. Ela esclarece, no entanto, que o MEC também é responsável por diversas falhas na fiscalização dos cursos.
“O MEC autoriza, é corresponsável e precisa ser exigente ao conceder autorização para a abertura de uma faculdade. Com relação ao aluno, a orientação é que não leve em consideração apenas o valor da mensalidade: procure informações sobre o corpo docente, avalie a estrutura e acompanhe o projeto pedagógico desenvolvido”, aconselha.
O direror do Sinproep, Rodrigo de Paula, também coloca na conta do MEC os transtornos causados a trabalhadores e estudantes de faculdades “sem compromisso com a educação”. Para o sindicalista, o ministério, de certa forma, é conivente quando demora a tomar algum tipo de providência.
Denunciamos algumas dessas faculdades fechadas mais de 20 vezes e nada foi feito. É um prejuízo enorme não só para o professor, mas, principalmente, para o aluno que, muitas vezes, nem sequer consegue resgatar seu histórico
Rodrigo de Paula, diretor-jurídico do Sinproep
Outro lado
O Metrópoles procurou os responsáveis por todas as instituições de ensino citadas na reportagem.
Em nota, o Iesplan admitiu alguns passivos trabalhistas e atribuiu o contratempo à “crise financeira que assola a sociedade brasileira”. No texto, a faculdade destaca estar “imbuída do firme propósito de regularizar todas as pendências e dificuldades de ordem financeira que enfrenta ao longo dos últimos anos, sem jamais fugir de suas obrigações”. A instituição encerra dizendo que vem se esforçando para abreviar os litígios, “seja pela via da negociação, seja pelo arbitramento de um valor justo”.
A diretora de Regulação e Expansão da Fortium, Neire Cristina Carvalho, admitiu os passivos com funcionários e empregados, mas garantiu que “não há atraso de salário há oito meses”. Com relação aos outros direitos trabalhistas não quitados, como 13º, férias e não recolhimento de INSS, explicou que foi feito “um acordo com o Ministério Público e todos os débitos foram negociados e estão sendo quitados parceladamente”.
A reportagem deixou recado nas sedes dos grupos Azul e Laranja das Faculdades JK. As secretárias prometeram levar o assunto aos superiores e retornar o contato, o que não ocorreu até a última atualização deste texto. O espaço segue aberto a manifestações.
Na Uneb – que mantém apenas um escritório em funcionamento na Asa Sul –, um funcionário da área administrativa, identificado como Paulo Sena, pediu para que as perguntas fossem encaminhadas por e-mail. Os questionamentos, segundo ele, seriam repassados para o responsável pela instituição, Epaminondas de Campos. No entanto, as respostas não foram enviadas até a publicação desta matéria.
O proprietário da Darwin, José Marcelino da Silva, não atendeu às ligações feitas para dois números de celulares. Os telefones fixos disponíveis no site da instituição também apenas chamavam. No fim de 2017, ao comentar uma denúncia do MPF, ele disse ao Metrópoles que a instituição tem projetos pedagógicos acompanhados por profissionais de renome. Destacou aina que, desde 2012, não oferta cursos de pós-graduação no local. “Temos 100% de honestidade. Trabalhamos dentro da lei”, garantiu na época.