Crianças indígenas caminham 1 km todos os dias para pegar escolar
Pais reclamam da insegurança de deixar os filhos pequenos fazerem sozinhos o trajeto entre reserva e ponto de ônibus na Epia Norte
atualizado
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Faça chuva ou sol, as cerca de 30 crianças que moram na aldeia indígena Teko Haw — localizada no Santuário dos Pajés, próximo ao Noroeste — precisam andar aproximadamente 1 km até a Epia Norte para pegarem o transporte escolar que os leva para diversas escolas na Asa Norte e no Cruzeiro.
Com idades de 5 a 17 anos, os estudantes passam pelo esforço diário durante a semana. Jaline reclama: “Não gosto [do caminho]. É muito longe”. Já Amaro só não acha ruim quando o pai, Ashaninka, está de carro e o conduz até a parada de ônibus.
Os alunos são ainda reféns do clima. Nessa quarta-feira (11/12/2019), por exemplo, as crianças que ainda não terminaram o ano letivo saíram da aldeia debaixo de temporal. Sem guarda-chuva para todos, a maioria do grupo infantil chegou encharcada ao ponto de ônibus e, consequentemente, suas respectivas escolas.
Uma dos pequenos estava tão molhado pela água da chuva que a mãe o levou de volta para a moradia da família. No entanto, Ashaninka ressalta que nem sempre é possível deixar os filhos em casa. “Tem um limite [de faltas]. Se eles não forem, perdem o direito de estudar”, lamentou o pai de Amaro.
Ele conta ainda que são frequentes os casos em que as crianças indígenas são intimidadas pelos outros alunos por chegarem molhadas ao colégio. O bullying ocorre também por causa do sotaque. O grupo tem como língua-mãe o Tupi Zen’gnte, ensinado pelos mais velhos da tribo.
Na aldeia, os adultos fazem questão de passar para a garotada noções sobre a cultura indígena, como o idioma — tanto na fala quanto na escrita. Ashaninka destaca que as tradições indígenas não estão inseridas na grade curricular das escolas frequentadas pelos meninos e meninas da Teko Haw.
Insegurança no trajeto
Depois de uma caminhada de mais de 10 minutos, é preciso esperar. Todos ficam atentos ao horário: o transporte está marcado para passar às 11h40, enquanto a aula começa às 13h. Porém, não é sempre que há pontualidade.
“Tem o trânsito, então, às vezes, atrasa”, conta o cacique da aldeia, Francisco Guajajara. Por causa da chuva, o ônibus também costuma chegar depois do horário previsto. Para não irem ao colégio com fome, as crianças costumam comer antes de sair de casa.
Enquanto esperam, os estudantes estão sujeitos a tudo. Nessa quarta-feira, três adultos acompanhavam meninos e meninas no trajeto, mas nem sempre é possível ter uma mãe ou um pai zelando por eles. Ashaninka se preocupa quando não há ninguém conhecido com as crianças. “[A EPIA] é movimentada. Passa muita gente que não sabemos quem é”, explica.
O medo de os filhos serem abordados por alguém mal-intencionado é grande. Ashaninka conta ainda que não são raras as ocasiões em que já está escuro quando os estudantes retornam da escola e precisam percorrer o caminho sem luz até a aldeia, o que aumenta a preocupação.
Diante do cansaço, das dificuldades trazidas pelo clima e da insegurança, os indígenas pedem que o ônibus passe pela aldeia. Apesar de a estrada ser de chão batido, eles afirmam que veículos transitam tranquilamente pelo local.
O Metrópoles questionou a Secretaria de Educação do DF sobre a possibilidade de o transporte escolar chegar até a porta das casas dos indígenas. A pasta informou ter realizado vistoria na região. Após fazer medições, o órgão “verificou que, do ponto mais distante da aldeia Santuário do Pajé, os alunos andam cerca de 900 metros até o local de embarque e desembarque. A dificuldade de acesso não permite a entrada dos ônibus na região da aldeia, que é área federal, descoberta pelos contratos de transporte, que só permitem os veículos circularem no Distrito Federal”.
Dinheiro pouco
Apesar de todas as dificuldades, o cacique Francisco Guajajara afirma que já foi pior. “Para conseguir [o ônibus], não foi fácil. A gente pediu muito para o governo. Tivemos ajuda do conselho tutelar”, lembra.
No local desde 2008, só em 2013 a comunidade assegurou o transporte escolar para as crianças. Antes disso, os estudantes da aldeia tinham que se virar para chegar ao colégio. “Tínhamos uma Kombi que o Detran [Departamento de Trânsito] levou”, relata Francisco Guajajara. “A gente gastava o dinheiro que não tinha”, completa Ashaninka.
Os índios têm como renda apenas os artesanatos que vendem em eventos pela cidade e nas lojas de conhecidos na Feira da Torre. É com esse recurso que eles adquirem o material escolar dos pequenos.
As refeições são feitas com o que eles mesmo plantam na terra demarcada pela Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap). E as roupas usadas pelos indígenas são doadas por quem se dispõe a ajudá-los. Guajajara afirma que a comunidade está aberta a receber doações.
Acordo prevê escola indígena
A aldeia indígena Teko Haw está dentro do Santuário dos Pajés, que foi alvo de disputa judicial por 13 anos. Só em 2018, foi assinado um acordo que delimita a área a ser usada pelos indígenas no Noroeste em 32 hectares.
As partes — o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) — se comprometeram a reflorestar uma área degradada e a construir um centro indígena, além de um ambiente escolar com pelo menos duas salas, o que ajudaria na rotina dos pequenos. O prazo para essas e outras melhorias é de 10 anos.
A reportagem entrou em contato com as partes para saber sobre o andamento dos pontos acordados.
A assessoria da Terracap informou que o acordo judicial homologado estabeleceu o cumprimento de algumas providências imediatas que já foram adotadas pela agência. Entre as quais, o cercamento da área e a instalação de um posto de vigilância por até três anos.
“Quanto à execução das construções previstas na Cláusula Terceira, em especial à construção de um ambiente escolar, a Terracap tem um prazo de até 10 anos para a conclusão, mas estamos preparando uma proposta de layout, contendo a disposição das edificações, bem como as principais medidas de cada construção para que possamos, ainda em janeiro de 2020, iniciar as tratativas de definição do Projeto Básico de comum acordo com a comunidade indígena e com a Funai”, detalhou a assessoria, em nota enviada à reportagem.
“Assim que concluirmos conjuntamente as especificações desse Projeto Básico, daremos início ao processo de licitação para contratação do Projeto Executivo e, numa etapa final, daremos andamento à licitação das obras correspondentes” da escola, acrescentou a Terracap.
No MPF, segundo a assessoria, houve troca do procurador responsável pelo caso e o novo titular está se inteirando do assunto e se manifestará em seguida.
A Funai ainda não se pronunciou sobre os pedidos da reportagem. O espaço segue aberto a todas as partes.