Adolescente de centro de internação vence concurso da Unesco sobre o Dia dos Professores
Jovem do Distrito Federal em conflito com a lei homenageou a professora da UnB Débora Diniz
atualizado
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Uma adolescente do Distrito Federal em conflito com a lei foi a vencedora do concurso promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em homenagem ao Dia dos Professores, comemorado nesta quinta-feira (15/10).
Na competição, jovens tinham de escrever cartas ou produzir vídeos explicando o que fazia de seus professores heróis. Estudante do ensino médio, A.B., 18 anos, homenageou Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis — Instituto de Bioética.“Em um lugar que só tem grades, ela chega com livros nas mãos. Toda frágil, passa pelo corredor pesado de maldades, para na porta do meu quarto e abre um sorriso que reflete um futuro cheio de promessas”, diz o início do texto premiado.
Ela diz que sou capaz, que tenho muitas qualidades, que isso vai acabar e que, quando eu estiver em liberdade, poderei recomeçar junto com ela
Trecho da carta escrita pela adolescente A.B., de 18 anos
A adolescente conheceu Débora quando foi selecionada para participar, como pesquisadora, do estudo etnográfico coordenado pela professora na Unidade de Internação de Santa Maria (UISM). O local é o único da rede socioeducativa do DF a receber meninas adolescentes, e foi apelidado pelas internas de Cadeia de Papel.
Por meio da literatura, a professora e a jovem se aproximaram e passaram a trocar cartas sobre os livros compartilhados.
Entre as leituras, estão clássicos como “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski; “Carandiru”, de Dráuzio Varella; “High Price”, de Carl Hart; além de “Orange is the New Black”, de Piper Kerman; e o recém-lançado “Cadeia – Relatos de Mulheres”, da própria Débora Diniz.
Foi Débora quem comunicou à adolescente o resultado do concurso. No grupo de pesquisa, todas comemoraram. “Não tenho nem palavras para descrever como a gente se emocionou. Estou aprendendo muito com ela, todos os dias”, diz Maria Cristine Lindoso, 21 anos, estudante de direito da UnB e integrante do projeto.
A gente vê que as dúvidas que ela tem sobre o futuro diminuem cada vez mais, porque tem alguém acreditando nela.
Maria Cristine Lindoso, estudante
Maioridade penal
“Nossa pesquisa tem várias vertentes. A minha é sobre a dinâmica de como funcionam as medidas socioeducativas e sobre como a redução da maioridade penal não ajuda a reeducar as pessoas. A voz da A.B. é uma voz lá de dentro, sobre tudo que ela e outras meninas passaram. Percebemos como elas sofrem de amor, de dor e de saudades, como todas as outras pessoas”, explica Maria Cristine.
Em duas semanas, A.B. fará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O desejo da adolescente é cursar publicidade. Mais do que conteúdos para a prova, entretanto, ela diz que sua professora lhe ensinou “sentidos para a vida” e, por isso, é sua heroína.
A competição
Esta é a quinta edição consecutiva do concurso realizado pela Unesco, que teve participação recorde em relação às anteriores. No total, 667 trabalhos foram enviados por jovens de todas as regiões do país — 167 vídeos de até 30 segundos e 500 textos de até 500 caracteres.
A vencedora na categoria vídeo foi a estudante Natalia Maria, que homenageou a professora Elaine Tomazinho, da cidade de Peruíbe (SP). Na mesma categoria, receberam menção honrosa os estudantes Valéria Picanço (Belém), Luis Gustavo Bretz (Ribeirão das Neves-MG), Adriano Junior (Jardim-MS), Daniela Lu (São José dos Campos-SP) e Claudia Krause (Espigão do Oeste-RO).
Já na categoria texto, a menção honrosa foi para Melanie Backes Arnold, Michelle Rodrigues (Palmas), Walace Ferreira (Petrópolis-RJ), Nibeli Alff (Estância Velha-RS) e Michele Strey Frederico (Cacoal-RO). A lista completa dos vídeos e das cartas selecionados pela Unesco pode ser vista na página do concurso, no Facebook.
Leia a carta na íntegra:“Em um lugar que só tem grades, ela chega com livros nas mãos. Toda frágil, passa pelo corredor pesado de maldades, para na porta do meu quarto e abre um sorriso que reflete um futuro cheio de promessas. Ela diz que sou capaz, que tenho muitas qualidades, que isso vai acabar e que, quando eu estiver em liberdade, poderei recomeçar junto com ela. Às vezes, penso em desistir, mas ela me olha nos olhos e diz “eu estou com você”. Sou uma adolescente em conflito com a lei, estudo em escola de cadeia e tenho 18 anos. A minha professora não ensina matérias, mas sentidos para a vida. É isso que a faz minha heroína.”