Edital do DER para reforma do viaduto que caiu é contestado no TCDF
Entidades, especialistas e político alegam que, neste caso, é ilegal a autarquia contratar empresa por meio de pregão
atualizado
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Desde 6 de fevereiro, quando desabou o viaduto sobre a Galeria dos Estados, no Eixão Sul, surgiram embaraços relacionados à responsabilização pelo desastre e ao projeto de recuperação da estrutura. Seis meses depois, a licitação do Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER) para escolha da empresa responsável pela obra, marcada para as 10h desta quinta-feira (16/8), por pregão presencial, é contestada.
O argumento é que legislações vigentes proíbem expressamente a contratação de serviços de engenharia por meio da modalidade, como estabelecem os Decretos nº 3.555/2000 e 5.450/2005.
Uma representação exigindo a suspensão do Edital nº 01/2018-DER/DF foi protocolada no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) na tarde dessa terça-feira (14) pelo deputado distrital e vice-presidente da Câmara Legislativa, Wellington Luiz (MDB). O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) também se posiciona contra os trâmites empregados para a seleção da construtora.
No pregão, ganha quem apresentar a proposta com menor preço. A expectativa do GDF é fechar contrato com a vencedora de 15 a 20 dias após a divulgação do resultado. O tempo previsto para execução da reforma é de cinco meses, ao custo de R$ 12,8 milhões.
O processo para aprovação do projeto teve impasses logo no início. A primeira versão foi rejeitada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF), pois previa uma mudança arquitetônica nos pilares de sustentação da estrutura. O GDF optou por grandes colunas a fim de tentar evitar a demolição total do viaduto, mesmo sendo alertado dos riscos por uma comissão formada por especialistas da UnB. Três dias depois, o governo distrital apresentou novo planejamento, dessa vez readequando o desenho, medida que resolveu o imbróglio.
Decisão contestável
Passados meses da queda, a pressa para a contratação da empresa em realizar a obra tem uma razão: um acordo selado pela Justiça Federal em 14 de junho, resultado de uma ação civil pública proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil do DF (OAB-DF), que acusava o governo local de ser inerte e apontava riscos de novos desabamentos. A decisão deu ao GDF prazo até 15 de setembro de 2018 para que seja iniciada a reconstrução do viaduto, caso contrário, teria de pagar multa diária de R$ 20 mil.
Na ocasião do acordo, a juíza Diana Wanderlei, da 5ª Vara Federal Cível, dispensou licitação para realização da obra, considerando tratar-se de situação de emergência com riscos à população. Embora o DER tenha acrescentado ao certame o trecho da audiência a fim de justificar a dispensa de concorrência pública, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) recorreu à mesma Lei de Licitações para contestar a celebração de convênios com construtoras por meio de pregão.
O pregão só pode ser empregado para contratação de bens e serviços comuns: não é o caso do viaduto. Pelo menos é o que consta na Lei nº 10.520/2002, que considera bens comuns “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.
Os Decretos nº 3.555/2000 e 5.450/2005, regulamentadores do pregão, dizem, expressamente, que a modalidade não se aplica a contratações de serviços de engenharia, seja na forma presencial ou eletrônica.
“Edital irresponsável”
O conselheiro federal Edson Alves Delgado, vice-presidente do Confea, explica que o tema é discutido desde 2007, sendo tal modalidade não considerada segura pelo Conselho.
“O Confea é veementemente contrário a esse tipo de licitação, dada a especificidade da obra de engenharia. Obras e serviços de engenharia jamais poderão ser classificados como comuns. O pregão pode encontrar o melhor preço, mas ele não está atrelado à qualidade e à segurança da obra. É uma economia que não garante qualidade”, afirma.
O engenheiro e ex-professor da Universidade de Brasília João Carlos Teatini também contesta a contratação via pregão e afirma: o edital foi feito de forma “irresponsável”.
“Não é uma obra de repetição, é o caso de um viaduto que desabou. Isso deveria ter sido feito de forma mais aberta. O pregão, da maneira como foi feito, deixa dúvidas sobre como a obra será executada. Considero uma forma quase clandestina. Desafio o GDF a apresentar algum caso como esse”, questiona.
Chama atenção o posicionamento do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-DF) em relação ao episódio. A entidade alega não ter pedido a impugnação do pregão “dada a circunstância judicial envolvendo o viaduto”. No entanto, em 30 de julho, o Crea-DF resolveu socorrer-se da legislação para suspender o Pregão Eletrônico nº 16-2018, que se propunha a escolher empresa de engenharia de pavimentação para asfaltar os acessos da Central de Abastecimento do DF (Ceasa-DF).
Quem engrossa o coro daqueles que consideram o edital ilegal é o ex-diretor do DER e ex-presidente do Confea e do Crea-DF Henrique Luduvice: “Registro que não há previsão na legislação, seja em leis, decretos ou jurisprudências, para que se realize qualquer contratação de obras de engenharia utilizando-se a modalidade pregão”, disse. “Surpreende o fato de que o DER, até recentemente uma referência junto ao TCDF em processos licitatórios, apresente à sociedade, nesta gestão, uma ilegalidade desta magnitude”, completou.
Outro lado
O DER informou que, segundo decisão judicial de 14 de junho de 2018, houve dispensa da licitação para as obras do viaduto. A escolha pelo pregão presencial, segundo o órgão, tem como objetivo garantir a competitividade, transparência e economicidade no processo, sem perder a celeridade. O DER não respondeu se considera a obra um “serviço comum”.
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Queda do viaduto
Por volta das 11h50 do dia 6 de fevereiro, o viaduto sobre a Galeria dos Estados desabou. A estrutura caiu sobre quatro carros e um restaurante, mas não houve feridos. Laudo pericial elaborado pelo Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), ao qual o Metrópoles teve acesso, confirmou que há tempos a estrutura pedia reparos.
Reveja fotos que mostram o viaduto após a queda:
Reveja o vídeo do momento da queda do viaduto:
Responsabilização
No dia do desabamento, o próprio governador Rodrigo Rollemberg (PSB) admitiu que a estrutura não tinha passado por manutenção. Logo depois, demitiu o então diretor-presidente do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Henrique Luduvice.
Desde então, foram abertas investigações no Tribunal de Contas do DF, Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e Câmara Legislativa para apontar as responsabilidades pelo desabamento. No âmbito do GDF, porém, não foi aberta qualquer sindicância para investigar o caso.
Os documentos mostram que os assuntos referentes ao viaduto da Galeria dos Estados eram tratados pela Novacap desde 2011. A empresa pública assinou o Convênio n° 138 com a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) para elaboração de projetos de execução e recuperação de 12 pontes e viadutos.
Também foi a Novacap quem contratou, em 2012, a empresa SBE Soares Barros Engenharia para a elaboração de estudos e projetos de restauração e ampliação do local. Em 2014, um documento técnico da companhia urbanizadora já alertava para a necessidade de obras imediatas na Galeria dos Estados, inclusive nos viadutos sobre ela.