Startups vão da IA à gestão de futebol na criatividade candanga
Especialista aponta que muitos obstáculos precisam ser superados no setor, mas cenário é positivo. Capital é o maior celeiro do Centro-Oeste
atualizado
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Inteligência artificial em sala de aula, seguro por demanda, plataforma para organizar campeonato de futebol e mecanismos com o objetivo de inibir a venda de bicicletas roubadas. Esses são apenas alguns dos serviços de startups que nasceram no Distrito Federal.
No Centro-Oeste, a capital é o maior celeiro para esses negócios. Brasília abriga, atualmente, 209 empresas desse tipo, de acordo com dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Desse total, 40% estão em fase de tração – etapa de crescimento e em busca de investimento. Oito delas se encontram em scale-up, período definido pelo crescimento de 20% em três anos consecutivos.
Importante definir o que é uma startup. A maioria dos sites especializados têm um conceito fixo: “Empresa jovem com um modelo de negócios repetível e escalável, em um cenário de incertezas e soluções a serem desenvolvidas”. Em outras palavras, um empreendimento que sobreviva ao mercado atual, seja criativo, inovador, entregue o produto ou serviço em grande escala e aumente a receita, mesmo com custos crescendo em ritmo lento.
O DF aparece ainda entre as 10 cidades brasileiras com mais empresas no ramo. Segundo os registros da ABStartups, a maior parte dos negócios que atuam na capital do país estão na área de educação: são 24. Na segunda colocação aparecem as startups em agronegócio, empatadas com o setor de finanças, com oito companhias cada.
Como um todo, o Brasil conta com 12.722 startups, de acordo com dados divulgados em setembro deste ano. O número é duas vezes o registrado em 2017. Já são 591 cidades brasileiras que possuem pelo menos uma empresa de tecnologia – 10,5%, considerando-se o total de municípios, de 5.570.
Boas expectativas
Alexandre Kieling, coordenador-geral de desenvolvimento e inovação da Universidade Católica de Brasília (UCB), conta que a capital se encontra no estágio de muitas ideias. “É a natureza do Distrito Federal, que tem muita gente com nível alto de formação e com o olhar mais inquieto para o que está acontecendo.”
Mesmo com o bom cenário apontado pela pesquisa da ABStartup, Kieling acredita que muitos obstáculos para a área ainda precisam ser superados na capital. Para ele, falta investimento na infraestrutura de rede, que ainda encontra pontos cegos. E há posicionamentos tributários a serem revistos. “Tem startup pequena que paga mais imposto que empresas maiores”, conta.
Mesmo assim, as expectativas são boas. Segundo o professor, diversos setores já compreenderam o potencial econômico das startups dentro do DF. “O cenário hoje é extremamente positivo. Tem muita coisa para fazer, muito obstáculo a superar. Entretanto, o movimento é muito forte e significativo.”
Kieling aponta a cultura e a arte aliada à tecnologia como a vocação econômica do Distrito Federal. Atualmente, lideram finanças, educação e biotecnologia, de acordo com o professor.
Inteligência artificial e educação
A brasiliense Habitat Co nasceu com o objetivo de mudar os modelos de educação na capital. “Percebi o contraste de como os cursinhos ensinam o inglês e como eu aprendi rápido. Eu me questionei se o problema estava no aluno ou na metodologia”, conta Guilherme Berbert, fundador da startup.
No ano passado, Guilherme começou a dar aulas particulares de inglês, oferecendo um serviço pensando nas características individuais dos estudantes. Um dos alunos, que trabalha com tecnologia, deu a ideia de aliar a personalização à inovação. Então, a empresa passou a usar inteligência artificial (IA) na elaboração de planos de ensino.
“Temos uma base de dados que faz a ligação entre o perfil do aluno, qual o melhor conteúdo para ele e qual é a forma mais rápida de aprendizado”, explica Guilherme. O primeiro passo é o preenchimento de um formulário, usado para nortear as primeiras aulas.
A partir daí, o professor faz um acompanhamento individual e insere novas informações no sistema sobre que métodos funcionam ou não para o aluno. Por último, o estudante faz uma avaliação das aulas. Todos os dados colhidos são usados para que a aula e os métodos usados estejam cada vez mais alinhados ao perfil do aluno.
O principal desafio apontado por Guilherme é o custo. “É um produto muito caro, por ser individualizado. O nosso público acaba se tornando seleto”, conta. Com os preços elevados, o fundador da Habitat Co teve até que limitar o número de estudantes. “Teríamos que ter uma estrutura maior para isso.”
Atualmente, o negócio passa pela fase de busca de investimento, para crescer e transformar o modelo em algo rentável. Hoje, a mensalidade é de R$ 406,55. “Meu objetivo é que, assim que isso acontecer, eu migre para a área”, afirma Guilherme, que tem outro emprego.
A intenção também é expandir. “Podemos aplicar em escolas e aumentar a eficiência de ensino, mentorias e de trabalho individual”, sonha Guilherme.
Longo processo
O professor Alexandre Kieling conta que o processo de desenvolvimento de uma startup não é simples. “O primeiro desafio é a curva de aprendizado. Os idealizadores devem compreender se a proposta deles encontra claramente uma demanda da sociedade ou da economia”, explica.
Em seguida, vem o processo de pré-aceleração. “Não adianta só ter uma ideia. Tem que formatar o negócio, ver se tem mercado, cliente que pode pagar pelo serviço e, a partir daí, criar o modelo de negócio”, conta Kieling.
O número de sugestões semelhantes para uma mesma demanda também é um desafio para os novos empreendedores. Nessa etapa, poucas ideias resistem, passando de milhares para centenas.
Após a formatação, o terceiro passo é o da busca por investimento, quando o negócio finalmente começa a acontecer. De novo, muitos desistem. “Mesmo entre as iniciativas que decolam, não são todas que terão sucesso absoluto”, afirma o professor.
Do erro ao acerto
Criadores do iFut, Hugo Monteiro e André Miguez sentiram na pele os desafios do desenvolvimento da empresa, antes de verem a startup crescer e alçar voos fora do DF. Foram quatro anos de trabalho até que os amigos encontrassem o modelo que oferecem hoje ao público.
“Nós erramos muito, jogamos muito dinheiro fora. Descobrimos que fizemos muita coisa que não tinha necessidade no mercado”, conta Hugo, sobre o início da empresa. Agora, o time conta com uma equipe de sete pessoas.
A plataforma permite a organização de campeonatos de futebol, com o uso de tabelas e até estatísticas sobre os jogadores. Classificação, ranking de atletas e agenda de jogos aproximam o amador do profissional. A cartela de clientes inclui escolinhas de futebol, federações e empresas.
O iFut ganhou a forma atual quando o grupo percebeu quanto as pessoas gostavam de saber sobre as estatísticas do jogo – quem foi o melhor em campo e quem fez mais gols, por exemplo. “Todos os dias, a gente ia em algum campo diferente, com um papel, e perguntava se podia fazer as estatísticas. No fim, eles gostavam tanto que pagavam pelo serviço”, afirma o publicitário.
André e Hugo decidiram, então, levar o serviço da pelada para o futebol amador, depois de estudarem o mercado e encontrarem mais de 125 mil campeonatos no país. Em sua maioria, eles faziam o serviço oferecido pela empresa de maneira mais trabalhosa. Após a parceria com uma aceleradora da capital, o número de usuários cresceu, entre junho e outubro deste ano, de 30 mil atletas para 150 mil.
Atualmente, o iFut oferece três tipos de serviço: uso de apenas algumas funcionalidades liberadas, de maneira gratuita; acesso a mais recursos, como impressão de súmula, por R$ 99; e todos os serviços liberados, por R$ 20 o time. Os valores são pagos para cada campeonato.
O número de produtos vai crescer. A próxima etapa é fazer a ponte entre os grandes clubes de futebol do país e os atletas que usam a plataforma. “Com as estatísticas, conseguimos descobrir o melhor atleta de cada região e vendemos a informação para os clubes. Assim, eles podem fazer as peneiras e os testes”, explica André.
Os fundadores da startup esperam que, com o serviço, jogadores sejam descobertos em todos as regiões brasileiras, não só nos grandes centros, como costuma acontecer. “O iFut consegue chegar em periferia, em aldeias aonde os olheiros não conseguem chegar.” Para tirar a ideia do papel, eles vão entrar em uma nova rodada de investimentos.
Mundo masculino
O perfil de fundadores para a capital é definido pela atuação masculina. Segundo um levantamento da ABStartutps, 54% dos negócios foram arquitetadas por um homem; 27% têm mais de um fundador, sendo a maioria homens. Em 15% dos casos são de uma única fundadora mulher. Em startups criadas por mais de uma pessoa, em apenas 4% a maioria das sócias é mulher.
Kieling, no entanto, acredita que o cenário está mudando. “O problema é que, no início, a informática pareceu ser um território mais masculino do que feminino”, explica. O professor conta que, na universidade, aparecem cada vez mais projetos apresentados por mulheres. “Não tem mais como trabalhar com essa perspectiva de que há território de X ou de Y.”
Para ele, o cenário percebido em pesquisas como a da ABStartutps é herdado de anos passados. À época, a informática e a tecnologia ainda eram vistas como espaços mais masculinos.
Conheça outras empresas nascidas em Brasília:
Ribon: com o app, é possível doar para ONGs sem gastar nenhum centavo. Empresas patrocinam a moeda virtual ao anunciar na plataforma. De acordo com a escolha dos usuários, os “ribons” são convertidos em dinheiro real e doados a causas sociais.
Bike Registrada: a empresa criou um cadastro de bicicletas que identifica dados dos veículos e dos donos. O objetivo é inibir o comércio ilegal e ajudar a recuperar bicicletas roubadas por meio do alerta de roubo. A plataforma reúne ainda informações vitais do ciclista e contato de emergência em caso de acidente.
Probono: oferece atendimento jurídico on-line. Os advogados informam o usuário de todas as etapas do processo e o acompanham em audiências. Se a pessoa ganhar na Justiça, a plataforma cobra 25% do ganho. Em caso de perda, o serviço não é cobrado.
Onsurance: o site oferece seguro sob demanda para todo o país. Apenas para automóveis, a cobertura funciona como um celular pré-pago: o usuário coloca créditos e gastos de acordo com o uso.