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Poupando em cofrinhos, crianças do DF dão aula de educação financeira

Pouco explorado nas escolas, o tema deve ser ensinado desde o nascimento dos filhos, dizem especialistas. Veja dicas para aplicar em casa

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JP Rodrigues / Especial para o Metrópoles
Lucas Patrick
1 de 1 Lucas Patrick - Foto: JP Rodrigues / Especial para o Metrópoles

Aos 8 anos, Lucas Patrick de Deus Ribeiro tem em casa dois cofrinhos, um de moedas e outro apenas para notas. Quando o primeiro fica cheio, o garotinho faz a troca no comércio local de onde mora, no Paranoá, para abastecer o segundo cofre. A quantia poupada até o momento é pequena, apenas R$ 10, mas a intenção é aumentar a reserva para alcançar um objetivo que já está na ponta da língua: “Guardo para comprar um celular”, contou.

Em um país onde 63,4 milhões estão com dívidas em atraso, de acordo com o o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a atitude simples do menino é crucial para um movimento de mudança. Especialistas ouvidas pelo Metrópoles afirmam que educar desde cedo, em casa e na escola, é a melhor forma de evitar o endividamento de adultos.

Isabella Xavier de Sousa, 9 anos, também já faz suas economias em casa, mesmo sem receber mesada, mas ainda não fez as contas de quanto tem. “Quando meu avô vem me visitar, sempre guardo dinheiro no meu cofre. Vou comprar roupas para mim, para minha mãe e para o meu pai. Juntar dinheiro é importante para o futuro”, declarou a menina.

O comportamento das crianças foi influenciado por professores e gestores da Escola Classe Sobradinho dos Melos, na área rural do Paranoá, onde estudam. Por iniciativa própria, a instituição incluiu no dia a dia das 275 crianças, de cinco a 10 anos, lições de educação financeira para muito além da aula de matemática.

A professora Nataniele Tuany de Deus Vieira Boitrago, mãe de Lucas, confirmou que o projeto teve resultados positivos. “Ele está bem mais econômico e pensa antes de gastar. Quer sair catando o dinheiro de todos que moram em casa”, disse.

Aluno do Leonardo da Vinci da Asa Sul, Tarso Valle, 11, também tem acesso à educação financeira na escola. Com a ajuda da família e juntando a maior parte da mesada, de R$ 80, ele conseguiu comprar um Nintendo 3DS por R$ 650 em um site de comércio eletrônico. “Valeu a pena guardar dinheiro. Já tinha R$ 300 desde o começo do ano. Depois, juntei mais e meu pai me ajudou com o que faltava”, contou. 

Lucas, Isabella e Tarso foram privilegiados por receberem conhecimento financeiro, modalidade que ainda não chegou à maioria das escolas do Brasil. Por isso, é fundamental que as crianças recebam orientações dos pais desde o nascimento, ressalta a pós-doutora em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelas Celina Ramos Arruda Macedo.

Conforme o Censo Escolar 2018, o país tem 184,1 mil escolas. Coordenado pela Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil) em 2018, o 2º Mapeamento Nacional das Iniciativas de Educação Financeira mostra que, de 1,3 mil ações identificadas, apenas 50% acontecem no ambiente escolar.

De acordo com a pesquisa, a maior parte do conteúdo é ensinada de forma transversal, mas principalmente pelos professores de matemática. No entanto, 70% deles não recebem capacitação específica para isso.

Em 2012, Celina Macedo lançou o livro “Filhos: seu melhor investimento”, no qual orienta e chama a atenção dos pais para a educação financeira das crianças. A especialista se dedica ao ensino do tema há sete anos.

A educação financeira resulta em melhoria na vida e na casa das crianças. A dificuldade é que não há escolas e professores que queiram ou sejam capacitados para ensinar. É fundamental começar em casa. Os pais precisam estar abertos para falar sobre dinheiro com os filhos

Celina Macedo, especialista

No livro, a professora dá dicas considerando cada faixa etária da criança, mas ressalta que cada uma tem seu ritmo de desenvolvimento. “Quando o filho começa a se interessar por dinheiro, os pais devem explicar como funciona”, disse.

A diretora pedagógica da DSOP Educação Financeira, Ana Rosa Vilches, concorda que a educação financeira nas escolas ainda é tímida. Para a gestora, os adultos têm papel fundamental na condução do aprendizado dos pequenos. A organização atua em mais de 50 escolas particulares do Distrito Federal.

“Educamos pelo exemplo. Essa é a primeira lição. Temos crianças consumistas demais porque os pais são muito consumistas. Crianças que só querem produtos de marca porque os pais influenciam dessa forma. Os bebês mal nascem e já estão com tênis de marca, que nem para no pé”, comentou.

Há 30 anos na área, Vilches aposta no estímulo dos sonhos para fazer as crianças pouparem. Os pais, nesse sentido, precisam ponderar o que é possível conquistar e orientar os filhos para isso. “O sonho faz com que a gente se movimente. Quando as pessoas não têm sonhos, o dinheiro vai embora e elas nem sabem o quanto estão gastando”, salientou.

Arte/Metrópoles 

A especialista orienta que, a partir dos 7 anos, os filhos podem começar a receber dinheiro. Fazendo uma avaliação dos gastos, os pais estipulam quanto a criança terá direito. Metade pode ser entregue em mãos, para gastos do dia a dia. A outra, dividida. Postura que incentiva sonhos e conquistas.

A criança é quem deve escolher quais são os sonhos. Dentro da possibilidade de realização, os pais auxiliam para que ela possa alcançá-los. Ana Vilches propõe a divisão em três cofrinhos. Confira as dicas na arte abaixo:

Arte/Metrópoles


Brincadeira eficiente
Enquanto Yzy Riany, 9, fica no caixa, os colegas decidem quais itens vão comprar. Miguel, que tem a mesma idade, escolheu uma dentadura de plástico. Já Kauany, 8, preferiu a maquiagem. Em meio a cálculos com os dedos, as notas de dinheiro vão de um lado a outro da mesa.

Fundamental para a brincadeira de compra e venda, a Escola Classe Sobradinho dos Melos adotou uma moeda fictícia, chamada “dimelo”, para ensinar como administrar o dinheiro. Nas festas escolares, não entra real. Sendo adulto ou criança, para adquirir comidas, fichas para brinquedos ou brindes, o caixa só aceita dimelos. Em passeios, o pagamento também é feito com a moeda inventada.

Assim como os adultos, as crianças precisam executar atividades para garantir a renda. Tarefas do cotidiano escolar, como fazer o dever de casa e escovar os dentes após as refeições, rendem pontos que se transformam em dimelos. A cada dia, uma criança pode acumular até 10 pontos, o que equivale a um dimelo.

“As crianças não perdem, mas ganham se fizerem. Nas nossas feiras, os professores vão orientando e elas escolhem o que querem, numa simulação de comércio”, explicou o vice-diretor da escola, Athos Daniel da Rocha.

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As crianças simulam compras e vendas na escola
Livro serviu como inspiração para a busca de conteúdos a respeito de educação financeira
Cofrinhos são confeccionados pelas próprias crianças
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Crianças usam moeda fictícia, chamada dimelo, para aprender sobre dinheiro

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As crianças simulam compras e vendas na escola

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Livro serviu como inspiração para a busca de conteúdos a respeito de educação financeira

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Cofrinhos são confeccionados pelas próprias crianças

Transformação
A transformação na escola foi iniciada a partir de um livro infantil que a diretora, Cilene de Almeida, ganhou de um professor. Com título O lobo milionário e os três porquinhos, a obra incentivou os gestores a buscarem conteúdos semelhantes para os alunos.

Pela internet, a partir de materiais disponibilizados pela Associação de Educação Financeira do Brasil, veio a inspiração para o reforço do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Em 2017, as crianças já começaram a ter contato com atividades didáticas sobre produção, consumo e dinheiro.

Descobrimos que há materiais prontos e que são pouco conhecidos. Além de falar sobre dinheiro, o conteúdo está ligado à produção e ao caminho dos produtos até chegarem em casa. As crianças mudam completamente o comportamento na escola e em casa

Cilene de Almeida, diretora da Escola Classe Sobradinho dos Melos

Com atitudes simples, os gestores e professores da Sobradinho dos Melos estão mudando a vida das crianças e deles mesmos. “Penso que o mais importante é conseguir mudar a nossa relação com o dinheiro. Essas crianças vão saber consumir melhor do que nós”, concluiu.

A Secretaria de Educação do Distrito Federal informou que, além de projetos como o da Escola Classe Sobradinho dos Melos, a rede pública de ensino tem abordagens de educação financeira de forma multidisciplinar e transversal.

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