Orelhões à míngua na era do celular
O número de equipamentos no DF caiu pela metade em dez anos e Anatel pensa em reduzir ainda mais. Porém, é possível encontrar pelas ruas da cidade quem não abre mão de usar o telefone fixo
atualizado
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Pergunta que não quer se calar: nos dias de hoje, quem precisa usar um orelhão se o celular está sempre à mão, no bolso ou na sacola? Não é à toa que, nos últimos dez anos, quase a metade dos telefones públicos foi desativada. Agora, só restam 11.485 dos 22.646 equipamentos para atender a demanda local. O Metrópoles foi atrás de orelhões que funcionam e, não somente, de pessoas que os utilizam. Pasmem! Nós encontramos! São poucas pessoas, mas elas existem.
Um dos equipamentos mais requisitados funciona próximo ao quiosque de lanches da QI 5 do Lago Norte. Além de ser bastante utilizado pelos funcionários da lanchonete, que até fornecem o número do aparelho para que os parentes possam ligar para lá, tem como clientes assíduos os trabalhadores da região, que nem sempre carregam os celulares para aonde vão. Maria da Conceição de Sá, uma das atendentes do quiosque que dá ao orelhão um motivo para existir: “Eu até tenho um smartphone, mas volta e meia esqueço em casa”, explica.
Quem também não lança mão de usar o orelhão é o servidor público Cláudio Gomes. Tarefa, segundo ele, nem sempre fácil, já que muitos equipamentos estão depredados. “Algumas vezes preciso usar um orelhão e o encontro com teclados defeituosos ou com fios arrancados”, reclama o morador em Ceilândia, RA com 1.453 orelhões, o segundo maior número do DF. Perde apenas para o Plano Piloto, que reúne cerca de 1.600 terminais.
A Oi informa que atualmente 302 equipamentos estão fora de uso na cidade, a maioria vítima da ação de vândalos. Somente neste ano, mais de 800 terminais foram danificados.
A dona de casa Marlene Olga, 50 anos, ainda utiliza o orelhão com frequência em alguns casos de ligações interurbanas:
“Eu tenho celular, mas prefiro usar um orelhão quando preciso ligar para telefones fixos em outros estados. Eu acredito que a tarifa nesses casos é bem mais barata que a de celular.”
Manutenção
O número de equipamentos na cidade pode ficar menor ainda. Isso porque apenas 4% (460) deles fazem ligações suficientes para se manter. Para ser considerado viável, um orelhão tem que render à operadora mais do que R$ 452,97 por ano, que é o valor gasto com a manutenção dos equipamentos. Na era da telefonia móvel, meta difícil de ser atingida por um equipamento fixo. O resultado é que no DF, em média, metade dos equipamentos realiza apenas duas chamadas por dia.
“A migração do consumo de voz fixa para móvel faz parte da evolução da telefonia em todo o mundo, inclusive no Brasil”, admite, resignada, a assessoria de comunicação da OI, empresa de telefonia responsável pelos equipamentos públicos no DF.
Decadência
Mas o destino da maioria dos orelhões é mesmo o ostracismo. A Oi afirma que entre 2008 e 2013 houve uma redução de 96% no consumo de créditos para a utilização dos telefones públicos. O dado não surpreende, uma vez que no DF existe, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mais de duas linhas móveis ativas por habitante. Nesse ritmo, os orelhões confirmam estar a caminho do desuso total, a ponto de sair da nossa vida para entrar na história – da telefonia, ao menos.
“Quase nunca vejo alguém fazendo uso desses telefones”, afirma Lívia Marajó, recepcionista em um dos escritórios localizados no Setor Comercial Sul. Esse quadro decadente é confirmado pelos comerciantes dos cartões de créditos para utilizar o serviço. “Há uma década eu vendia cerca de cem cartões por semana. Hoje não saem nem dez”, desabafa Edmilson Pereira, responsável pela Banca Federal, localizada entre os prédios da Caixa Econômica Federal e do Banco Central. Hoje, mesmo com o modelo de 20 créditos (que dá direito a 40 minutos de ligação) custando apenas R$ 4,50, perde feio para o cartão de celulares: na mesma banca, saem cerca de 200 do tipo ao dia.
Mesmo assim, verifica-se um esforço para que o serviço ainda seja útil para os brasilienses, apesar de a quantidade de equipamentos não atender o que determina a legislação.
De acordo com o Plano Geral de Metas para Universalização, a operadora de telefonia responsável pelos orelhões deve disponibilizar quatro terminais para cada mil habitantes, de modo que qualquer cidadão deve se deslocar no máximo 300 metros para encontrar um telefone fixo.
No DF, é possível constatar alguns pontos da cidade totalmente desprovidos de telefones fixos do tipo. A Anatel admite que o atendimento na capital não chega a 100%, mas está acima de 90%. Graças a isso, a Oi foi liberada da obrigação de conceder ligações gratuitas via orelhão por aqui, punição aplicada em outros 15 estados brasileiros, onde a quantidade de equipamentos encontrada foi muito inferior à exigida.
Mudanças
A Anatel abriu consulta pública no final do ano passado para reduzir o número de orelhões no País.Uma das sugestões é que seja extinta a obrigação de densidade, que determina a necessidade de quatro aparelhos a cada mil habitantes em todos os municípios. Também foi proposta mudança na distância mínima entre as cabines, ampliada de 300 para 600 metros.
Arte: Cícero Lopes