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Febraban gasta fortuna para induzir população a erro sobre juros

Campanha da federação que representa os interesses dos bancos tenta justificar taxas altas mesmo com a maior queda da Selic de toda história

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1 de 1 ilustracao-febraban - Foto: Arte/Metrópoles

De acordo com levantamento da Serasa Experian, atualmente, no Brasil, 63 milhões de pessoas estão inadimplentes, o que equivale a quatro em cada 10 brasileiros adultos. Milhares dos devedores recorrem aos bancos na tentativa de resolver seus problemas. Em vez disso, acabam ainda mais encalacrados. Um cenário que, diante do recente contexto econômico, poderia ser menos sofrido se as instituições financeiras seguissem o movimento da macroeconomia.

A taxa básica de juros, a Selic, apresentou a maior queda na série histórica do Banco Central, chegando a 5,5%, com previsão de atingir 4,5% até o final do ano. Na prática, está mais barato para o banco comprar dinheiro. Mas a condição favorável, no entanto, ficou restrita ao bolso dos banqueiros, que decidiram gastar fortuna em campanha publicitária para induzir a população a acreditar em uma conta que não fecha.

Afinal, com a Selic em 5,5% ao ano, ficou difícil as instituições bancárias explicarem o porquê de os juros do cartão de crédito rotativo estarem em 289% para clientes regulares (que pagam, no mínimo, 15% da fatura dentro do prazo), ou o motivo de os juros do cheque especial atingirem a marca dos 300%.

É improvável encontrar argumentos que justifiquem os bancos cobrarem 54 vezes a mais em juros do cheque especial, em comparação com a taxa de captação. E é mais complicado ainda dizer para o cidadão comum que precisou usar R$ 100 desses recursos que ele pagará R$ 400 ao fim do ano.

É difícil, mas a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que representa 119 instituições, lançou uma campanha publicitária grandiosa sob o pretexto de “educação financeira”. Contratou Pedro Bial, um dos apresentadores com cachê mais alto da televisão brasileira, com a promessa de levar às pessoas um jeito simples de falar sobre juros e equilibrar as contas.

Intitulada Papo Reto, a propaganda na TV reuniu oito inserções de 3 minutos veiculadas nos intervalos do programa Fantástico entre os dias 18 de agosto e 6 de outubro. Seguindo o preço de tabela, o anúncio teria custado R$ 31,5 milhões. Nem a agência de publicidade responsável pela peça, Globo ou Febraban quiseram falar sobre os valores.

Mas, na verdade, o papo reto é que a Febraban usa artifícios de retórica para maquiar os números. Isso é dito por especialistas. Além da campanha na televisão, a federação mantém um portal criado para a divulgação de dados, vídeos, explicações e um livro de 236 páginas que pode ser gratuitamente baixado por qualquer cidadão.

No livro Como Fazer os Juros Serem mais Baixos no Brasil, a Febraban compara a queda da Selic com a redução da taxa livre dos bancos. Diz que as instituições diminuíram essa taxa específica duas vezes mais que a Selic. E declara: “É matemática pura”. Para chegar ao denominador comum que lhe interessa, a Febraban comparou pontos percentuais com porcentagem. Para leigos, a manobra pode passar despercebida. Mas justamente aí tem uma pegadinha que afasta o resultado do que deveria se esperar em uma operação de ciência exata.

Até maio de 2018, quando a taxa básica de juros, informada pelo Banco Central, caiu de 14% para 6,5%, a diferença foi de 7,5 pontos percentuais. Isso significa que, no período considerado, a Selic havia despencado 53,6%.

A Febraban, por exemplo, quer fazer a população acreditar que a taxa livre dos bancos (que utiliza recursos da poupança, inclui empréstimos pessoais e financiamentos) caiu duas vezes mais que a Selic. Afirma, em sua publicação, o seguinte: “Em termos absolutos, a queda da taxa livre dos bancos foi de 18,26 pontos, quase duas vezes maior [do que a Selic]. Passou de 53,8% para 35,6% ao ano”. O problema é que a federação compara alhos com bugalhos. Não é possível traçar um paralelo entre pontos percentuais e porcentagem.

Enquanto a queda da Selic foi de 53,6%, a da taxa livre dos bancos alcançou apenas 34%. Na matemática propriamente dita, uma queda de 53,6% será sempre maior que uma queda de 34%.

“É um jeito fácil de enganar as pessoas sem nenhuma evidência de queda proporcional. A comparação em si já é um absurdo, e ela se repete diversas vezes no documento da Febraban. Mas o mais grave é o nosso dinheiro valer cinco vezes mais para os bancos (considerando a taxa média de juros das operações contratadas, que está em 25,1%, em relação à Selic de 5,5%). Eles repassam todos os custos, até das perspectiva de endividamento”, analisa o economista Roberto Bocaccio Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Dinheiro mais barato X repasse mais caro

Quando o especialista afirma que o dinheiro vale cinco vezes mais para o banco, ele se refere ao chamado spread bancário. O spread bancário é a diferença entre o custo de captação da moeda e o valor que os bancos efetivamente cobram de quem recebe o crédito. As instituições financeiras justificam que os percentuais aplicados levam em conta uma composição formada por custo de captação, inadimplência, despesas administrativas, tributos e fundo garantidor, além da margem financeira dos bancos.

Na tentativa de explicar os cálculos, a federação se vale de uma comparação hipotética e de apelo popular. Por exemplo: o preço de um carro se dá a partir da soma de inúmeros componentes, assim como o custo de se emprestar dinheiro. Se há variações nos diferentes elementos, elas vão, por óbvio, implicar no valor final do automóvel.

No livro editado pela Febraban, o mesmo raciocínio é usado para explicar o comércio do dinheiro, levando-se em consideração o “raio-X do spread”. Mas aí há outra inconsistência. Dinheiro é dinheiro. Não varia a matéria-prima. Ou seja, a comparação com o carro é imprópria.

Com essas justificativas, a federação ressalta que a Selic tem representatividade pequena na composição do spread, que seria apenas uma fatia da pizza. De acordo com o documento, a principal “culpada” pelos juros altos seria a inadimplência. “A vilã”, como denomina o documento da Febraban.

A Febrabran considera o peso da inadimplência, das despesas administrativas, dos tributos e fundo garantidor de crédito, margem financeira (que indica o lucro dos bancos), do custo total do crédito. O custo de captação é dado pela taxa Selic. E a alegação da Febraban é que a representatividade da Selic ficou cada vez menor na composição da taxa de juros conforme ela foi caindo devido à política do Banco Central.

“Quando se deixa de lado o custo de captação (mais influenciado pela Selic) e se analisa o spread (cobrado pelos bancos no crédito que fornecem), fica mais claro o custo da inadimplência para o país. Entre 2015 e 2017, de acordo com o Indicador de Custo do Crédito (ICC) do Banco Central, o peso médio da inadimplência no spread bancário foi de 37,4%, seguido de longe por itens como despesas administrativas (25%) e tributos e fundo garantidor de crédito (22,8%). Por último, veio a margem financeira dos bancos, de 14,9%”, diz a Febraban em seu livro.

Veja o raio-x do spread, segundo a Febraban:

Reprodução

 

Responsabilidade de quem?

Mas como um bom pagador pode se responsabilizar por um mau pagador? Até que ponto a responsabilidade é do cliente e não do banco? Para o professor licenciado da UnB e membro do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF) Newton Marques, ao longo dos anos, todas as vezes que os bancos são questionados sobre suas taxas, há uma justificativa diferente e a culpabilização de algum fator externo.

“Estudo o sistema bancário há 30 anos e posso dizer que os bancos agem como um cartel, pois fixam as taxas de juros que eles querem. Aí eu pergunto: se a Selic hoje fosse a zero, as taxas dos bancos cairiam? Quase nada. Muito provavelmente haveria uma outra justificativa.”

Newton Marques, economista

O especialista acredita que a relação da inadimplência na composição da taxa é um problema gerado pelas próprias instituições. “Quando não se faz uma análise criteriosa, os bancos compram os riscos. Os números são apenas para jogar uma cortina de fumaça. Os juros são altíssimos, por isso há inadimplência”, analisa o especialista.

O Brasil hoje tem uma taxa de endividamento oito vezes maior que a dos Estados Unidos. Enquanto o país amarga 4,5%, os Estados Unidos têm um percentual de 0,6% sobre o total de ativos de crédito. A maior consequência do endividamento é o aumento do desemprego e a desaceleração da economia, com prejuízo ao comércio.

O outro lado

Por meio de nota, a Febraban defendeu o material publicado e disse que as explicações não podem ser resumidas a retórica. Para eles, é “matemática simples”. “A forma correta de fazer a comparação entre os cortes nas taxas de juros e da Selic, para avaliar se houve repasse da queda da taxa básica às taxas finais, é, de acordo com a matemática ensinada nas escolas e usada nos cursos de economia, avaliando a variação em pontos percentuais, como fazemos no livro. Não é questão de escolha retórica, mas de aritmética”, disse a federação ao Metrópoles.

Quanto à crítica de que a inadimplência se deve à falta de critério dos bancos na aprovação de crédito, a Febraban afirmou considerar que essa avaliação não corresponde à realidade. “Em todo o mundo, os bancos se deparam com algum nível de inadimplência em seus empréstimos; e esse inconveniente, no Brasil, é agravado pelo fato de que o crédito não pago, no país, está associado a custos bem mais altos que em outros mercados”.

Para a federação, “no Brasil, a inadimplência pesa mais que em outros países no custo do crédito. Isso acontece por três motivos: a própria taxa de inadimplência, que é alta; a taxa de recuperação de garantias, que é baixa; e o tratamento regulatório e tributário dado pelo governo às provisões feitas para cobrir a inadimplência, que é muito oneroso”, disse.

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