Cadastro Positivo promete limpar nomes, mas vai expor dados pessoais
Criação de lista de bons pagadores não dependerá de aprovação para inserir informações de consumidores
atualizado
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O novo Cadastro Positivo, que não precisa de autorização dos consumidores para os nomes deles nas listas de adimplentes, começa a valer em duas semanas. Com isso, as instituições financeiras terão acesso automático ao histórico de pagamentos e operações de crédito de qualquer pessoa para lhe atribuir pontuações, o chamado score. Entidades de defesa do consumidor, no entanto, enxergam dilemas éticos na falta de filtro para as empresas conseguirem as informações, enquanto os serviços de proteção asseguram que o novo modelo beneficiará o cidadão.
A mudança foi aprovada por meio da Lei Complementar nº 166/19, sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), em 8 de abril deste ano. Além da queda das autorizações, a nova legislação exigirá das empresas uma análise completa do histórico de crédito do consumidor, o que pode fazer inadimplentes com poucos débitos ou dívidas pequenas terem colocações melhores na lista. Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), existem 62,6 milhões de negativados no país atualmente, mais de 40% da população adulta do Brasil.
De acordo com a nova lei, mesmo com o nome sujo na praça, os consumidores poderão ter boas pontuações de crédito, pois as financeiras terão de analisar todo o histórico de pagamentos daquela pessoa. Se a dívida for um deslize, isso não deve afetar mais sua avaliação – atualmente, qualquer débito não honrado que enseje inclusão na certidão negativa já restringe o acesso a muitos serviços.
Desconfiança
O consultor ótico Maciel Medeiros de Freitas (foto em destaque), 27 anos, está inserido em um cadastro positivo atual para, segundo ele, saber de oportunidades para uso de crédito. Mesmo assim, enxerga com desconfiança as mudanças da lei. “Se eles vão ter acesso a todos os dados, eu acho ruim. Já enviam várias ofertas para as pessoas o dia inteiro sem isso, imagina depois.”
Freitas teme que as pessoas mais bem colocadas no cadastro se tornem alvo das financeiras e caiam em tentação. “Quanto mais crédito a gente tem direito, mais queremos gastar para investir, financiar… É complicado, deveriam manter a autorização”, critica. O consultor ainda aproveita para reclamar do sistema de Cadastro Negativo atual, que só enxerga as falhas dos consumidores. “Nem todo devedor é caloteiro. Se sujou o nome, pode ser por necessidade”, pondera.
O coordenador do programa de Direitos Digitais do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moyses, reforça os temores de Freitas sobre o assédio aos bons pagadores. “Na outra ponta, quem tiver pior score terá acesso limitado aos serviços das financeiras e tomadas de crédito”. Segundo ele, é preciso desconstruir a imagem de que a contração de débitos define as ações das pessoas.
Moyses ainda tem preocupação que o acesso automático às informações dos clientes fira a Lei de Proteção de Dados (LPD), aprovada no Congresso e com previsão de entrar em vigor em 20 de agosto de 2020.
“Existem uma série de dados que não podem ser utilizados, os chamados sensíveis. Há também aqueles de acesso livre. Entre essas duas categorias, temos um meio que chamamos de dados alternativos, que ainda não foram objeto de regularização pelo Banco Central. Ainda não está claro de que forma essas informações serão utilizadas e os benefícios e malefícios disso”, preocupa-se.
Histórico
A estudante Balbina Jaya Soares (foto), de 30 anos, não vê problema que as empresas possam saber seu histórico de pagamentos. Para ela, o Cadastro Positivo beneficiará quem paga as dívidas na data. “Algumas pessoas honram direitinho as contas, outras, não, então deve ajudar para que as financeiras entendam a situação delas”, defende. Segundo Balbina, a preocupação excessiva com a visualização de dados pessoais configura uma “mania de perseguição” de alguns cidadãos.
Balbina avalia que esse é um ponto interessante do novo modelo e cita um exemplo próprio. “Eu fiquei negativada porque uma operadora de telefonia se esqueceu de tirar meu nome relativo a uma dívida que eu já paguei. Meu nome está marcado, mas eu sou uma boa pagadora. Por esse lado, vai ser bom”, acredita.
Gerente de Cadastro Positivo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Vilásio Pereira comemora a queda da necessidade de autorização para criação da lista de adimplentes. “O cadastro vai dar oportunidade aos consumidores vítimas de deslizes de ter boas pontuações e acessos a boas condições de crédito. Hoje em dia, pesa mais o deslize, então existe uma parcela dos negativados que não será avaliada apenas pela situação atual”, explica.
Pereira rejeita as alegações de contradição com a LPD por dispositivos, segundo ele, previstos na própria legislação atual. “A lei garante que as informações fornecidas só possam ser utilizadas na finalidade de concessão de crédito e não poderão ser usadas para outras finalidade”, diz. “Informação abertas, contendo dados como as contas de luz, crediário, etc. só poderão ser acessadas mediante autorização do consumidor. Nesse sentido, é até parecido com a lei antiga.”