Além do real, o DF tem três moedas próprias
Bancos comunitários do Itapoã, da Estrutural e de Ceilândia inovam na tentativa de estimular as economias locais
atualizado
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Real, dólar, euro, libra, “atitude”, “conquista” e “correria”. Sabe o que esses nomes têm em comum? Todos se referem a moedas usadas atualmente. Enquanto as quatro primeiras são oficiais nos respectivos países, as três últimas são de bancos comunitários do Distrito Federal — moedas sociais usadas apenas em algumas cidades.
A tendência de movimentação financeira específica dentro dos bairros, especialmente os de renda menor, tem crescido no Brasil. São 118 unidades monetárias em todo o país. O Centro-Oeste ainda está tímido nas estatísticas, mas o DF tem a sua representatividade graças a iniciativas de moradores do Itapoã, da Estrutural e de Ceilândia.
Além da moeda comunitária, esses bancos oferecem empréstimos a juros baixos para comerciantes investirem no negócio. Foi exatamente por meio dessa facilidade que Deuzanir Muniz da Costa, 42 anos, conseguiu melhorar o restaurante que abriu há dois anos no Itapoã, uma das cidades com a menor renda per capita da capital do país em 2015.
Com os R$ 300 emprestados pelo banco comunitário, ela comprou refrigerantes, carnes e fez melhorias na loja. “Eu trabalhava como cozinheira em um restaurante, mas queria abrir o meu negócio. Não tinha dinheiro suficiente. Com o empréstimo, consegui algumas melhorias. Meu objetivo é crescer cada dia mais”, conta.
O valor adquirido por Deuzanir é o máximo emprestado pelo Banco Comunitário do Itapoã e pode ser pago em três parcelas. Os juros cobrados ficam em 0,75% ao mês. A instituição da cidade foi aberta em 2014, com apenas R$ 2,5 mil. Dinheiro que os moradores arrecadaram com doações e sorteios.
Para ser inaugurado, o banco teve apoio do Ministério do Trabalho e Emprego, que ofereceu o treinamento e paga uma funcionária para trabalhar no local. Os outros gastos, como o aluguel da casa e as despesas com água e luz, são custeadas por um apoiador do projeto.
Funcionária responsável por cuidar do banco, Maria das Dores Carneiro, 42 anos, conta que, desde a inauguração, a instituição passou por algumas mudanças para acompanhar a tecnologia. Hoje, a troca das cédulas tem diminuído, pois os moradores começaram a utilizar o aplicativo E-dinheiro.
Com o app, é possível fazer todas as transações pelo celular. “Hoje, há 101 usuários e 11 comércios cadastrados. Estamos trabalhando para aumentar ainda mais, pois isso fortalece o banco e, assim, teremos mais recursos para ajudar os comerciantes do Itapoã e fazer a cidade crescer economicamente”, diz Maria das Dores.
O Itapoã tem 68 mil habitantes e, em 2015, apresentava renda per capita de R$ 702, segundo dados da Codeplan.
“Conquista”
O nome da moeda social da Estrutural lembra algumas das conquistas da população. Entre elas, a urbanização e a construção de uma passarela na Via Estrutural. Lá, o banco que leva o nome da cidade foi inaugurado em 2011, com R$ 6 mil. Com doações, chegou-se a R$ 26 mil. Hoje, praticamente todo o dinheiro está emprestado aos moradores.
O Banco Comunitário da Estrutural é o mais antigo do DF e funciona atualmente sem incentivos ou repasses do governo. “É um desafio diário manter o banco e desconstruir a dependência política. Estamos trabalhando de forma voluntária e tentando mostrar à população a importância de movimentarmos a economia aqui dentro da Estrutural”, conta Maria Abadia Teixeira, 53 anos, que trabalha na instituição.
A Estrutural é a região administrativa com a menor renda domiciliar do DF, segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) — R$ 2.004,00, o que corresponde a 2,54 salários mínimos. O índice de escolaridade também apresenta dados negativos: 45,21% têm nível fundamental incompleto. Apenas 1,53% concluiu uma graduação.
Desenvolvimento
Assim como no Itapoã e na Estrutural, há um banco comunitário em Ceilândia, com o dinheiro chamado “correria”. Os três são controlados por uma organização da sociedade civil, que também forma um conselho para fazer a gestão e participar de reuniões.
Todos têm o objetivo de, além de movimentar a economia dos bairros, atender a população de baixa renda. Isso porque esse segmento não tem condições de pagar pelos juros dos empréstimos em bancos tradicionais ou, em grande parte, tem restrições no nome.
O primeiro banco comunitário do Brasil foi o Palmas, criado em 1998 na periferia de Fortaleza. O Ceará é o estado com o maior número desse tipo de banco. São 36 unidades, segundo levantamento do Banco Nacional das Comunidades.
“Os bancos comunitários têm como objetivo contribuir e desenvolver o território onde atuam. Geralmente, estão instalados onde o público é caracterizado pela desigualdade social, pela pobreza. Cada um tem um papel estratégico e segue uma metodologia. Os de Brasília têm a importância de estarem concentrados onde são tomadas as principais decisões políticas do país”, afirma Marivaldo do Vale, um dos integrantes da coordenação do Banco Nacional das Comunidades.
A criação dos bancos comunitários é uma iniciativa que deve ser elogiada e estimulada, segundo avalia o economista Roberto Piscitelli. O professor da Universidade de Brasília (UnB) afirma que as unidades abrem oportunidade para as pessoas que não têm acesso aos bancos tradicionais. “Isso contribui para a democratização da população de baixa renda e combate o cartel das instituições bancárias. É preciso estimular para que possamos ter cada vez mais bancos comunitários”, resume.