Dulcina de Moraes misturou cristais com cimento na construção de teatro
Mística, a atriz acreditava em alinhamento energético para o prédio no Conic. Retirado após morte de Dulcina, quartzo voltará ao local
atualizado
Compartilhar notícia
Ligada a misticismos, a atriz Dulcina de Moraes não poupou crenças e superstições quando erguia a sede da Fundação Brasileira de Teatro, em Brasília. Em 1972, quando transferia a sede para a nova capital, a artista espalhava cristais entre o cimento e a estrutura para que houvesse o que acreditava ser um alinhamento energético naquela construção. Na antiga localização, instituída no Rio de Janeiro em 1955, o empreendimento de Dulcina e de Odilon era uma das fundações mais respeitadas no país.
“Dulcina acreditava que Brasília era o centro irradiador da nação, ou seja, nada mais justo que trazer o conhecimento das artes para o meio do Planalto Central”, detalha o diretor do Espaço Cultural da Fundação Brasileira de Teatro, o ator e produtor Josuel Junior, que trabalha na recuperação do acervo da atriz e do teatro. “Já tínhamos ouvido essa história, mas achávamos que era uma lenda. Hoje, a gente fica imaginando os pedreiros construindo e ela falando para colocar os cristais no meio das estruturas”, brinca.
Ao ter acesso ao material pessoal de Dulcina, Josuel leu nos diários que a atriz misturava cristais de quartzo com o concreto em pontos estratégicos da fundação do edifício. “Para além dos cristais enterrados, havia também um alinhamento na sala de Dulcina, que ficava no quinto andar do prédio. Lá, acima e alinhado com sua mesa, ficava o mastro da bandeira do Brasil, com outro cristal posicionado”, detalhou.
Ao longo dos anos, o cenário que Dulcina montou mudou. Novas paredes foram levantadas e um telhado de zinco tomou o lugar do mastro da bandeira. Com a morte da atriz, o maior cristal desse alinhamento feito pela artista foi removido e levado à lápide da atriz, no cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.
Sabendo dessas informações, a equipe que faz a gestão atual da Fundação Dulcina de Moraes foi atrás e recuperou a pedra que estava no túmulo. O minério pesa aproximadamente 30 quilos e é necessário um revezamento de seis homens para levar ao ponto que Dulcina designou, no quinto andar.
“A gente sabe que não é trazendo o cristal que as coisas vão melhorar, mas trazer o cristal de volta e colocar neste local é realinhar o pensamento de Dulcina”, conta o diretor. “Trouxemos de volta porque Dulcina acreditava nesse alinhamento, é uma metáfora também de que ela retorna para o palco junto”, explica Josuel.
Nas redes sociais, a gestão do Dulcina publicou um vídeo sobre essa metáfora. Na legenda, o presidente da fundação destaca a simbologia do cristal. “Essa referência que para algumas instituições têm o condão religioso e para outras remete ao conhecimento, para a Fundação Brasileira de Teatro denota o seu caráter literal e também exprime os desafios que essa gestão enfrenta na luta para manter vivo o legado de Dulcina de Moraes”.
Assista:
Luz
A recuperação do cristal faz parte de uma série de ações para revitalizar o espaço. Entre as medidas, a equipe gestora conseguiu renegociar débitos e teve a energia do local religada. Após três anos na escuridão, o palco do Teatro Dulcina de Moraes foi iluminado pela primeira vez nesta semana.
O prédio tombado acumulava dívidas com a Neoenergia, chegando ao valor de R$ 480 mil. Negociações com a distribuidora permitiram reduzir os débitos e ganhar prazo para o pagamento. Desta forma, as luzes da plateia e do tablado foram ligadas no sábado (25/7). Já os 5 mil metros quadrados totais do prédio foram iluminados na terça-feira (1º/8).
A estratégia pretende dar sequência às atividades culturais no espaço. A estimativa é agora tentar parcerias para que, em um ano, o teatro possa voltar a ser acessível ao público.
Leilão
Sair do breu total não significa que as pendências da fundação foram resolvidas. No total, a entidade tem R$ 20 milhões de dívidas acumuladas e o prédio pode ir a leilão para pagar apenas R$ 328.467,34 em setembro. “A fundação tem adotado estratégias jurídicas para reverter o processo”, explicou Neiva sem detalhar.
Os administradores atuais da fundação correm contra o tempo para evitar a venda de um prédio tombado, que pode resultar no fechamento do teatro e da faculdade que fazem parte da história do Distrito Federal.
Um dos planos é revitalização do prédio para gerar receita com aluguel, retorno das aulas presenciais, disponibilização do acervo para exposições, reformulação do plano pedagógico da faculdade para ofertar cursos técnicos em artes, além dos tradicionais de bacharelado. Outro ponto é voltar com o teatro para apresentações. “Essa é a segunda maior sala de teatro do Distrito Federal, só perde para a Villa-Lobos no Teatro Nacional, que também está fechada.”
A Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, criada e mantida pela Fundação Brasileira de Teatro – FBT, é fruto do sonho e do compromisso da atriz Dulcina de Moraes com a formação de artistas e arte-educadores no Brasil. A faculdade, com mais de 40 anos de atuação, foi criada em 1982, em Brasília, oferecendo originalmente os cursos de Licenciatura em Educação Artística, Bacharelado em Artes Cênicas e Bacharelado em Música.