Dor e angústia: em 2022, uma pessoa desaparece no DF a cada 4 horas
Números dizem respeito ao período de janeiro a abril deste ano, segundo levantamento da Secretária de Segurança Pública do DF
atualizado
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No quarto, as roupas permanecem do jeito que Thaide Newton, de 22 anos, deixou antes de sair de casa, em 5 de março, para ir a um bar com os amigos e não retornar. Uma melhoria no cômodo e limpeza constante do local, realizada pela mãe do jovem, demonstram a fé e a esperança da família que luta há cerca de três meses para reencontrar o rapaz, que sumiu na região do Gama, no Distrito Federal. Recém-chegado à vida adulta, Thaide agora integra a estatística das 770 pessoas que desapareceram na capital federal somente no ano de 2022, segundo levantamento da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF).
“Continuamos espalhando cartazes com fotos dele por todo canto, compartilhando nas redes sociais e fazendo muita corrente de oração. Tenho esperança de que vamos encontrar o meu filho e de que ainda terei oportunidade de pedir perdão por todas as vezes que errei com ele tentando acertar”, desabafou Elisângela dos Santos Soares, de 41.
À reportagem a mulher afirmou que, antes de o rapaz desaparecer, ele estava feliz. Segundo Elizângela, Thaide foi ao barbeiro, cortou o cabelo e se arrumou para sair com os amigos. Essa foi a última vez que a mãe viu o filho. “Estou acabada, desolada. Minha vida parou. Não consigo fazer mais nada. Tem dias que não tenho forças para levantar da cama, pensando nele e onde ele possa estar. Ainda tenho fé de que o meu filho está vivo e que voltará para casa. Peço que, caso alguém o veja, nos ajude entrando em contato pelos telefones (61) 994570796 e (61) 991363351″, declarou.
Assim como Elisângela, centenas de pessoas sofrem com o sentimento provocado pela ausência e falta de informações sobre um parente desaparecido na capital do país.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, nos primeiros quatro meses de 2022, houve aumento de 8% nas ocorrências de pessoas desaparecidas em comparação com o mesmo período de 2021 (677). Este ano, 770 casos foram relatados na capital federal, sendo 175 envolvendo menores de idade, o que equivale a um registro a cada quatro horas.
Pesquisa mostra idade, sexo e cidade dos 2 mil desaparecidos no DF
Veja, abaixo, a lista com 10 casos de pessoas desaparecidas há mais tempo no DF e como elas estariam hoje, segundo o laboratório de progressão de idade da PCDF:
A dor de quem busca alguém que sumiu
Em uma manhã de setembro de 2021, Oswaldo Vicente da Silva, de 73, vestiu uma calça escura, blusa social branca e saiu de casa para pescar. O destino era o Córrego Iapi, no Guará, mas no trajeto do fatídico dia o homem desapareceu.
Diante do medo e do desespero, familiares do idoso montaram grupos de busca, refizeram o percurso que ele fez, mas não o encontraram. Sem notícias do marido, a companheira de Oswaldo adoeceu, precisou ser internada e morreu em 25 de fevereiro de 2022, após complicações.
“Estamos vivendo o luto pela morte da minha mãe e o desespero sem fim pelas buscas do meu pai. Estamos passando por um momento muito difícil e não aguentamos mais. A sensação é de tristeza e impotência. Perdemos o rumo do que podemos fazer e sofremos com a falta de notícias. Estamos nas ruas fazendo buscas independentes por Brasília até hoje, pois não temos ajuda da polícia ou dos bombeiros. É desesperador”, afirma Celimar da Silva, de 49, filha do desaparecido. Ela pede que, caso alguém saiba o paradeiro de Oswaldo, entre em contato pelo telefone (61) 98235-1548.
Segundo a psicóloga Luciana Lopes, quando a vivência é bruscamente interrompida, dúvidas e pensamentos em relação ao parente que desapareceu passa a tomar conta da vida de quem ficou. De a acordo com a especialista, é comum, nesses casos, existir o sentimento de culpa e impotência, mesmo que não haja um culpado no seio familiar. Por isso, “buscar apoio psicológico é importante para conseguir voltar a rotina e lidar com as emoções e sentimentos que um desaparecimento possa gerar”.
“O luto se instala desde o momento do desaparecimento. Já a dúvida e a falta de notícia trazem a sensação de vazio existencial, em que todo o foco se direciona na busca incessante pelo desaparecido. A experiência de vida da pessoa que enfrenta a situação fará grande diferença na forma de ela lidar com a dor. No entanto, em qualquer caso, o apoio da família, de amigos, e o próprio acompanhamento profissional podem fazer toda a diferença para que familiares de desaparecidos consigam se integrar novamente à realidade e estejam preparados para lidar com o que vier”, declarou a psicóloga.
Pistas no DNA
Desde junho de 2021, parentes de pessoas sumidas passaram a contar com um novo aliado para localizar os familiares: o DNA. O material genético é coletado no Instituto de Pesquisa de DNA Forense (IPDNA), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Após coletada, a amostra é processada, e os perfis genéticos obtidos são inseridos no banco de dados do instituto e de toda a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que tem cerca de 3 mil amostras de familiares e mais de 4 mil restos mortais não identificados.
De forma voluntária, a doação é feita, preferivelmente, por familiares de primeiro grau da pessoa desaparecida, seguindo a seguinte ordem: pai e mãe, filhos e irmãos.
Como funciona
O DNA coletado é enviado para o Laboratório de Genética Forense da Polícia Civil, onde o perfil genético é obtido e encaminhado ao Banco Nacional. Nesse local, o dado recolhido é comparado aos perfis de pessoas com identidade desconhecida e a restos mortais.
O perfil genético da família só é retirado do banco após a identificação. Se o desaparecido for encontrado, os parentes serão avisados pela delegacia ou pelo Instituto Médico Legal.
Atualmente, o Banco Nacional de Perfis Genéticos tem 4.169 restos mortais não identificados e material genético de 3.152 parentes de pessoas desaparecidas, de acordo com o Ministério da Justiça.