Do DF, “casal ostentação” lavava dinheiro de golpes em boate do RJ
Testemunha afirma que os funcionários sabiam das ilegalidades e eram treinados para convencer as vítimas
atualizado
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Preso no âmbito da Operação Shark, deflagrada pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), o “Casal 20” do estelionato costumava lavar o dinheiro, adquirido com golpes de empréstimo consignado, numa boate localizada em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Os investigados ficaram milionários e deixaram, ao menos, 106 pessoas no prejuízo.
Após a operação ter sido divulgada, vítimas e ex-funcionários passaram a procurar os investigadores da Coordenação de Repressão às Fraudes (Corf), unidade responsável pelas investigações. Uma mulher, que chegou a trabalhar na empresa de consultoria financeira montada pelo casal, afirmou que os funcionários sabiam das ilegalidades e eram treinados para convencer as vítimas. A maioria dos alvos era militares das Forças Armadas, pensionistas de militares e servidores públicos em geral.
Veja imagens do casal:
“Com uma semana trabalhando, percebi que eles estavam dando golpe nos clientes. Fiquei extremamente chocada porque o meu pai foi vítima da mesma coisa. Saí no momento em que descobri. Todo mundo sabia, mas os funcionários continuavam ali para ganhar dinheiro. Eles têm táticas, têm treinamento. Uma das funcionárias, depois da ‘negociação’ seduzia os idosos em troca de presentes. Tudo muito sujo. No começo, quando buscam pessoas para trabalhar lá, eles enganam durante o processo seletivo, mas no final só fica quem quer”, revelou a mulher.
Quando a operação foi desencadeada, em 5 de agosto, havia 73 vítimas no DF, mas outras 33 pessoas foram localizadas. Todas perderam grandes quantias de dinheiro após caírem no golpe do empréstimo consignado. No final da última semana, a Justiça converteu em preventiva a prisão dos dois casais líderes dos esquema, que estão no Centro de Detenção Provisória (CDP), na Papuda.
O Metrópoles teve acesso a detalhes de como os suspeitos torravam a grana amealhada pelas empresas com o que denominavam “consultoria financeira”. A associação criminosa, que teria provocado um prejuízo de R$ 90 milhões, ludibriava consumidores com a falsa promessa de vantagens, oferecendo empréstimos consignados e renegociação de dívidas adquiridas pelas vítimas.
Golpe de R$ 60 mil
A reportagem conversou com um dos servidores públicos do DF enganados pelo bando. O auditor fiscal aposentado contou ter assinado três contratos sempre com a garantia de que os criminosos teriam, em tese, o fundo garantidor de crédito e que seriam parceiros de uma grande instituição bancária.
“Assim que você fazia o empréstimo consignado, ocorria o repasse para a empresa e ficava com até 10% na sua conta com a promessa que eles pagariam o empréstimo. Só que eles pagavam umas seis parcelas e depois paravam”, contou o servidor.
O aposentado desconfiou quando viu pela televisão que os escritórios dos golpistas tinham sido alvo de busca e apreensão. Ao todo, a vítima amargou um prejuízo de R$ 60 mil. “Vendi o meu carro para ajudar a pagar o empréstimo que tinha a prestação de maior valor. No entanto, ainda existem outros para serem quitados. Eu fiz esses empréstimos para custear um tratamento de saúde”, lamentou.
A vítima entrou na Justiça e conseguiu uma decisão na qual um magistrado bloqueou parte dos recursos que estavam na conta dos criminosos. “Estou na esperança de saldar boa parte do prejuízo. Tenho dois empréstimos que estou pagando e estou rezando para o juiz liberar o dinheiro bloqueado para minha conta”, disse.
Líderes do esquema
O casal líder do esquema, Deia Campos Mesquita, 38 anos, e Weber Mesquita Campos, 40, deixou o bairro humilde da Taquara, na zona oeste do Rio, para pagar R$ 12,5 mil mensais pelo aluguel de uma mansão em um dos condomínios mais exclusivos da Barra da Tijuca, bairro nobre da capital fluminense. A mansão avaliada em R$ 6 milhões era apenas um dos mimos dos dois.
O dinheiro fácil fez com que o “Casal 20” dos golpes investisse pesado numa transformação estética. Fotos de Deia e Weber publicadas nas redes sociais de ambos quando ainda moravam numa casa humilde no subúrbio são completamente diferentes de outras, postadas durante viagens pela Europa e pelo Caribe.
Tratamentos capilares, banhos de loja, cirurgias plásticas e harmonização facial ajudaram a deixar para trás a antiga imagem, sem tanto glamour. Nas fotos e nos vídeos, o casal faz questão de ostentar viagens para cidades como Paris ou passeios por ilhas no Caribe. Roupas de grife, relógios de marcas sofisticadas e carros importados também passaram a figurar no álbum de fotografias de Weber e Deia.
O outro casal que integrava a cúpula da empresa golpista, Thaísa Assis dos Santos, 26 anos, e Ygor Campos Rodrigues, 31, seguiam a mesma rotina de ostentação da dupla comparsa. Ambos também gostavam de desfilar com roupas de grife, cuidar da estética e morar em mansões alugadas em bairros nobres da cidade.
A operação
Segundo a delegada Isabel de Moraes, os principais integrantes da associação criminosa elevavam o patamar da qualidade de vida conforme os golpes aumentavam. “Era grande a sensação de impunidade que os autores nutriam, pois não faziam a menor questão de esconder a ascensão financeira conquistada à custa de golpes milionários aplicados nas vítimas”, explicou.
No último dia 5, a operação foi deflagrada contra a organização criminosa que atuava no DF, Rio de Janeiro, em São Paulo e Pernambuco. Um grupo de empresas que se dizia de “consultoria financeira” enganava consumidores com a falsa promessa de vantagens. As investigações começaram em 2020, quando foi detectada a movimentação de cerca de R$ 90 milhões no decorrer de um ano.
A Corf já identificou cerca de 70 vítimas, havendo várias reclamações em sites especializados. Os prejudicados até criaram páginas nas redes sociais para denunciar os golpes. Os policiais cumpriram 20 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão temporária na região central de Brasília (SRTVS e SCN), na cidade do Rio de Janeiro (Centro, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Taquara, Engenho Novo, Guadalupe) e em Nova Iguaçu (RJ).