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Ditadura no Brasil enviou indígena ativista para campo de concentração

Indígena Oscar Guarani teve breve passagem por Brasília, quando tentou apresentar reivindicações; mas foi preso e passou 3 anos em cadeia

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Foto colorida de indígena em frente ao congresso
1 de 1 Foto colorida de indígena em frente ao congresso - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Quando veio para Brasília apresentar reivindicações à direção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em plena Ditadura Militar, Oscar Guarani se desentendeu com um general que já havia dado ordens expressas de “não querer índio nos corredores”. O indígena não aceitou o impedimento e forçou a entrada na sede. Não conseguiu falar com o general Bandeira de Mello, responsável pela gestão da Funai de 1969 a 1974, mas “ganhou” uma passagem para prisão indígena criada durante o regime ditatorial, conhecida como Crenaque ou Krenak, localizada em Minas Gerais.

“Qual foi o seu crime? Foi a Brasília apresentar reivindicações à direção da Funai”, afirma relato que consta no documento “A Política de Genocídio contra os Índios do Brasil”, enviada ao Tribunal de Russel II, em 1974. A corte em Bruxelas (Bélgica) analisava os crimes de guerra que ocorriam em países latinoamericanos naquele período. O documento de 50 páginas elaborado por antropólogos brasileiros denunciava corrupção, tortura e assassinatos cometidos pelo governo da época contra a população indígena. Entre as acusações, ficou comprovado que a ditadura militar criou prisões com trabalho forçado e tortura para a população indígena.

A vida de Oscar Guarani é um relato pequeno dentro de tantos apresentados nos documentos e falta detalhes específicos, como a data exata em que a detenção do indígena ocorreu. No entanto, o texto também revela que a prisão destinada ao indígena se tratava de um “campo de concentração”. Após três anos preso, Oscar havia perdido 30 quilos – saindo de 90kg para 60kg – e com marcas de tortura pelo corpo.

“Os índios presos são obrigados a um regime de trabalho forçado, são colocados em prisões, isolados uns dos outros. E recebem espancamentos e torturas”, detalha o documento. A denúncia dos antropólogos apontou ainda que jovens indígenas eram levados a Crenaque para que fossem treinados para a “Guarda Indígena”.

“Eram instruídos por policiais de acordo com a mentalidade policialesca do regime, os resultados têm sido os piores possíveis. Armados e fardados, os jovens voltam prepotentes às aldeias, contestam a autoridade dos chefes, prendem, espancam e exploram seus irmãos. Julgam que os outros índios têm de trabalhar para eles. Enfim, estabelecem o terror, criando um clima favorável às manobras”, classifica. A Guarda Rural Indígena (Grin) foi extinta em 1974, após oito anos de funcionamento.

Um dos registros da formatura da Guarda Rural Indígena foi feito pelo indigenista Jesco Von Puttkamer, em 1970. Em uma das cenas que ficou salva no filme Arara mostra um indígena sendo carregado em um pau-de-arara em desfile por Belo Horizonte.

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Documento enviado por antropólogos à corte internacional de Bruxelas
Página de documento descreve que o crime de Oscar Guarani foi ter ido a Brasília
Página traduzida pela Comissão Nacional da Verdade
Foto de Arquivo de Manifestação indígena contra PL490
Foto de arquivo (25/08/21) sobre indígenas de diversas etnias acompanha a julgamento do marco temporal
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Em 1970, militares fizeram desfile por Belo Horizonte carregando indígena em pau-de-arara

Reprodução de arquivo de Jesco Puttkamer, present e no filme Arara
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Documento enviado por antropólogos à corte internacional de Bruxelas

Acervo CNV/Reprodução
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Página de documento descreve que o crime de Oscar Guarani foi ter ido a Brasília

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Página traduzida pela Comissão Nacional da Verdade

Acervo CNV/Reprodução
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Foto de Arquivo de Manifestação indígena contra PL490

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Foto de arquivo (25/08/21) sobre indígenas de diversas etnias acompanha a julgamento do marco temporal

Rafaela Felicciano/Metrópoles

“Brasília era o único recurso”

“A ditadura foi um período extremamente agressivo para a população indígena”, declarou o indigenista Haroldo Heleno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Os militares viam os indígenas como um empecilho para o suposto desenvolvimento do Brasil”, destacou.

O pesquisador reforçou que a ação de Oscar Guarani ao reivindicar direitos diretamente à Funai ocorria porque “Brasília era o único recurso”.

“Nas comunidades locais, existia outros ataques, como de fazendeiros. As lideranças achavam que o serviço da Funai seria o caminho para ver as denúncias para o povo”, afirmou. No entanto, a capital pregava uma arapuca e quem pedia o mínimo de defesa era encaminhado à prisão.

“No período da ditadura, até mesmo os órgãos que deveriam ser de proteção aos povos indígenas foram extremamente violentos, usados inclusive para fazer esse processo de retirada de direitos dos povos”, completou.

Torturas

A Comissão Nacional da Verdade colheu depoimentos de outros indígenas que, assim como Oscar Guarani, foram trancafiados no reformatório Krenak. O local chegou a aprisionar 121 indígenas de acordo com o documento da CNV.

“Amarravam a gente no tronco, muito apertado. Quando eu caía no sorteio ‘prá’ ir apanhar, passava uma erva no corpo, ‘prá’ aguentar mais. Tinha outros que eles amarravam com corda de cabeça ‘prá’ baixo. A gente acordava e via aquela pessoa morta que não aguentava ficar amarrada daquele jeito”, disse o indígena Guarani-Kaiowá Bonifácio Duarte à comissão, em 2014 – 40 anos após as torturas sofridas.

Oredes Krenak também depôs à comissão e denunciou a violência que sofreu no “reformatório”.

“Bater era normal para eles. Se o índio tentava se justificar por alguma acusação, batiam com cassetete grande, depois jogavam na prisão. Não podiam nem perguntar por que estavam sendo punidos. Também batiam de chicote. Algemavam o preso dentro da cadeia e ele não podia falar, argumentar. Ameaçavam com arma. Os mais antigos contam que quando matavam um índio, jogavam no rio Doce e diziam pros parentes que tinha ido viajar”, declarou.

Reconhecimento

Os relatos ficaram registrados no extenso material da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 2014, 50 anos após o golpe militar. A elaboração do documento levou dois anos e sete meses de investigações sobre as violações de direitos humanos no período. O relatório apontou que ao menos 8.350 indígenas foram assassinados e tantos outros sofreram violências e abusos de toda ordem no regime.

Em 2021, a 14ª Vara Federal Cível, em Minas Gerais, condenou a União, Minas Gerais e a Funai pelas graves violações dos direitos humanos de povos indígenas ocorrida durante a ditadura militar, com a criação do reformatório indígena e da criação da guarda rural.

Ainda assim, apenas em 2024 – 10 anos após a publicação do relatório pela CNV e 60 após o golpe militar – que a Comissão de Anistia, formada desde 2002, concedeu reparação coletiva a dois povos indígenas pela perseguição sofrida durante a ditadura militar. Na sessão, o colegiado analisou os pedidos de reparação referentes aos povos Krenak, de Minas Gerais, e Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul.

Em 19 de abril, é comemorado o Dia dos Povos Indígenas no Brasil. A data serve para celebrar a diversidade dos povos, mas também para refletir sobre a população. O pesquisador do Cimi Haroldo Heleno destacou que as violências sofridas pela população, infelizmente, não ficou preso em um período na história.

“Esse passado deixa marcas que se aprofundam e que se repetem nos dias atuais. Hoje continua acontecendo violência contra a população indígena, com apoio de produtores de terra e com formação de milícias”.

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