O início do ano letivo ficou marcado por casos de violência em escolas do Distrito Federal. Levantamento feito pelo Metrópoles com base em dados da Polícia Civil, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, mostra que, até 7 de abril, foram registradas 581 ocorrências de crimes praticados em ambientes escolares. Isso representa a média de cinco situações diárias.
A reportagem apurou os índices de violência em colégios nos últimos cinco anos. O estudo engloba delitos cometidos em unidades de ensino e faculdades públicas e particulares. No total, foram 10.378 casos.
Os anos de 2018 e 2019 apresentaram os maiores índices do período, com 3.540 e 3.198 registros, respectivamente. Em seguida, houve uma redução no número de crimes em razão da pandemia da Covid-19. Em 2022, o casos voltaram a subir. Confira:
Durante todo o período, o perfil das ocorrências permaneceu semelhante em relação aos locais e a natureza dos delitos. Mais da metade ocorreu em escolas públicas (55%), seguida de colégios e faculdades particulares (19% e 12%, respectivamente). Brasília, Taguatinga e Ceilândia tiveram as maiores taxas de violência.
Entre os tipos de crime os furtos foram os mais recorrentes, dado que se repete ano a ano. Outros delitos frequentes são: ameaça, injúria e lesão corporal. No que se refere ao gênero das vítimas, as mulheres são as mais atingidas, em 49% das ocorrências. Homens representam 39,5% dos números.
Edileuza Fernandes, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), aponta que os fatores que levam ao alto índice de criminalidade não estão atrelados somente aos conflitos dentro dos colégios.
“A pandemia revelou, de forma dramática, as intensas desigualdades sociais, de acesso à tecnologia, mas, sobretudo, à alimentação, à saúde, ao emprego e às condições dignas de vida. O isolamento social nos tirou do contato com o outro. Enfim, são inúmeros fatores que precisam ser considerados”, explica. “Não podemos atribuir à escola a responsabilidade única pela violência, pois ela é estrutural na sociedade.”
A especialista em educação acrescenta que, dentro deste contexto, as escolas públicas acabam sendo mais afetadas por falta de recurso e de professores, problemas de infraestrutura e em razão das desigualdades sociais que cercam os alunos. “Em algum lugar as pressões sobre os estudantes vão eclodir. Por isso, são urgentes as políticas públicas e a atenção dos governos à educação pública e aos profissionais da educação.”
Edileuza chama a atenção também para o fato de que o problema da violência nas escolas não atinge apenas os alunos, mas também os professores, as famílias e a comunidade.
As soluções, portanto, não podem partir somente do ambiente educacional. Segundo a especialista, é necessário “melhorar as condições de vida das famílias, fortalecer a gestão democrática nas escolas por meio de colegiados, como conselhos, grêmios, assembleias e, principalmente, políticas públicas para a educação.”
Superando a violência
O clima é de tranquilidade na hora do intervalo do Centro Educacional São Francisco, mais conhecido como CED Chicão, em São Sebastião. Alunos conversam, lancham e jogam cartas enquanto um artista local apresenta um show de rock no meio do pátio. A cena é bem diferente das imagens que circularam nas redes sociais há cerca de um mês, quando uma mulher sacou uma arma e apontou para uma aluna durante briga na porta da escola.
O caso levou insegurança a alunos, professores e famílias. “Trouxe um ar de tensão que até então a gente não sentia”, conta o diretor do CED Chicão, Matheus Costa. A solução para fugir dessa atmosfera foi a promoção de atividades culturais, como shows, concursos de dança e campeonatos esportivos dentro da escola. Tudo organizado pelos estudantes.
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O Centro Educacional São Francisco, mais conhecido como CED Chicão, em São Sebastião, teve um caso de briga com arma de fogo
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Apesar da situação de violência, a estudante Allana Fernanda se sente segura no colégio
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Emanoele Candido, 15 anos, defende que alunos tenham mais iniciativa contra a violência
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Matheus Costa é diretor do Chicão
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Estudantes assistem a show de rock no intervalo das aulas
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Artista local se apresentou na escola
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Grupo musical formado por estudantes se preparam para tocar
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“A gente acredita que o caminho [para superar a violência] é por meio de um processo educativo a partir de projetos que a gente já tinha uma certa experiência, que é a mediação de conflitos para estabelecer a cultura da paz”, afirma o diretor.
O educador defende que esse tipo de iniciativa é positiva para diminuir a incidência de casos de violência no ambiente escolar.
“Tira um pouco o foco da coisa. Não que a gente não esteja tratando, não que não seja importante, mas aquela energia de tensão vai se dissipando. As pessoas vão falando sobre outras coisas, que não é esse cenário da violência. A gente passa a ver os potenciais que a nossa comunidade tem”, reflete.
Além das atividades culturais, houve reforço no policiamento ao redor da escola por parte do Batalhão Escolar da PM, que passou a fazer mais operações de varredura.
O diretor Matheus avalia que o principal fator influenciador nesse cenário de violência é o isolamento social provocado pela pandemia. “A galera [estudantes] estava muito sem rotina, sem disciplina e, principalmente, sem socialização. A escola, por si só, tem uma caráter disciplinador. Você tem hora para chegar, para sair, tem uniforme adequado, horário para lanchar…”, avalia.
“A gente cobrar a importância das regras para qualquer espaço que for, sobretudo um espaço público, há certa resistência.” De acordo com o professor, é a partir desta resistência que surgem os conflitos. “As pessoas tendem a agir violentamente em momentos de crise. Não digo só a questão da agressão física, mas a violência na maneira de se comunicar, na maneira de se cuidar, de abordar o outro”, destaca.
Outra frente de atuação para coibir casos de violência na escola foi a oferta de acompanhamento psicológico para estudantes, familiares e comunidade de São Sebastião. Segundo o educador, a saúde mental dos alunos também foi afetada pela pandemia. “É muito raro ter um dia que a gente não atende algum caso de estudante sofrendo com crise de ansiedade ou depressão”, revela o diretor.
A iniciativa conta com a parceria de universidades, unidades de saúde e voluntários, que, todo sábado, oferecem o sessões gratuitas de terapia. Matheus afirma que, a partir do projeto, foi possível perceber melhora na forma como os estudantes se relacionam e lidam com situações de atrito.
O estudante do 1º ano do ensino médio Victor Hugo Sousa, 15 anos, sente que, após o incidente, a escola tem se esforçado em tornar o ambiente mais seguro. “Tem a questão dos uniformes serem obrigatórios, o patrulhamento da polícia, que ficam observando o movimento dos alunos.”
Allana Fernanda, 17, também do 1º ano, diz que o caso fez com que ela se sentisse insegura ao ir para a escola. Mas, agora, acredita que a situação apaziguou. “Os professores e a coordenação sempre se preocupam muito com nossa segurança, se dispõem a conversar com a gente”, afirma.
Emanoele Candido, 15, avalia que, apesar das tentativas, a escola ainda tem conflitos entre estudantes que precisam ser resolvidos. Segundo ela, é necessário mais engajamento dos alunos no processo. “Os professores querem fazer [atividades de combate à violência], têm interesse, mas nem sempre os alunos têm. Falta uma conversa boa com todo mundo, não só quando tem briga”, defende.
O Chicão atende 1.853 estudantes do ensino médio. Cada sala de aula tem, em média, 45 alunos, número acima do considerado ideal, que é de 38 ou 32 — quando há adolescentes com algum tipo de deficiência. Além disso, o colégio ainda faz um trabalho socioeducativo junto à unidade de internação provisória de São Sebastião.
Início de ano violento
Em março deste ano, a violência assustou pais e alunos de escolas públicas. Em menos de uma semana, ocorreram ao menos quatro casos de brigas violentas em instituições ensino. Em dois deles, estudantes chegaram a ser esfaqueados.
Recentemente, outra filmagem de briga em escola passou a circular nas redes sociais. No vídeo, um rapaz agride uma estudante com tapas e puxões de cabelo dentro da sala de aula. Imagens foram feitas pelas câmeras de segurança da escola.
Após os casos, o GDF criou um plano de emergência para coibir violência nas escolas. O projeto envolve as secretarias de Educação, da Segurança Pública, da Saúde, da Juventude, Esporte e Justiça e deve ser implementado até 6 de junho. Entre as medidas estão distribuição de cartilha sobre convivência, apresentação de palestras educativas e atividades culturais, a começar por escolas com maiores índices de violência.
Questionada sobre o andamento do plano, a Secretaria de Educação enviou a seguinte nota:
“O Plano de Urgência pela Paz nas Escolas, anunciado em 28 de março deste ano, ainda está sendo implementado nas 126 escolas identificadas com o maior índice de registros de violência.
Casos de violência nas Unidades de Ensino tendem a ficar cada vez mais raros, na medida em que o plano for avançando.”
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