Diretor de filme relativiza escravidão em evento promovido por deputada: “Todos viviam felizes”
Estudantes assistiram documentário sobre monarquia no Brasil. Diretor citou escravidão, mas disse que “todos viviam alegres”
atualizado
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Um evento realizado na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) exaltou o período monárquico no Brasil e relativizou a escravidão, diante de alunos de duas escolas públicas de Ceilândia. Com teor político-ideológico, a solenidade tinha como objetivo a exibição do documentário “A Jornada dos Príncipes (1822-2022)”. Em resposta ao questionamento de alunos, o diretor do filme, Malcolm Forest, chegou a dizer que, naquele período histórico, “havia muita gente pobre, havia os escravos”, mas “todos viviam alegres” (veja o vídeo abaixo).
O evento de exibição do documentário aconteceu na noite da última segunda-feira (21/8). Ele foi idealizado pela deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania), que convidou estudantes e professores do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 31 e do Centro Educacional (CED 15), além do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL/SP), entre outros.
A solenidade de segunda-feira não escondeu o caráter político. O filme, que recebeu, em 2021, R$ 321 mil de dinheiro público da Secretaria Nacional do Audiovisual, do Ministério do Turismo, traz agradecimentos à deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e tem uma visão bastante positiva do período monárquico no Brasil.
Ao fim da exibição, uma aluna selecionada anteriormente pelos organizadores da solenidade fez um discurso com afirmações como “a gente está sob o regimento do MEC [Ministério da Educação]” e “temos alguma deturpação” nas escolas. A estudante finalizou a fala aconselhando outros alunos: “A gente vai ter que procurar a verdade por nós mesmos”.
Outra espectadora, no momento das perguntas, questiona o diretor do filme sobre como vivia a sociedade na época da monarquia no Brasil. Malcolm respondeu a estudante dizendo que a população era alegre, mesmo sofrendo.
“Tínhamos classes sociais. Havia gente muito pobre, havia os escravos e havia uma pequena classe que seria chamada hoje de classe média. Eu não sou a pessoa mais adequada para comentar sobre esse aspecto, mas todos viviam alegres, embora sofrendo muito”, disse o diretor do documentário.
Militar e conservadores convidados
O evento na Câmara Legislativa contou ainda com presenças de pessoas como Ricardo Piai Carmona – general de divisão e comandante Militar do Planalto -, Luis Felipe Belmonte – empresário bolsonarista e marido de Paula Belmonte -, e a professora Ana Beatriz Goldstein, representando a Secretaria de Educação do DF.
Luis Felipe elogiou “nossa raiz cristã” e pediu aos alunos que “conheçam a história do Brasil, a história verdadeira”. Ele também afirmou que o período monárquico “foi um tempo de maior avanço e maior progresso”.
Recentemente, Paula Belmonte atuou para barrar uma moção de louvor ao CEF 8 de Sobradinho II, que promoveu um diálogo em projeto pedagógico voltado ao acolhimento de estudantes LGBTQIAPN+. A ação causou polêmica entre conservadores, que questionaram um possível viés ideológico dentro do contexto escolar.
Procurada, a deputada disse que não se pronunciaria. A Secretaria de Educação, por sua vez, informou que o convite para o evento foi realizado diretamente para as escolas participantes, não passando pela pasta.
O que diz o diretor do filme
O diretor do filme, Malcolm Forest, após a reportagem publicada, enviou nota justificando que ficou sabendo tardiamente da polêmica e disse que sua fala foi “uma desastrada resposta proferida naquela ocasião”.
No texto, ele diz não ter agenda política e que seu foco sempre foi a promoção da arte da cultura. Em relação à polêmica, ele escreveu: “Repudio veementemente qualquer sugestão de que a escravidão tenha sido algo feliz. Estou consternado por qualquer interpretação incorreta que minhas palavras possam ter causado e sinto profundo pesar por qualquer impressão equivocada”, salientou.
Ainda na nota, Malcom prossegue: “Enfatizo que minha intenção ao mencionar que “todos viviam alegres, embora sofrendo muito” não foi minimizar o horror da escravidão ou sugerir que os escravos estavam felizes em sua condição. Eu compreendo a complexidade e a gravidade da história da escravidão no Brasil e lamento qualquer interpretação errônea que possa ter surgido. A perspectiva da minha fala teve como objetivo sinalizar e contextualizar uma realidade histórica complexa, na qual coexistiam diversas realidades sociais, econômicas e culturais. Eu jamais pretendi subestimar o sofrimento humano inerente à prática da escravidão, que é um capítulo triste e sombrio na história do nosso país”.
O diretor ainda ressaltou que tem o “compromisso de continuar trabalhando para uma compreensão mais profunda e respeitosa da história e da diversidade do nosso país. Minha intenção é sempre promover um diálogo respeitoso e esclarecedor sobre questões históricas e sociais, sem minimizar ou desconsiderar o sofrimento e a injustiça que muitos enfrentaram ao longo da história. Eu estou comprometido a ser ainda mais cuidadoso na escolha das palavras para garantir que minha posição nunca seja mal interpretada e garanto que seguirei buscando um discurso mais preciso e sensível”.