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Policiais LGBTs combatem homofobia em forças de segurança do país

Rede de assistência à comunidade tem sede no DF, promove cursos de formação e defende mais respeito às diversidades no ambiente de trabalho

atualizado

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Foram necessários três anos para que o subtenente Itamar Matos, 41 anos, assumisse sua orientação sexual para os colegas de farda. “Fazia um esforço desmedido contando histórias falsas para me justificar, até que decidi parar de fingir ser alguém que eu não era”, conta. O medo de sofrer preconceitos e ser considerado menos capaz por ser gay motivaram o silêncio. “Nossas carreiras, muitas vezes, são associadas à virilidade, ao hétero macho. É uma falsa concepção e um paradoxo”, afirma.

A quebra de paradigma representa mais do que autonomia e liberdade para o policial militar do Distrito Federal, que está há 23 anos na corporação. Matos transformou relações, pensamentos e atitudes por meio do debate em prol do respeito às diferenças. O oficial conta que chegou a receber agradecimentos de colegas que tinham atitudes homofóbicas e mudaram a visão a partir do convívio com ele.

Tinha um PM que pedia aos filhos que não falassem com uma vizinha por ser transexual. Depois, ele disse sentir vergonha da atitude. Essa transformação é crucial no âmbito pessoal e como profissional de segurança. Cumprimos um papel de pedagogo social. Assim, precisamos promover uma sociedade justa e que respeite as diversidades

Itamar Matos, subtenente da PMDF
Material cedido ao Metrópoles
Há 23 anos na Polícia Militar do DF, o subtenente Matos milita pelos direitos LGBTI+
União faz a força

Assim como Matos, outros agentes da Segurança Pública que pertencem à comunidade LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgênero, Queers e Intersexuais) têm unido forças para combater preconceitos dentro das corporações. Segundo o oficial, o trabalho tem se intensificado desde meados de 2018, quando considera que o momento político encorajou homofóbicos a exteriorizarem seus pensamentos e ameaçarem minorias.

“Senti muito medo de ser perseguida por membros da própria corporação, que começaram a expor opiniões em tons discriminatórios. Se eu, que sou policial, senti isso de pessoas que deveriam proteger a sociedade, imagina quem está de fora?”, expôs uma militar lésbica, que preferiu não se identificar.

Apesar de perceber que o tema está sendo cada vez mais debatido e compreendido, ela ainda teme revelar esta parte da sua vida abertamente. “Já é difícil ser mulher nesse meio. Não quero que as pessoas me reduzam, mesmo sabendo que orientação sexual não interfere na minha competência”, explica.

Para combater situações como essa, a Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública (Renosp), grupo de apoio LGBTI+  dentro das corporações de segurança, foi oficialmente institucionalizada em dezembro de 2018.

“A consolidação da rede tem por efeito prevenir e evitar situações de violência institucional. Nos reunimos e, por meio de debates, produzimos conhecimentos que contemplem as diversidades. Posteriormente, levamos esse conteúdo para dentro dos cursos de formação das corporações”, explica Anderson Cavichioli, delegado da Polícia Civil do DF (PCDF), militante gay e atual presidente da Renosp.

Na missão de combater ambientes hostis, Cavichioli acredita que a mudança deve se concentrar nos pensamentos pessoais, já que o preconceito vem de cada um e não das corporações. “Nem todos os cursos de formação contemplam temas de orientação sexual e diversidade de gênero. Onde não há, temos situações graves com ambientes hostis”, diz o delegado. “É necessário maior investimento na área para garantir um ambiente saudável, com respeito e tolerância, para que o profissional desenvolva bons trabalhos à sociedade”, analisa.

Conduta transformadora

Cavichioli atua na 18ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, em Brazlândia. Ali, a capacitação de cada um dos servidores em relação ao respeito às diversidades teve ação transformadora na atuação interna e externa dos profissionais. A conduta humana e respeitosa, por exemplo, ajudou e continua ajudando o estudante de odontologia Felipe Augusto Correia Milanez, 24 anos. “No momento mais angustiante da minha vida, vi ali algo que eu não tinha mais crença: a empatia”, afirma.

Na madrugada de 7 de outubro deste ano, Felipe foi esfaqueado 22 vezes na saída de uma festa em Brazlândia. Aos gritos de “menos um viado no mundo”, 16 pessoas agrediram o estudante, que, mesmo ensanguentado, conseguiu pedir ajuda. Ele passou oito dias internado entre a vida e a morte. Os agressores ainda tentaram invadir o hospital onde ele se recuperava para “terminar o serviço”.

Cada facada arrancou um pedaço da minha confiança, da minha liberdade, da minha esperança na humanidade. Mas o doutor Anderson [Cavichioli] foi um resgate para mim. Gay ou não, todos deveriam atuar com acolhimento, saber entender as peculiaridades de crimes homofóbicos, racistas e contra todas as minorias para lidar com isso

Felipe Augusto Correia Milanez, vítima de ataque homofóbico investigado na 18ª DP, sobreviveu a 22 facadas

Para ele, que já serviu o Exército durante um ano, a formação dos novos profissionais de Segurança Pública pode ser a chave para garantir atuações como a da equipe responsável por apurar o crime do qual foi vítima. “Entrei [no Exército] achando que precisava me esconder por ser gay. O que aprendi foi disciplina e respeito acima de tudo. É questão de capacitação correta para mostrar que ali não tem espaço para pensamentos preconceituosos”, diz.

Sobrevivendo no exterior

Até o momento, apenas um suspeito de participar da tentativa de homicídio contra Felipe Augusto Milanez foi preso. Os demais estão foragidos: a maioria é menor de idade. A Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) segue em busca dos envolvidos.

“Sei que a Justiça será feita porque há profissionais que se debruçam sobre o meu caso para que outras pessoas não sofram o que eu sofri”, acredita o universitário.

acqueline Lisboa/Esp. Metrópoles
Felipe carrega as cicatrizes das 22 facadas que levou

 

Após o crime, Felipe se mudou para o Canadá e é assistido por uma ONG que ampara refugiados. “Não vou viver como se fosse culpado, me escondendo. Estou reconstruindo minha vida. Mas de uma forma ou de outra, eu perdi, porque estou longe da minha família, meu apoio”, lamenta. Segundo Felipe, há mais de 40 mil pessoas LGBTQI+ do DF inscritas na lista canadense de refugiados.

O elevado número de brasilienses tentando sair do país por sofrer ameaças e agressões homofóbicas preocupa. Desde 2011, a capital do país sempre esteve no ranking das unidades da Federação com maior número de denúncias de crimes contra LGBTI+ por habitante. Só perdeu a primeira posição em 2011 e 2013 para o Piauí. No restante dos anos, até 2018, esteve no topo. O recorde foi em 2012, com 9,18 denúncias a cada 100 mil habitantes. Os índices baixaram para 1,52 no ano passado.

Ao todo, foram 566 denúncias de algum tipo de violência contra a população LGBTI+, feitas entre 2011 e 2018, pelo Disque 100.

O comparativo mais recente demonstra que o tema está longe de sair de pauta. De janeiro a novembro de 2019, foram contabilizadas 106 ocorrências de injúria preconceituosa sobre sexo e gênero no Distrito Federal. Isso representa um aumento de 20,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve 88 registros. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do DF.

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