Mãe de menina trans luta para mudar gênero em atestado de óbito
A estudante brasiliense se suicidou em 4/1, e agora a mãe tenta fazer a identificação dela com o gênero feminino ser respeitada
atualizado
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O luto da família de Victória Jugnet ganhou um capítulo jurídico. A mãe dela, Alessandra Jugnet, 42 anos, e o pai, Pablo Grossi, 38, movem uma ação inédita para que o nome social feminino da filha transexual substitua a alcunha civil masculina registrada no atestado de óbito.
É a primeira vez que o reconhecimento do nome social está sendo reivindicado depois da morte do interessado. Vick, que estava em processo de transição de gênero, suicidou-se no último dia 4 de janeiro, aos 18 anos, depois de publicar textos nas redes sociais nos quais se queixava de preconceito e exclusão.
Além de homenagear a memória da filha, a mãe acredita que, desta maneira, está contribuindo para a causa LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersexuais), ao destacar a importância do respeito às escolhas dos transgêneros.
“Muitas Marias são enterradas como João e vice-versa. Acredito que, se o precedente for aberto, teremos informações mais precisas sobre as violências às quais os transgêneros são submetidos”, defende Alessandra Jugnet.
O pedido dos pais para que o nome Victória apareça no atestado de óbito foi recusado em primeira instância, em janeiro, por um juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). O magistrado afirmou que “o direito à alteração do nome é personalíssimo e os registros públicos são orientados pelo princípio da continuidade registral”. Em outras palavras, o fato de a garota trans, enquanto viva, não ter requisitado a mudança constitui um impedimento legal.
Disposta a debater o assunto, Alessandra conseguiu apoio de um grande escritório de advocacia, que apresentou recurso à Justiça pedindo o reconhecimento do nome social e do gênero feminino no atestado de óbito. Agora, a ação será analisada pelos desembargadores de 2ª Turma Cível do TJDFT. O escritório aceitou a causa na modalidade pro bono (sem cobrar honorários) e, por isso, não pode ter o nome divulgado.
Para embasar a ação, foram acrescentados pelo menos 10 depoimentos de pessoas que conviveram com a garota, declarando que, apesar de ter nascido com o sexo masculino, Vick se reconhecia como menina, moça, mulher. “Fiquei extremamente tocada com a sensibilidade de nossos amigos. Eles colaboraram fazendo relatos sobre a convivência com minha filha”, afirmou.
Há declarações do colégio que Vick frequentava – Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima – e do Adolescentro (núcleo de saúde mental da rede pública do DF), onde ela participava do grupo Diversidade. Na declaração da instituição de ensino, o orientador educacional escreveu: “Espero que seu desejo de respeito e valorização da sua real personalidade seja atendido”.
Transição
A mãe explica que Vick pretendia mudar os documentos após a conclusão do tratamento de transição de gênero. A jovem estava tomando bloqueadores para inibir os hormônios masculinos, fase predecessora da cirurgia de redesignação sexual.
“Causava grande aflição a ela imaginar que não teria a aparência condizente com o nome feminino que estaria no documento de identidade, por isso ela ainda não tinha trocado o nome”, lembra Alessandra.
Aos 15 anos, a garota declarou-se homossexual e foi bem acolhida pela mãe, que, desde a primeira infância da filha, já havia percebido os interesses dela mais voltados para o – convencionado – universo feminino. “Não via razão para reprimir a Vick, pois, para mim, o importante era ela ser feliz”, atesta.
O reconhecimento do nome social é uma conquista recente da comunidade LGBTI. Em 1º de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os transexuais poderiam alterar o nome social e o gênero no registro civil apenas indo ao cartório. Antes, era necessário fazer um pedido à Justiça para realizar a mudança.